CGD: Cinco “fogos” que Paulo Macedo tem de apagar

  • Rita Atalaia
  • 1 Fevereiro 2017

A CGD tem nova administração. Paulo Macedo assume hoje o comando do banco, mas tem vários "fogos" para apagar. Desde à aplicação do plano de reestruturação ao regresso aos lucros do banco do Estado.

Depois tanta polémica em torno de António Domingues, que culminou com a saída do antigo administrador do BPI no final do ano, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) tem uma administração. Paulo Macedo, já com a “luz verde” do Banco Central Europeu (BCE) a toda a equipa, assume hoje a presidência de um banco que esteve a ser preparado para ganhar uma nova vida. Apesar de estar liberto do “fardo” do malparado, há ainda muitos “fogos” que o ex-ministro e antigo vice-presidente do BCP tem de tentar “apagar”. Desde à conclusão da reestruturação até ao regresso aos lucros.

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A construção da equipa de administração da CGD não foi nada fácil. Foi um ano que mais pareceu uma corrida de obstáculos: sempre que se ultrapassava um vinha outro logo à frente. Depois do fim do mandato de José de Matos, foi a vez de António Domingues liderar o banco público. Mas isto não durou muito tempo. As polémicas começaram quando o BCE chumbou oito dos 19 nomes propostos pelo Governo para o conselho de administração da CGD.

E continuaram quando se soube que Domingues apenas tinha aceitado ficar com o cargo se não tivesse de entregar a sua declaração de rendimento e património ao Tribunal Constitucional. Uma condição que não foi respeitada e que levou à saída do então presidente da CGD. Um bater de porta que obrigou António Costa a um Plano B. Apagou um incêndio na CGD com a escolha de Paulo Macedo para a liderança do banco público. Resultado: quase um mês de limbo, que agora chega ao fim. Agora que Paulo Macedo está oficialmente à frente da “corporação”, os “fogos” vão começar a ser apagados.

“Apagar” prejuízos

A prioridade da Caixa deve ser o regresso aos lucros, “apagando” os prejuízos dos últimos seis anos. Já se passaram dois anos e o banco público ainda não conseguiu livrar-se da “carga negativa de maus e antigos créditos concedidos nos anos anteriores” – assim era a justificação dada por José de Matos para os maus resultados –, onde se incluem as operações feitas com o grupo catalão La Seda Barcelona, na era José Sócrates.

Resultado: a CGD vai a caminho do sexto ano consecutivo de prejuízos. No conjunto do ano de 2016, os prejuízos devem ficar entre os dois e os três mil milhões de euros, com as provisões para o malparado justificarem este montante avultado.

“Houve uma série de erros de gestão”, diz João Cantiga Esteves ao ECO. E estes erros levaram à criação de uma comissão parlamentar de inquérito — cujo fim já está à vista, mas não as conclusões que se esperavam que dali saíssem. O economista diz mesmo que é “inacreditável que as contas da Caixa tenham chegado onde chegaram” considerando o seu estatuto de banco público. “Temos de olhar para o balanço” e ver de que forma a Caixa pode deixar de ser um “buraco” e passar a distribuir dividendos ao acionista Estado.

Renascer das próprias cinzas

Foram seis anos de prejuízos, mas o Governo já pôs em prática um plano para apagar este incêndio — aprovado em dezembro pelo BCE e pelo Banco de Portugal — e renascer das cinzas. Mas ainda pode haver reacendimentos. Cabe a Paulo Macedo garantir que isto não acontece. É preciso definir o “rumo estratégico” do banco, defende o economista João Duque.

A primeira fase já está concluída: um aumento do capital social em 5,9 mil milhões de euros, para 7,3 mil milhões. Este reforço foi integralmente subscrito pelo Estado e realizado através da transferência de ações da Parcaixa (no valor de 490 milhões) e do “perdão” dos 900 milhões de CoCos.

