Seca severa atinge agricultura e abastecimento de água no norte do país

  • Lusa
  • 23 Novembro 2017

Efeitos da seca atingem produtores agrícolas portugueses, que já estão a gastar as reservas para o inverno. Barragens em níveis críticos e não há pastos para os animais devido à falta de chuva.

Entre o Douro e Trás-os-Montes, a seca reflete-se nos abastecimentos de água à população, nas explorações de gado que já estão a gastar as reservas do inverno e nas quebras de produção na agricultura. Não chove há meses e na região vão crescendo as preocupações. A face mais visível da falta de água é a agricultura mas também há necessidade de encher os reservatórios de várias aldeias.

“Estamos a sentir algumas dificuldades e, entre junho e novembro, já transportámos dois milhões de litros de água para as freguesias onde o abastecimento de água é feito por captação própria”, afirmou à agência Lusa o vice-presidente da Câmara de Murça, António Marques.

Desde 1 de janeiro, segundo dados da Proteção Civil, foram contabilizados 799 transportes de água em veículos de bombeiros em concelhos como Murça, Vila Pouca de Aguiar, Chaves, Ribeira de Pena, Montalegre e Santa Marta de Penaguião. Este número não inclui abastecimentos feitos diretamente pelas autarquias.

Em Murça, fazem-se transportes de água semanalmente, principalmente para a freguesia de Carva e Vilares. “Não faltou a água porque abastecem com os bombeiros. As nossas nascentes já não dão, está tudo seco”, contou Adélia Escaleira, habitante de Vilares, que garantiu que já poupa com banhos rápidos e reutilização de água para rega. Neste município duriense a ordem é para “poupar” e “gerir bem”. A autarquia está tentar controlar as perdas da rede de abastecimento e a poupar nas regas e vai reequacionar os jardins e parques de lazer, onde quer introduzir espécies que exijam consumos menores de água.

A barragem do Alvão, em Vila Real, está em níveis críticos e já deixou de abastecer há alguns meses. O abastecimento para este concelho está, atualmente, a ser feito a partir da barragem de Torre do Pinhão. Em Soutelinho do Mezio, Vila Pouca de Aguiar, António Ferreira anda de trator a espalhar feno nos pastos para alimentar as cerca de 100 vacas de raça maronesa.

“As reservas de alimento estão a ficar esgotadas. Não há pastos para os animais e estamos a usar os poucos fenos que produzimos. Já estamos a recorrer à reserva que tínhamos para o inverno”, disse à Lusa. O produtor contabilizou uma quebra de 30% na produção de feno e salientou que, se tiver que comprar alimento para as vacas, a exploração “torna-se inviável”, por isso desabafa que é “preciso que chova para tudo voltar ao normal”.

As reservas de alimento estão a ficar esgotadas. Não há pastos para os animais e estamos a usar os poucos fenos que produzimos. Já estamos a recorrer à reserva que tínhamos para o inverno.

António Ferreira

Produtor em Vila Real

Adélia Escaleira falou num ano para esquecer na agricultura, com reflexos a nível da produção de batata, da castanha e até em árvores de fruto que secaram. Os produtores de castanha queixam-se de quebras de produção a rondar os 50%, mas na azeitona o cenário é, afinal, muito mais animador do que inicialmente se previa.

“A perda que estamos a prever anda na ordem dos 10% em termos de quilos mas tivemos uma alegre surpresa porque em termos de rendimento da azeitona, de litros produzidos, acaba por estar 2 a 3% acima do ano anterior”, afirmou o responsável pela Cooperativa Agrícola dos Olivicultores de Murça, Francisco Vilela. Com cerca de mil sócios, esta cooperativa produz em média cerca de 350 mil litros de azeite por ano.

A perda que estamos a prever anda na ordem dos 10% em termos de quilos [de azeitona] mas tivemos uma alegre surpresa porque em termos de rendimento da azeitona, de litros produzidos, acaba por estar 2 a 3% acima do ano anterior.

Francisco Vilela

Cooperativa Agrícola dos Olivicultores de Murça

Na floresta são também visíveis os efeitos da seca. Neste outono ainda não há cogumelos silvestres e já se verificou uma quebra no número de caçadores, porque as espécies cinegéticas não se reproduziram. Relativamente à qualidade da água nas albufeiras do Douro, Rui Cortes, especialista em recursos hídricos e investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), elencou uma “preocupação, especialmente nas mais próximas de Espanha”.

“É o caso de Miranda do Douro que apresenta já níveis de algas bastante consideráveis em resultado das baixas afluências de água que vêm de Espanha”, referiu. O especialista ressalvou, no entanto, que em termos gerais há pouca informação sobre o “estado ecológico das massas de água em Portugal” e adiantou que se vai fazer, até ao final do ano, um trabalho de monitorização a nível nacional para a Agência Portuguesa do Ambiente.

“Esta monitorização, que estava prevista, coincidiu com esta situação de seca e isso vai-nos dar um retrato a nível nacional do estado das nossas massas de água”, frisou. A chuva é muito esperada mas vai trazer também uma preocupação acrescida, devido ao arrastamento de sedimentos das áreas ardidas para as linhas de água e à erosão.

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