Centeno apela à “redução da pressão dos investimentos especulativos no curto prazo”

Na conferência anual organizada pela CMVM, em Lisboa, o ministro das Finanças diz que a sustentabilidade tem de estar no topo da agenda do setor financeiro.

O investimento sustentável deve ser uma prioridade, que poderá gerar ganhos numa estratégia de longo prazo, segundo defendeu o ministro das Finanças, na conferência anual organização pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que se realiza esta sexta-feira em Lisboa, com o tema “Sustainable Finance: The Road Ahead”. Em sentido contrário, Mário Centeno alertou para o impacto que a sustentabilidade tem na estabilidade do sistema financeiro.

O ambiente é um dos focos do investimento sustentável e a dimensão mais visível, de acordo com Centeno. “Entre 2007 e 2016, os custos económicos com eventos climatéricos extremos aumentaram 86%. Foram 117 mil milhões de euros, só em 2017, e o aumento dos desastres naturais vai afetar o setor segurador”, alertou o ministro. “Mas este não é um problema exclusivo do setor segurador”.

Para Centeno, este é apenas um exemplo de como “a sustentabilidade pode afetar a estabilidade financeira”. Defendeu que uma economia mais verde e mais sustentável será a chave para cumprir o Acordo de Paris. O tratado sobre mudanças climáticas assinado em 2015 aponta medidas de redução de emissão dióxido de carbono a nível global e irá implicar um investimento de 180 mil milhões de euros nas próximas duas a três décadas.

Neste campo, Centeno apontou para o papel dos vários intervenientes. Do lado dos Estados, lembrou que a União Europeia adotou um plano de ação para as finanças sustentáveis que visa ligar o setor financeiro às necessidades da Europa e da economia em geral, nomeadamente no que diz respeito ao caminho para uma economia circular mais eficiência e com menos desperdício.

Privados e reguladores chamados a entrar no tema

A grande crítica do ministro das Finanças prende-se com a urgência dos ganhos financeiros em detrimento da sustentabilidade de longo prazo. “Algumas das atuais práticas, privilegiam ganhos elevados e de curto prazo. É necessária uma redução da pressão dos investimentos especulativos no curto prazo”, disse.

Incentivou, por isso, os intermediários financeiros a assegurarem que projetos verdes têm investimento para avançarem e referiu que o tempo é o fator essencial no processo de tomada de decisão. “A segunda maior crise do nosso sistema financeiro deu-se porque encurtámos os tempos, o que aumenta o risco e a desigualdade. Temos que evitar que volte a acontecer. É uma matéria de cidadania”, disse Centeno.

“Se os intermediários financeiros querem servir melhor os clientes, o investimento sustentável tem de estar no topo das possibilidades. Ignorar o fator sustentabilidade pode prejudicar a rendibilidade de longo prazo”, sublinhou.

No entanto, as responsabilidades vão além dos governos. “É um desafio para o qual empresas têm um contributo a dar. Muito do investimento [para a economia circular] terá de ser feito pelo privado”, afirmou o ministro das Finanças. Já para o supervisor, Centeno alertou que é necessário prevenir o uso abusivo da marca verde, mas também aumentar a consciência dos investidores sem esquecer os fatores sociais e de governação.

A CMVM concorda que a tendência irá marcar o investimento no futuro e que em breve o sistema financeiro será conduzido por uma nova geração comprometida com valores de sustentabilidade e com tendência para valorizar, em todas as escolhas, opções verdes ou de impacto social, segundo explicou a presidente da comissão, Gabriela Figueiredo, na abertura do evento.

“Estamos já a ser chamados a intervir, enquanto reguladores e supervisores, através da participação empenhada na construção do direito europeu nesta matéria e da sua incorporação e implementação a nível nacional, incluindo na supervisão. Com a missão principal, nesta fase, de eliminar o risco de branqueamento de práticas negativas por via das finanças sustentáveis e assegurar que a informação que chega ao mercado nesta matéria é rigorosa e credível”, afirmou a presidente da CMVM.

Regulador lança consulta pública sobre investimento sustentável

A Comissão Europeia está a trabalhar na criação de regras uniformes sobre a informação não-financeira das empresas de grande dimensão, que estão já a ser objeto da supervisão da CMVM após a sua adoção em Portugal. Propôs também três regulamentos europeus que visam disciplinar, entre outros aspetos, a divulgação pelos investidores institucionais de informação sobre o modo como os riscos ambientais, sociais e de governo são considerados no processo e decisão de investir.

Em Portugal, a CMVM irá lançar em breve uma consulta pública sobre o tema, cujo objetivo é extrair conhecimento sobre o que está a ser feito em temos de finanças sustentáveis, os riscos associados, as oportunidades que o regulador poderá ajudar a criar, as expectativas dos cidadãos e das instituições, mas também o que a comunidade espera, e não espera, da CMVM enquanto regulador dos mercados.

O alegado dilema do regulador do mercado entre a proteção dos investidores e o contributo para o desenvolvimento do mercado constitui um falso dilema em torno de uma falsa incompatibilidade. É evidente que a prossecução de cada um destes objetivos de missão exige um rigoroso alinhamento e coordenação entre ambos. Ambos constituem objetivos de primeira linha para o regulador dos mercados e os pilares centrais da sua missão. O tema da sustentabilidade inscreve-se, em suma, na intersecção desses dois pilares”, acrescentou Gabriela Figueiredo.

No ano passado, o volume de emissões de obrigações verdes atingiu cerca de 140 mil milhões de euros, aumentando 14 vezes desde 2013. Os desinvestimentos em ativos intensivos em carbono ascenderam a 5 biliões de euros por ano. E estima-se que os ativos sob gestão que incluem algum tipo de princípio de preocupação ambiental, social ou de governação, estará já próximo dos 100 biliões de euros, de acordo com os dados apresentados pela CMVM.

(Notícia atualizada às 10h30)

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