Da energia à banca, a China tem cada vez mais peso em Portugal

O presidente da China visita Portugal esta terça e quarta-feira. Desde a última visita oficial, em 2010, o Estado chinês tornou-se um importante investidor para as empresas portuguesas.

O presidente da China iniciou esta terça-feira uma visita oficial de dois dias a Portugal, a convite de Marcelo Rebelo de Sousa. Esta será a primeira visita de Estado de Xi Jinping ao país e a terceira de um chefe de Estado chinês, depois de Jiang Zemin em 1999 e Hu Jintao em 2010. Desde a última vez que um um presidente do gigante asiático esteve em Portugal, a China tem-se tornado cada vez mais num importante investidor.

Entre 2010 e 2016, Portugal subiu à posição de sétimo país onde mais a China investe, especialmente através de grandes grupos públicos. A influência do Estado chinês nas empresas portuguesas aumentou de forma expressiva e nota-se particularmente na energia e banca, mas também saúde ou aviação. A visita poderá ser o mote para novos negócios.

O caso que mais tinta tem feito correr nos jornais é o da energia. Em 2011, o Governo liderado por Pedro Passos Coelho vendeu uma posição de 21,35% da EDP à empresa estatal China Three Gorges (CTG), num processo de privatização que fazia parte do acordo com a troika para desbloquear o resgate financeiro. O Estado português encaixou 2,7 mil milhões de euros que foram usados para abater dívida pública e o país assistiu ao primeiro grande investimento de um grupo chinês em Portugal.

A posição da sociedade, que é inteiramente pública, cresceu entretanto até aos atuais 23,27%. Acrescem ainda os 4,98% detidos pela também empresa pública China Ningbo International Cooperation (CNIC). Assim, os direitos de voto imputáveis ao Estado chinês equivalem a 28,25%.

Em maio deste ano, a China Three Gorges lançou uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) para ficar com a totalidade da empresa liderada por António Mexia. Como a EDP é detentora de 83% do capital da EDP Renováveis, foi também lançada uma OPA à eólica presidida por João Manso Neto. O tema quente do segundo trimestre do ano foi perdendo força e parece agora que a hipótese de a operação acabar por cair não é descabida.

Concorrência trava capital chinês na eletricidade. Petróleo é o novo alvo

A CTG não é a única empresa estatal chinesa com poder na eletricidade portuguesa. Em 2012, a State Grid investiu cerca de 290 milhões de euros para ficar com 25% da REN. Esta alienação também foi realizada na sequência do empréstimo oficial depois de a crise da dívida ter batido à porta do país em 2011. De forma indireta — através da companhia de seguros Fidelidade –, o Estado chinês controla mais 5,3% do capital da gestora da rede elétrica nacional.

Agora, poderá ser esta ligação a tramar o Estado chinês. Além da OPA da CTG sobre a EDP, há outro negócio no setor energético nacional onde há interesse chinês: a Datang pretende comprar a empresa de energias renováveis Generg, numa operação que está a levantar bastante reservas junto dos reguladores nacionais por causa da questão do unbundling, que obriga à separação entre as atividades de distribuição de energia e da produção.

Também a Datang é detida por Pequim, o que colide com o seu interesse na REN. Os reguladores deverão impor um conjunto de entraves que complicam a concretização do negócio e poderá abrir a porta a uma situação semelhante na OPA à EDP.

Ainda no campo da energia, o próximo alvo do capital chinês poderá passar pelo petróleo. O presidente de Angola, João Lourenço, anunciou em entrevista ao Expresso que a petrolífera estatal angolana estaria a ponderar sair do capital da portuguesa Galp Energia.

A Sonangol detém uma participação indireta na Galp, através da participação da Esperaza na Amorim Energia. A Amorim Energia é uma holding detida em 55% pela família Amorim e 45% pela Esperaza. Por sua vez, a Esperaza tem como acionistas a Sonangol (60%) e Isabel dos Santos (40%). Feitas as contas, a Esperaza detém indiretamente 15,75% da Galp, numa participação avaliada em cerca de 2,2 mil milhões de euros a preços de mercado.

A participação está a ser vista como uma oportunidade de entrada pela chinesa Sinopec, segundo o Jornal Económico. O semanário escreveu há duas semanas que banqueiros e advogados que estão à procura de potenciais interessados em ficar com a posição detida pela Sonangol encontraram interesse da petrolífera chinesa.

Com banca na mão, dívida pública entra na mesa de negociações

Não é, no entanto, apenas a energia que capta a atenção do capital chinês em Portugal. Na banca e seguros, a Fosun é uma das instituições com maior presença. O conglomerado chinês já investiu 2,8 mil milhões de euros para comprar a Fidelidade – Companhia de Seguros à Caixa Geral de Depósitos, detém uma participação de 27,06% no BCP e é ainda dona da rede de hospitais Luz Saúde (antiga Espírito Santo Saúde).

