Deputados sem acordo. Lesados do BES desiludidos

  • Lusa
  • 23 Junho 2017

A proposta que enquadra a solução para os lesados do papel comercial do BES baixou à COFMA sem votação em plenário. Será agora discutida e trabalhada num período que pode ir até 60 dias.

A proposta legislativa que enquadra a solução para os lesados do papel comercial do BES baixou à comissão de orçamento e finanças sem votação em plenário da Assembleia da República, para ser discutida e trabalhada até 60 dias. Uma decisão que, segundo a associação que representa os lesados do papel comercial, mostra “desinteresse” dos deputados pelo sofrimento de milhares de pessoas.

A proposta de lei foi enviada pelo Governo ao Parlamento em abril e visa a criação de uma nova figura jurídica, os fundos de recuperação de créditos, uma vez que a intenção do mecanismo de compensação criado é que seja um fundo desse tipo a indemnizar parcialmente os 2.000 clientes que investiram, aos balcões do Banco Espírito Santo (BES), 434 milhões de euros nas empresas Espírito Santo Financial e Rio Forte, e cujo investimento perderam com o colapso do Grupo Espírito Santo (no verão de 2014).

No debate desta sexta-feira, no Parlamento, a solução para os lesados do BES aqueceu o debate, depois de o PSD ter considerado tratar-se de “mais um remendo da gerigonça à custa dos portugueses”. “A gerigonça, através do amigo do primeiro-ministro, arranjou uma solução que se resume a ilibar vigaristas, que venderam a banha da cobra aos clientes bancários”, disse o deputado Carlos Silva, o que arrancou protestos da parte das bancadas da esquerda.

"A gerigonça, através do amigo do primeiro-ministro, arranjou uma solução que se resume a ilibar vigaristas, que venderam a banha da cobra aos clientes bancários.”

Carlos Silva

Deputado do PSD

O secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, disse ter ficado “bastante perplexo pela intervenção do deputado Carlos Silva”. “Os lesados que estamos a falar não são um grupo de gananciosos, estamos a falar de um conjunto de pessoas que compraram um conjunto de ativos”, salientou o governante. Pelo PS, o deputado João Galamba, dirigindo-se ao deputado do PSD Carlos Silva, recordou que “todos os partidos votaram por unanimidade”, na comissão criada para o efeito, a necessidade de se encontrar uma solução para os lesados do papel comercial do BES.

“Os lesados aqui presentes [nas galerias] merecem” uma solução, “a última coisa que precisamos é de criar confusões”, continuou o socialista. Com esta solução, “não estamos a criar aqui novos passivos para o Estado, temos de ser consequentes com as recomendações que fazemos. A garantia e solução encontrada é equilibrada, todos os lesados prescindem das suas ações contra o Estado“, afirmou Galamba, aludindo aos vários processos colocados contra o Estado, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), entre outras entidades, que os clientes têm de prescindir levar avante para aderirem à solução.

"[Com esta solução] não estamos a criar aqui novos passivos para o Estado, temos de ser consequentes com as recomendações que fazemos. A garantia e solução encontrada é equilibrada, todos os lesados prescindem das suas ações contra o Estado.”

João Galamba

Deputado do PS

Já a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua salientou que “ninguém apoia” Ricardo Salgado (antigo presidente do BES) e que, “não sendo esta solução perfeita”, não seria pelo Bloco que a proposta do Governo não seria aprovada.

Por sua vez, do CDS-PP, Cecília Meireles questionou o secretário de Estado sobre o custo da solução. “O Parlamento não é uma casa de cheques em branco: Quanto é que isto vai custar a cada português e que impacto é que isso vai ter nas finanças públicas”, perguntou, embora tenha afirmado que o partido não iria ser um obstáculo.

A solução para os lesados do papel comercial propõe que estes recuperem 75% do valor investido, num máximo de 250 mil euros, isto se tiverem aplicações até 500 mil euros. Já acima desse valor, irão recuperar 50% do valor investido. Quanto ao pagamento, este será feito pelo fundo de recuperação de crédito, pelo que é necessário aprovar legislação para esse efeito.

Em causa não estão os créditos sobre o banco BES (que vendeu o papel comercial) ou as empresas ESI e Rio Forte (que o emitiu), que a maioria dos clientes lesados já terá reclamado, mas não sobre outras entidades que podem ser consideradas também responsáveis, como administradores dessas empresas ou auditoras. Em maio, 1.900 lesados do papel comercial, o equivalente a 97% do total, manifestaram interesse por escrito em aderir à solução.

Decisão mostra “desinteresse” dos deputados

A associação que representa os lesados do papel comercial considera que a decisão do Parlamento de não votar a lei que permite operacionalizar a solução que minorará as suas perdas mostra “desinteresse” pelo sofrimento de milhares de pessoas.

Num comunicado, a Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial (AIEPC) disse que “o dia de hoje era aguardado com forte expectativa” porque se antecipava a aprovação no parlamento, na generalidade, da solução e acabou com um “misto de desilusão, crença e resiliência”.

Os lesados dizem-se desiludidos com a decisão dos deputados e consideram que a não aprovação do diploma significa mesmo um “um claro sinal de desrespeito” do parlamento “pelas suas próprias decisões”, já que o relatório final da comissão de inquérito ao BES defendia precisamente uma solução para aqueles que foram prejudicados pelo banco e Grupo Espírito Santo. Para a AIEPC, a decisão mostra ainda o “desinteresse” de “todos os grupos parlamentares com assento na Assembleia da República ao elevado sofrimento a que todo este universo de pessoas tem sido sujeito ao longo dos quase três últimos anos”.

Apesar disto, a associação diz que ainda acredita que “será possível concluir todo o processo legislativo até ao último dia de trabalhos” antes de os deputados irem de férias de verão e que continua mobilizada para conseguir recuperar parte dos investimentos perdidos pelos seus associados, dizendo que a sua resiliência se viu com a presença hoje “de algumas centenas de associados nas galerias da Assembleia da República”.

Contactado pela Lusa, o presidente da AIEPC, Ricardo Ângelo, disse temer que com este adiamento o diploma não seja aprovado até às férias de verão: “Não é imaginável que uns vão de férias e que nós continuemos com esse impasse podendo ele ser resolvido na Assembleia da República”.

(Atualizado às 20h40 com reação da AIEPC)

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