Portugueses reclamam menos, mas muito sobre telecomunicações

Em 2017, houve menos consumidores a pedirem ajuda à Deco para resolver conflitos com fornecedores de bens e serviços: 405 mil. As telecomunicações mantêm-se no topo das queixas.

Em 2017, os portugueses recorreram menos à Deco para apresentar reclamações relacionadas com serviços prestados. A quebra no número de queixas foi transversal às diferentes categorias de serviços, mas a tradição mantém-se. As telecomunicações continuam a figurar no topo do ranking de reclamações.

No ano passado, o gabinete de apoio ao consumidor acolheu as reclamações de 405 mil consumidores, que recorreram aos serviços da Deco para procurar informação e apoio para a resolução dos seus conflitos. Este número corresponde a uma quebra de 12% face aos cerca de 460 consumidores que tinham recorrido ao apoio da associação de consumidores para o mesmo fim no ano de 2016.

A diminuição no número de reclamações, que segue uma tendência que se observou nos anos mais recentes, não resulta de os consumidores estarem menos informados dos seus direitos na relação de consumo com os diferentes agentes, nem de terem menos razões de queixa. Antes pelo contrário. “Consideramos que os consumidores estão cada vez mais informados, o que é positivo. E por outro lado, os consumidores também tentam numa primeira fase resolver esses conflitos de forma direta, através nomeadamente das redes sociais que as próprias empresas já disponibilizam para apresentar as suas reclamações”, explica a esse propósito Ana Tapadinhas, diretora-geral da Deco. Salientando, no entanto, que “pelo facto de terem esse acesso direto não significa que com isso vejam as suas reclamações resolvidas“.

Os números das maiores queixas

Fonte: Deco

Em termos globais, a área das telecomunicações continua a ser o maior alvo de queixas. Em 2017, este setor deu origem a um total de 42.339 reclamações, um número que representa uma quebra de 7% face às 45.515 reclamações apresentadas no ano anterior, mas que não é suficiente para retirar o setor das telecomunicações do topo da lista das queixas. “Muito embora tenhamos um contacto privilegiado no sentido de resolver as reclamações que os consumidores nos fazem chegar, na verdade a postura das empresas de telecomunicações, continua a ser uma postura lesiva dos interesses dos consumidores. Nomeadamente através das suas práticas comerciais desleais, e sobretudo que também violam a lei“, justifica a diretora-geral da Deco.

Ilustrativo disso mesmo é o facto de as principais razões a justificar os pedidos de ajuda manterem-se as mesmas: a fidelização, as negociações contratuais que dão lugar a refidelizações ou as vendas agressivas no domicílio. A essa lista acrescem ainda as questões relacionadas com a faturação, nomeadamente a prescrição dos consumos, acrescendo ainda, em particular no ano passado, “as questões relacionadas com o aumento ilegal dos preços“, tal como explica Ana Tapadinhas.

“Nos termos da lei, os operadores de telecomunicações têm naturalmente o direito de informar acerca do aumento de preços, mas também têm o dever de informar o consumidor que, caso não concorde com aquele aumento de preços, tem o direito de rescindir o contrato”, esclarece a jurista, recordando que em 2017, as operadoras incumpriram nesse âmbito.

Em causa está a comunicação das operadoras do setor aos seus clientes que iriam avançar com um aumento de preços, sem os informar que tinham o direito de rescisão, o que levou a Anacom a introduzir medidas corretivas no sentido de dar a oportunidade de colocarem novamente os preços antigos, ou então repetirem a comunicação, o que foi feito em agosto.

A oferta de serviços não solicitados é outra das razões de queixa dos consumidores. Isto é, campanhas promocionais que são promovidas pelos operadores de telecomunicações, mas que são configuradas como não solicitadas. “Por exemplo, as campanhas que anunciam internet grátis no primeiro mês, mas que comunicam também aos consumidores que no final do mês começam a pagar. Ora, isso significa que se está a valorizar o silêncio do consumidor, o que é uma prática absolutamente ilegal”, esclarece a esse propósito a jurista.

As empresas mais alvo de queixas no setor das telecomunicações foram a Meo, a Nos, a Vodafone e a Nowo. “Todas elas genericamente têm quase o mesmo número de reclamações”, afirma Ana Tapadinhas.

