O que Israel tem e nós não? Audácia ou חֻצְפָּה

Ecossistema de startups tem crescido no país mas continua longe do primeiro da lista mundial: a atitude de Israel perante o risco é exemplar. E, Portugal tem muito a aprender com o país da chutzpah.

Em audácia, temos muitos que aprender com Israel: o chutzpah dos israelitas domina o ranking. Nessa categoria, Portugal está em 80.º lugar.

Arranque-se com a definição. “Quando um empreendedor israelita tem uma ideia de negócio, ele começa-a nessa semana“. A justificação vem inscrita no Start-up Nation, livro publicado em novembro de 2009, assinado por Dan Senor e Saul Singer e que retrata o ecossistema empreendedor que Israel tem construído desde os anos 90. A palavra, חֻצְפָּה ou Chutzpah, significa “audácia”, a energia empreendedora que, independentemente dos obstáculos no caminho, conduz à execução (mesmo que, nem sempre, seja o caminho do sucesso).

De acordo com o relatório de 2018 dos países mais competitivos do mundo, publicado pelo World Economic Forum, na categoria de “business dynamism” [dinamismo nos negócios] — na qual os Estados Unidos aparecem em primeiro lugar — Portugal ocupa o 27.º posto. No entanto, considerando uma das subcategorias avaliadas, “attitudes toward entrepreneurial risk” (atitude face ao risco no empreendedorismo, avaliadas numa escala de 1 a 7 pontos), Portugal está muito longe de outro país: Israel. Neste item, os empreendedores portugueses contam com 3,8 pontos em sete, o que confere ao nosso país o lugar 80.º na classificação, entre os 140 países considerados. Quanto ao primeiro lugar da lista, os israelitas asseguram 6 pontos graças ao seu chutzpah. E algo mais.

“Israel tem um ecossistema muito dinâmico. E, se queremos que o PIB cresça, não podemos deixar nenhuma parte de fora”, garante Ran Natanzon, diretor de Inovação no Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita, referindo-se ao sistema que junta mais de 7.700 empresas em todo o país. “Estamos a tentar exportar o que fazemos para o mundo. Vimos de um ecossistema muito local mas pensado para ser global. E acredito que os grandes projetos visionários precisam de estar em determinada localização para terem esta visão”, explica, sublinhando que, “no fim do dia, há algo com a comunidade e não só com as infraestruturas”.

O sucesso de Israel como país de empreendedores, explica Natanzon, está relacionado com cinco “dimensões” essenciais ligadas entre si: Exército, Academia, Governo, multinacionais e capitais de risco. Foi a partir da harmonização das cinco que se foi construindo um ecossistema eficiente e, acima de tudo, sem medo de falhar.

“Em Israel, a inovação está em todo o lado”, explica. “Há centros de empreendedorismo em todas as universidades e as câmaras municipais criaram também os seus próprios organismos de promoção e aceleração de ideias para as cidades. (…) O empreendedorismo faz parte da cultura e não acho que o Governo prejudique o processo. Tem até uma boa atitude face ao empreendedorismo, que deve passar por ser um atenuador dos falhanços do mercado. O primeiro fundo de capital de risco foi criado pelo Governo em 1991″, esclarece o responsável.

Só em high tech, Israel tem, de acordo com dados do Ministério, cerca de 6.000 startups. O foco das startups vai para áreas como a internet virada ao consumidor, segurança, gaming, mobile tech e apps e adTech. No ecossistema, só em 2017, houve exits [startups vendidas ou que abriram capital] no valor de 23 mil milhões de dólares. Mas Israel não é só empresas dentro do território: em 2015, era o segundo país (depois dos Estados Unidos) com mais empresas no Nasdaq, índice da bolsa nova-iorquina (75), logo a seguir à China (91).

Ran Natanzon, diretor de Inovação no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel.D.R.

De falhanço em falhanço

Winston Churchill definiu o sucesso como a capacidade de passar de falhanço em falhanço sem perder o entusiasmo. E, talvez seja esse um dos segredos do ecossistema israelita e a base sólida para os empreendedores de Israel encararem os obstáculos como “parte do caminho”. “Lidar com falhanço parte muitas vezes da maneira como os outros olham para nós mas, também, da maneira como nos vemos”, diz João Graça, cofundador da portuguesa Unbabel, n’O livro dos fazedores. Já Miguel Santo Amaro, cofundador da Uniplaces, acrescenta: “Falhar em Portugal é completamente diferente de falhar num mercado um pouco mais aberto ao falhanço. E então o contexto onde falhas também é importante, a perceção do mercado, ou seja, das outras empresas”.

Culturalmente, o falhanço é considerado uma coisa a evitar, também e sobretudo nos negócios. Para desmistificar o “peso” de falhar, começaram a surgir recentemente em Portugal iniciativas com esse objetivo. Das Fuckup Nights, iniciativa internacional que entretanto chegou a Portugal, ao Incinerator, uma ideia da incubadora Founders Founders, no Porto, têm sido vários os projetos relacionados com este processo de normalização do falhanço. “Quanto mais madura estiver a comunidade, com mais projetos e mais tentativas, mais casos teremos de projetos que não funcionaram ou que se transformaram”, explicavam os organizadores no lançamento do evento, em junho deste ano.

Mas, consideram os empreendedores, há ainda muito a fazer. “Um dos desafios de Portugal é, às vezes, estarmos demasiado confortáveis na situação em que estamos. O custo de vida é relativamente baixo — ainda que as coisas estejam a mudar — e os negócios tendem a focar-se apenas no mercado nacional durante um ano. Mas não, não se trata disso: trata-se de ter, por exemplo, 30 mil euros e pensar: o que é que posso fazer? Como se fosse uma prova de três meses. E essa seria um ponto de partida muito melhor face a investidores interessados numa fase pre-seed. Era uma oportunidade interessante de fomentar o ecossistema com essa dinâmica de tentar, falhar, tentar outra vez. E se, em três meses, eu tenho de criar uma coisa mais rápida, isso cria-me mais pressão para ter sucesso logo de início. E não perder tempo”, diz o CEO da Hole19.

Miguel acrescenta: “Se eu puder não falhar na minha vida, não falho. Se eu pudesse escolher, eu preferia não falhar. Às vezes as pessoas falam do falhanço e acham tudo hipócrita: se eu conseguir não falhar, eu vou ter sempre sucesso. E eu acho que vamos sempre querer isso. Agora, acho que é a forma como tu lidas quando falhas que é extremamente importante. E provavelmente, a única coisa boa de falhar e que é mesmo muito importante é tu aprenderes para não voltares a repetir, para ser sempre o último falhanço, que nunca é“.

O que eles têm e nós não?

Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.

Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.

Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.

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