Então o que é que falta? A injeção direta de até 2,7 mil milhões de euros por parte do Estado. Mas há um “fogo” ainda maior para apagar: o banco público também irá emitir este ano títulos de dívida de elevada subordinação no valor de mil milhões de euros para contar para capital (sendo que num primeiro momento o banco vai vender 500 milhões). Esta emissão de títulos de alto risco deverá envolver taxas de juro entre os 8% e os 10%. Num cenário em que o setor bancário está muito fragilizado, Macedo terá de convencer os investidores a comprar estes títulos. E com a agravante: a perceção de risco sobre o país é cada vez maior como se vê pelos juros da dívida a dez anos acima dos 4%.

Recuperar o papel de financiador da economia

A Caixa não está parada, antes pelo contrário”, assegurou António Domingues, no encerramento da sua audição na comissão de Orçamento e Finanças. Mas a realidade é que a CGD esteve sem uma liderança estável durante quase um ano. Agora que Paulo Macedo assumiu a presidência da Caixa, um dos passos mais urgentes é fazer com que o banco recupere o papel de financiador da economia portuguesa.

Em conjunto com o Novo Banco — – cuja venda já falhou uma vez e a segunda tentativa não está a correr muito melhor — a CGD é um dos dinamizadores na cedência de crédito às pequenas e médias empresas. Mas, olhando para as contas da Caixa referentes ao terceiro trimestre do ano passado, houve uma quebra de 1,9% na cedência de empréstimos a empresas face a setembro de 2015. Caberá a Macedo inverter esta tendência, abrindo a CGD aos pequenos e médios empresários, mas garantindo um nível de risco adequado aos financiamentos que atribuirá.

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Um equilíbrio delicado

Paulo Macedo também terá de fazer malabarismo. Há um outro desafio: o difícil equilíbrio entre o papel da CGD na economia portuguesa e a concorrência com os outros bancos comerciais. “Há dez ou 15 anos isto não aconteceria”, refere o economista João Cantiga Esteves. Mas hoje é esta a realidade e Paulo Macedo terá de conseguir gerir este jogo de forças.

Ao mesmo tempo que tem de conceder mais crédito, especialmente às empresas, tem de conseguir, como os restantes bancos, procurar alternativas para aumentar as suas receitas. Como? Aumentando as comissões. Isso já está a acontecer: entre abril e maio, a CGD vai proceder ao agravamento de várias comissões. As anuidades de cartões, requisição de cheques e transferências estão entre os serviços mais afetados pela mudança no preçário.

Estas alterações já estavam previstas no plano de negócios — devem resultar num encaixe de 15 milhões de euros ao longo dos próximos quatro anos — mas Macedo não escapará às críticas públicas. Um banco público que serve muitos funcionários públicos e pensionistas a aumentar custos de serviços básicos bancários acabará por ser alvo dos escrutínio político.

Onde está a lista de devedores?

Uma das polémicas mais recentes em torno da CGD — apenas mais uma num rol de outras tantas como é o caso das nomeações chumbadas, salários milionários, uma comissão de inquérito, um plano de recapitalização, demissões e um rating sob vigilância — é a lista dos maiores devedores do banco do Estado. Isto depois de o Tribunal da Relação de Lisboa ter decidido levantar o dever de sigilo bancário e profissional do banco.

Mas afinal o que é que está nesta lista? É uma lista detalhada dos 50 maiores devedores da Caixa, que identifica, entre outros, os montantes em causa, o incumprimento, os créditos reestruturados, as imparidades, datas ou garantias concedidas. Desta lista deve também constar quem decidiu os créditos e sucessivas renovações ou reestruturações.

Mas claro que este será um episódio que deve também dividir-se em várias partes. A primeira já se conhece: a CGD recusa-se a entregar os documentos. Mesmo depois da decisão do tribunal. Das duas uma: ou aceita a decisão ou recorre. Está nas mãos de Paulo Macedo e dos restantes administradores contrariar esta decisão, o que pode acontecer agora que estão oficialmente à frente da CGD.

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