Quatro lições de Michael Rezendes no Congresso dos Jornalistas

O jornalista norte-americano Michael Rezendes, da equipa de investigação "The Spotlight" do jornal The Boston Globe, esteve em Lisboa no Congresso dos Jornalistas. Eis quatro ideias que defendeu.

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“Mike” Rezendes esteve esta quinta-feira em Lisboa, na abertura do 4º Congresso dos Jornalistas.ScreenSlam/YouTube

Já arrancou o congresso que, como disse Marcelo Rebelo de Sousa, “demorou tempo a mais a chegar”: o 4º Congresso dos Jornalistas, que não se realizava desde 1998, decorre em Lisboa até domingo. O cabeça de cartaz do dia de abertura foi Michael Rezendes, “Mike” para os colegas de profissão, jornalista do The Boston Globe e que esteve esta quinta-feira no Cinema São Jorge, em Lisboa.

Para entender a importância da visita, é preciso saber quem é este jornalista e porque se tornou tão relevante. Já ouviu falar d’O Caso Spotlight? Pois bem: Rezendes, interpretado neste filme de Tom McCarthy pelo ator Mark Ruffalo, é um dos membros da equipa que jornalismo de investigação que, a 6 de janeiro de 2002, pôs a descoberto um dos maiores escândalos sexuais da história, envolvendo a Igreja Católica e, mais concretamente, a Arquidiocese de Boston.

O filme é a dramatização do que realmente aconteceu, mas o caso está longe de ser ficção. Em traços gerais, vários padres católicos abusaram sexualmente centenas de crianças, havendo um esquema que lhes garantia impunidade e o encobrimento dos crimes por parte dos organismos da igreja. Desde o artigo original do The Boston Globe que o caso mereceu diversos desenvolvimentos, alcançando proporções como nenhum outro. Com este trabalho, a equipa de investigação, conhecida por The Spotlight Team, venceu o Pulitzer de Serviço Público em 2003 — um prémio de jornalismo de importância equiparável aos Óscares da Academia.

Os jornalistas presentes na abertura do congresso puderam ouvir Michael Rezendes contar, de viva voz, como foi conduzida esta investigação. Mas também houve direito a perguntas. E, sobretudo, a lições para os media portugueses, para os jornalistas e até para os estudantes que puderam passar despercebidas. Neste artigo, o ECO reúne quatro máximas transmitidas pelo vencedor do Pulitzer e que valem a pena registar.

1. O jornalismo não se aprende só nos cursos. Pratica-se

“Não tenho curso de jornalismo”, indicou Michael Rezendes na conferência, para depois explicar que o ofício “é mais prático do que académico”. “É meter mãos à obra. A melhor forma de aprender é praticando”, referiu, aconselhando os estudantes presentes no Cinema São Jorge a saírem à rua para fazer, em vez de se limitarem à teoria. Depois, rematou: “O jornalismo é mais um chamamento do que uma profissão.”

2. Economicamente, a investigação faz sentido

Em 2002, a equipa Spotlight do The Boston Globe tinha quatro elementos. Hoje, trabalham oito jornalistas nesse departamento do jornal. Mas isso não significa que o jornal norte-americano esteja economicamente “melhor do que os outros”. Antes pelo contrário, explicou Michael Rezendes. Desde 2002 que o tamanho da redação foi cortado para cerca “de metade”. Então? Os números não mentem: segundo o jornalista, os leitores “adoram artigos longos” e “adoram os artigos da equipa Spotlight“. Gastam tempo a lê-los e, no fim das contas, são os artigos de investigação que fazem aumentar o número de subscritores do jornal. Por isso, Michael Rezendes garante que fazer jornalismo de investigação é economicamente viável e faz sentido, mas poucos pensam assim: “Já não me preocupo com a concorrência, porque já nem há muita sequer”, tinha dito pouco antes.

3. Encobrir um crime é tão mau quanto cometê-lo

“Combato o bom combate, como todos vocês”, disse Michael Rezendes no congresso. Mais tarde, caracterizou o jornalismo como “uma forma de dar voz aos que têm menos poder entre nós”. E defendeu que encobrir um crime pode ser tão grave quanto o cometer. No caso da igreja, “descobrimos o cover up” além dos próprios crimes. Melhor (ou pior): a investigação “foi baseada nos próprios documentos internos da igreja”, o que lhe conferiu credibilidade. No entanto, o jornalista norte-americano deixou uma nota: se o jornalista tem uma história, mas hipóteses quase nulas de a comprovar, nem vale a pena “perder muito tempo com ela”.

4. Os dados têm de ter um propósito

“Hoje em dia, fazer jornalismo de dados está na moda”, sublinhou Michael Rezendes. Contudo, para Rezendez, o chamado data journalism, em que os jornalistas recorrem a informação visual como gráficos e infografias, pode nem sempre fazer sentido. “Para mim, os dados têm de ter um propósito”, concluiu.

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