Quinta-feira e as revelações de Cavaco Silva

  • Juliana Nogueira Santos
  • 16 Fevereiro 2017

O livro de memórias de Cavaco Silva é apresentado esta quinta-feira e promete abordar assuntos delicados, nomeadamente a relação atribulada entre este e José Sócrates.

“Quinta-feira e Outros Dias”. Assim se chama o livro de memórias de Aníbal Cavaco Silva que vem quebrar o silêncio que tem sido mantido por este desde que abandonou Belém. O título teve como inspiração o dia em que o Presidente da República e o primeiro-ministro se reúnem e a capa conta com um retrato do antigo presidente na varanda do Palácio de Belém, com os jardins e o rio Tejo como pano de fundo.

O assunto? Os oito anos em que ocupou o cargo de Presidente da República, com especial destaque para as relações que estabeleceu com os protagonistas políticos dessa altura, nomeadamente os que estariam mais perto de si, ou seja, os primeiros-ministros. Na sua última edição, o Expresso publicou partes de dois capítulos (acesso condicionado) nos quais se pode perceber as linhas orientadoras desta obra.

“As intrigas políticas do verão de 2009”

Quando anunciou que ia tornar públicas as suas memórias, Cavaco Silva fez questão de explicar as suas motivações, entre as quais a necessidade de “completar a prestação de contas aos portugueses, dando público testemunho de componentes relevantes da minha magistratura que são, em larga medida, desconhecidos dos cidadãos.” Com a leitura dos capítulos já revelados, pode perceber-se que muitos dos “componentes relevantes” dizem respeito a uma só pessoa: José Sócrates.

O Presidente da Republica, Cavaco Silva cumprimenta o primeiro-ministro, José Sócrates, durante a audiência com os membros do governo, que lhe apresentaram cumprimentos de boas festas, no Palácio de Belém, em Lisboa, 23 de dezembro de 2009.ANTÓNIO COTRIM/LUSA

O título escolhido para o caso das escutas ilustra na perfeição aquela que foi a relação entre os dois: “As intrigas políticas do verão de 2009.” Cavaco afirma que desde cedo se apercebeu de “fingimentos, mentiras e falta de lealdade e humildade democrática”, juntando a todos os casos em que Sócrates escondeu informação.

Além do conteúdo das 188 reuniões entre os dois políticos, é esperado que o livro trate também de assuntos como a escolha de Pinto Monteiro como procurador-geral da república, a relação de José Sócrates com os media, a venda da Vivo e o resgate da troika.

Sócrates vs. Passos Coelho

Se a relação com o socialista era atribulada, com o representante da oposição era exatamente o contrário. E Cavaco Silva não se coíbe de fazer uma comparação direta: ” [Passos Coelho], contrariamente a José Sócrates, nunca alterava o tom de voz, exibia uma permanente tranquilidade e era diligente no envio da informação que lhe solicitava.”

E continua: “Passos Coelho era pontual. Ao bater das 17 horas, eu era avisado pelo ajudante de campo da sua chegada. José Sócrates nem tanto. Uma vez abusou do atraso sem ter avisado previamente (…) e pedi que o informassem de que já não o receberia”.

Política não é espetáculo

Desde que Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse, as comparações com o seu antecessor não pararam de surgir. A mais habitual tem em conta a exposição mediática dos dois presidentes: Marcelo faz questão de estar presente em diversos eventos, de instituições sociais, bairros ou famílias, aproveitando sempre para deixar um comentário sobre a atualidade. Cavaco, por sua vez, aparecia poucas vezes em frente das câmaras, geralmente apenas nos eventos oficiais.

Cavaco Silva faz questão de deixar claro neste livro o porquê desta diferença tão evidente, afirmando que chegou a Belém cansado do mediatismo. A sua distância em relação aos media poderá surgir também como uma crítica ao modelo seguido pelo seu sucessor: “Tinham sido vinte e cinco anos de forte exposição, desde a tomada de posse como ministro das Finanças e do Plano no início de 1980, o que explica também o meu distanciamento relativamente à comunicação social, a reserva da Presidência da República nas relações com a imprensa e a minha recusa da política espetáculo, tão cara a muitos políticos por proporcionar notícias e fotografias, mas que, em minha opinião, não traz qualquer benefício ao país.

Tinham sido vinte e cinco anos de forte exposição, (…) o que explica também o meu distanciamento relativamente à comunicação social, a reserva da Presidência da República nas relações com a imprensa e a minha recusa da política espetáculo.

Cavaco Silva

Primeiro volume de dois

Este livro será apenas a primeira parte da história e contará com os acontecimentos dos anos de presidência em coabitação com José Sócrates. O segundo será ilustrado com mais histórias, nomeadamente protagonizadas por Pedro Passos Coelho e António Costa. Por agora, a obra que foi mantida em segredo até hoje vai ser apresentada esta quinta-feira no Centro Cultural de Belém às 18h30.

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