Compras e vendas ultrapassam energia e água

A falta de entrega ou o atraso dos produtos, a recusa de cancelamento da compra dentro do período de reflexão e a ausência de reembolso nas vendas pela internet continuam a ser as áreas com maior número de reclamações no âmbito dos serviços de compra e venda. Este setor passou, aliás, a ser o segundo maior alvo de reclamações junto dos serviços da Deco, apesar de o número total de queixas nesse segmento até ter diminuído no ano passado. No total, o setor de compra e venda motivou um total de 26.194 reclamações, 4,5% aquém face aos 27.430 registados em 2016.

“Não são só as questões com o comércio online mas também com o comércio offline“, diz a esse propósito Ana Tapadinhas, destacando a dificuldade dos consumidores em acionar a garantia sempre que estão perante um bem com defeito. Mas também as questões relacionadas com as vendas com redução de preço e o incumprimento contratual. O prazo de entrega que não é cumprido nesse último caso.

Já nas vendas online as várias situações prendem-se com a falta de entrega ou com atraso dos produtos, a recusa de cancelamento dentro do prazo que assiste aos consumidores (o consumidor tem direito a refletir e a por termo ao contrato no prazo de 14 dias) e a ausência de reembolso nas vendas pela internet. Mas há outro fator de preocupação para a Deco. “Outra questão que nos tem preocupado tem a ver também com as insolvências que têm proliferado nas empresas de comércio eletrónico, ficando os consumidores prejudicados porque já efetuaram o pagamento do respetivo bem e, pela força da insolvência, não conseguem que o mesmo lhe seja entregue”, explica a diretora-geral da associação de consumidores.

Já o setor da energia e da água destaca-se com a maior quebra em percentagem no número de reclamações. No total, esse setor suscitou 21.670 queixas no ano passado, 22% aquém das 27.708 verificadas em 2016.

Ana Tapadinhas destaca nesse âmbito o papel do regulador da energia: a ERSE. “A intervenção da entidade reguladora tem de alguma forma dado a conhecer aqueles que são os direitos dos consumidores. Nomeadamente no âmbito sobretudo da mudança de comercializador”explica a esse propósito.

Dos pedidos que chegam à Deco, nesse âmbito, a maioria prende-se com consumidores confrontados ou com duas faturas referentes ao mesmo período, já que desconhecem que têm de cancelar o fornecimento desse serviço no primeiro operador com quem tinham contrato, ou com atrasos na emissão da fatura aquando da mudança. Mas os problemas continuam a ser os mesmos no que respeita à apreciação de faturação, à ausência de faturação ou à dupla faturação e à cobrança de consumos prescritos. No setor da energia, as entidades alvo de mais reclamações são a EDP, a Goldenergy, a Galp e a Endesa.

Na água, as queixas prendem-se mais com a questão da prescrição de consumo. Embora seja legal enviar uma fatura com consumos prescritos, muitas vezes os consumidores têm dificuldade em exercerem o seu direito, nomeadamente dizendo que não têm de pagar essa fatura porque nos termos da lei dos serviços públicos essenciais essa fatura já prescreveu (só podem ser cobrados os seis meses anteriores).

Seguros no crédito e comissões dominam nos serviços financeiros

Também nos serviços financeiros ocorreu uma diminuição no número de queixas (21,5%), com estas a totalizarem 20.756 no ano passado. Neste campo realçam-se os seguros associados ao crédito ao consumo. Nomeadamente, as dificuldades que os consumidores têm em acionar as garantias decorrentes desses seguros e acionar a respetiva apólice em função de determinados sinistros.

As comissões bancárias são outro dos principais alvos de queixa. “Sendo certo que apresentamos uma petição, em 2013, e que voltamos a apresentar outra este ano, a situação não se alterou de todo” defende Ana tapadinhas, dizendo que a situação “até se agravou”. “Não só porque embora esteja definido que neste momento as comissões têm de ser pagas em função do serviço prestado, continuamos não só a verificar que não é definida a noção de serviço, como por outro lado assistimos a um aumento externalizado das comissões. Os consumidores, disso têm reclamado”, conclui.

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