A derrocada do império Espírito Santo foi também uma porta de entrada, com o chinês Haitong a comprar o banco de investimento então conhecido como BES Investimento e atualmente Haitong Bank. Após a aquisição, num negócio de 379 milhões de euros, o grupo financeiro chinês começou uma reestruturação, que estava então prevista para mais 420 milhões de euros, para reduzir o número de trabalhadores e reforçar as contas do banco.

Mais recentemente a história repetiu-se e o antigo banco de investimento do Banif ganhou uma segunda vida em mãos chinesas. A empresa financeira Bison Capital comprou o então Banif BI, agora designado Bison Bank, que foi uma das vítimas da crise financeira em Portugal nos últimos anos, tendo sido alvo de uma medida de resolução por decisão do Governo e do Banco de Portugal em dezembro de 2014.

Parte do banco fundado por Horácio Roque foi vendida ao Santander Totta por 150 milhões. Outra parte transitou para a Oitante, incluindo o banco de investimento que foi comprado pela Bison Capital, em junho deste ano. O renovado banco de investimento foi apresentado na semana passada e os acionistas chineses definiram como meta aumentar as receitas a um ritmo de três dígitos no próximo ano e ter lucro em 2020, através da reorganização da atividade com foco na gestão de fortunas e banca de investimento.

O encontro entre Xi Jinping e Marcelo de Rebelo de Sousa vai acontecer também numa altura em que o Governo português ultima os pormenores da primeira emissão de dívida portuguesa em moeda chinesa, renmimbi. A operação deverá acontecer no próximo ano e totalizar 377 milhões de euros, de acordo com o montante inscrito no Orçamento do Estado para 2019. O objetivo da emissão é diversificar e alargar a base de investidores da República.

Para aumentar a atratividade destes ativos, conhecidos como Panda Bonds, que deverão ter maturidade de cinco anos, o Governo incluiu no OE2019 ainda uma borla fiscal. Os investidores não residentes vão ficar isentos do pagamento de impostos relativos aos juros das obrigações em moeda chinesa. Durante a visita, o tema deverá ser debatido.

Transportes e infraestruturas são nova oportunidade

A visita oficial do presidente chinês a Portugal poderá ser também uma oportunidade para garantir investimento em portos e na ferrovia, segundo os especialistas em relações internacionais contactados pela Lusa. Os portos de Leixões e de Sines, a modernização da linha ferroviária que pode até passar pela privatização parcial ou total da CP, cooperação tripartida entre a China, Portugal e países africanos ou da América Latina para assegurar investimentos de grande escala são alguns dos exemplos dados por docentes e investigadores.

“Na área das infraestruturas, está em cima da mesa a possibilidade de a China investir nos portos portugueses. O porto de Roterdão está sobrecarregado. Se a China quer prosseguir o esforço no âmbito da iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’ vai ter que ter um porto alternativo. Os portos de Leixões e Sines podem ser alternativas interessantes“, afirmou o presidente do Fórum Luso-Asiático, Arnaldo Gonçalves.

Por outro lado, acrescentou que Portugal precisa, mais tarde ou mais cedo, de modernizar a sua linha ferroviária. “Para além dos portos, a privatização total ou parcial da CP poderia ser uma opção“, adiantou o investigador, lembrando, contudo, que a aposta chinesa em vias de comunicação terrestres e marítima “coloca problemas políticos delicados à União Europeia”

No setor dos transportes, não seria inédita a presença de capital chinês. É através da companhia aérea azul que o HNA Group detém indiretamente cerca de 20% do capital da TAP. Este conglomerado chinês tem uma participação de 13% na Azul (companhia do brasileiro David Neelman que integra a Atlantic Gateway) e de 7% na Atlantic Gateway.

A posição de que novos setores poderão ser alvo de negócio é de especialistas, mas tanto o Governo como a Presidência da República já abriram a porta a que tal aconteça. O Presidente da República admite que a iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”, de investimento em infraestruturas, “podia atravessar Portugal” num dos seus “principais portos”, numa entrevista ao canal de televisão chinês internacional em língua inglesa, CGTN, esta segunda-feira. “É possível que durante a visita do Presidente Xi a Portugal se venha a assinar o memorando de entendimento sobre este assunto? É. Estamos a negociar, estamos a trabalhar nisso. Portanto, é possível“, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.

Já o ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, defendeu um novo nível na relação entre os dois países, numa conferência também esta segunda-feira. “O importante investimento chinês marca a vida portuguesa, mas queremos que a visita de Estado [do Presidente Xi Jinping] permita elevar a relação [de Portugal e China] para um plano distinto”, afirmou. “Ao nível do plano económico, no investimento direto estrangeiro, gostaríamos de passar da aquisição de ativos para um investimento produtivo“.

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