S&P tirou-nos do lixo. E? Ainda não muda muita coisa

  • Rita Atalaia
  • 19 Setembro 2017

A decisão da S&P de tirar Portugal do lixo fez baixar os juros, mas o impacto será, para já, limitado, dizem os analistas. Porquê? Falta que outra agência siga o exemplo. Mas o BCE pode complicar.

A Standard & Poor’s apanhou tudo (e todos) de surpresa com uma revisão de rating que a própria agência reconhece ser “pouco habitual”. Sem pré-aviso, ou seja, sem sequer melhorar o outlook para positivo, elevou a notação de Portugal de BB+ para BBB-. De um momento para o outro, o país saiu do ‘lixo’. Primeiro vieram os festejos políticos, mas depois foram os investidores a fazerem a festa, levando os juros para mínimos de ano e meio. Uma celebração que não tem, contudo, “pernas para andar”. Os juros podem continuar a descer, mas pouco. Isto porque para que Portugal se possa juntar ao clube dos países com dívida que merece a confiança do mercado falta que outra das três grandes siga o exemplo. E quando o fizer, ainda haverá o poder de fogo do Banco Central Europeu (BCE)?

Eram 21h04, sexta-feira, 15 de setembro, quando surge um alerta no ecrã da Bloomberg. “S&P: Rating de Portugal sobe para grau de investimento.” E, “do nada”, Portugal passou de lixo financeiro para investimento de qualidade numa das três grandes agências de notação — S&P, Fitch e Moody’s –, cinco anos depois de a S&P ter decidido colocar a dívida soberana no lixo.

Uma decisão inesperada mas da qual o Governo nunca duvidou — António Costa, Mário Centeno, entre outros, vangloriaram-se do feito. Os elogios também surgiram dos partidos que apoiam o Executivo: Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, afirmou ser um “alívio sobre a dívida pública portuguesa”. Pedro Passos Coelho, do PSD, disse ser “uma excelente notícia”. Marcelo Rebelo de Sousa elogiou Costa e Passos, mas deixou o alerta: “a luta continua”.

Depois da política, o rating chegou ao mercado. Os investidores levaram os juros da dívida portuguesa a caírem para mínimos de mais de um ano e meio. A taxa a dez anos cedeu 36 pontos base para os 2,444% — o valor mais baixo desde dezembro de 2015, tendo chegado a tocar os 2,443% durante a sessão.

O spread em relação à Alemanha também diminuiu — tocou mínimos desde janeiro de 2016. E pode vir a diminuir ainda mais. “Com a taxa da dívida publica portuguesa em torno de 2,5% e a da Alemanha em terreno ainda negativo, existe espaço para que este spread possa estreitar. A ajudar este facto poderá estar a continuada procura por parte dos investidores de rentabilidade com o menor nível de risco possível”, afirma José Lagarto, responsável pelo research da Orey Itrade.

Mas este alívio dos juros da dívida pode vir a abrandar. Para a equipa de research do BiG, “a reação à revisão em alta da S&P está a ser muito positiva, mas não antecipamos que a taxa de juro a dez anos caia muito mais dos níveis atuais (2,40% a 2,50%). O nosso cenário base é de que as taxas de juro estabilizem aos atuais níveis, mesmo com o provável anúncio do tapering [redução dos estímulos] por parte do BCE”. João Queiroz, diretor de negociação da GoBulling, recorda que as “taxas atuais são negociadas, fundamentalmente, pela ação do BCE e não pela atividade dos Governos do países que pertencem à Zona Euro”.

A reação à revisão em alta da S&P está a ser muito positiva, mas não antecipamos que a taxa de juro a dez anos caia muito mais dos níveis atuais (2,40% a 2,50%). O nosso cenário base é de que as taxas de juro estabilizem aos atuais níveis, mesmo com o provável anúncio do tapering [redução dos estímulos] por parte do Banco Central Europeu.

Equipa de research do BiG

Juros da dívida portuguesa em mínimos de mais de ano e meio

Apesar de a S&P ter sido a primeira entre as três grandes a colocar a dívida portuguesa em grau de investimento, ainda é necessário que outra destas agências faça o mesmo, o que pode a acontecer apenas em dezembro, quando a Fitch vai rever o rating do país, ou a partir do próximo ano.

S&P melhora rating… mas ainda falta uma

Rainer Guntermann, estratega de taxas de juro do Commerzbank, explica ao ECO que este “tom otimista em torno do rating de Portugal era previsível depois de a Moody’s ter melhorado a perspetiva para positiva”. Mas este upgrade não tem impacto, pelo menos não enquanto outra das três grandes não fizer o mesmo. É “insuficiente para incluir as obrigações soberanas portuguesas nos índices com dívida de qualidade [os iBoxx]”, refere. Lyn Graham-Taylor, analista do Rabobank, explica que “a elegibilidade para estes índices depende da média das três agências”. Ou seja, duas das três grandes têm de atribuir um grau de investimento à dívida.

“A principal implicação é que temos agora dois ratings no nível de investimento. Um é da S&P, por isso estão todos à espera que outra agência de notação siga os mesmos passos”, afirma Jens Peter Sorensen, analista chefe do Danske Bank A/S, à Bloomberg. A outra agência que classifica a dívida nacional de investimento de qualidade é a DBRS, mas esta não é considerada para os índices de obrigações globais — apenas para o programa de compras do BCE.

A próxima revisão do rating é a da Fitch, a 15 de dezembro. Será, diz o estratega do Commerzbank, uma avaliação “crucial”, havendo a possibilidade de o ímpeto positivo das obrigações soberanas de Portugal se manter até esta revisão. “Parece que janeiro deve ser a melhor altura para estas expectativas otimistas se concretizarem”, nota o analista do Rabobank.

E o BCE? Draghi pode complicar

Mas esta revisão pode acontecer quando o BCE estiver preparado para sinalizar o fim dos estímulos, o que “pode complicar ainda mais” a vida aos investidores, nota Lyn Graham-Taylor. Ou seja, o BCE começar a comprar menos dívida aos países — o investimento em dívida portuguesa está em mínimos. O analista do Rabobank refere que estimam que “o BCE comece a diminuir o programa em janeiro, exatamente quando a dívida do país pode voltar a ser integrada nos índices de obrigações com qualidade”.

“Considerando a reação temporária à decisão de sexta-feira, parece que uma outra revisão em alta do rating já pode estar incorporada na negociação, enquanto o potencial impacto negativo de uma redução dos estímulos ainda tem de ser descontada“, explica o analista ao ECO. O que o leva a dizer mesmo que Mario Draghi é o “elefante na sala” no que toca aos juros da dívida de Portugal.

Considerando a reação temporária à decisão de sexta-feira, parece que uma outra revisão em alta do rating já pode estar incorporada na negociação, enquanto o potencial impacto negativo de uma redução dos estímulos ainda tem de ser descontada.

Lyn Graham-Taylor, analista do Rabobank

“Olhando para o futuro, há poucos dados económicos no calendário, o que direciona o foco para a política dos bancos centrais”, remata. A atenção vira-se para a reunião da Reserva Federal dos EUA, que decorre esta terça e quarta-feira. Mas, sobretudo, para quaisquer declarações de Draghi que possam dar pistas sobre a diminuição das compras. O presidente do BCE discursa na quinta-feira, em Frankfurt, e em Dublin, na sexta-feira. E é importante não esquecer as eleições na Alemanha.

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