Prova dos 9: Banca empresta às famílias e corta às empresas?

António Costa fala num regresso ao velho paradigma do crédito. Diz que alguns indicadores mostram que a banca está a emprestar às famílias para consumo e para habitação, e não às empresas. É verdade?

O sistema financeiro português tem vivido tempos complicados. Desde bancos que entraram em colapso, acabando por ser alvo de resolução, a instituições que se veem a braços com um elevado fardo de malparado, atirando-as para prejuízos que acabam por pesar nos rácios de capital. António Costa diz que “faltam remates” para compor o setor, vendo sinais positivos. Mas alerta que não se pode voltar aos vícios do passado no que toca ao crédito.

“Falta concluir o processo do Novo Banco, concluir uma boa solução para os NPL [crédito malparado], questões de pormenor com o Montepio… faltam remates”, diz o primeiro-ministro em entrevista ao Expresso (acesso pago). Sobre o banco mutualista, salienta que “estão encontrados caminhos de solução””. O Montepio não é neste momento motivo de preocupação”, defende.

Há, contudo, ainda um problema: o malparado. António Costa diz que “nunca ninguém defendeu o banco mau”. Sublinha que “os próprios bancos têm vindo a encontrar muitos deles soluções próprias. Noutras é o Estado, como na capitalização da CGD. E o trabalho que tem vindo a ser feito com o Banco de Portugal e os bancos interessados tem estado a avançar para boas soluções, centradas sobretudo na recuperação de empresas viáveis”.

O processo de recuperação do setor financeiro está em marcha, mas António Costa está preocupado com as tendências recentes no que respeita ao crédito concedido pelos bancos. Teme que a banca volte a vícios do passado em vez de se focar no financiamento da economia, para ajudar o país a crescer.

A afirmação

“O investimento está a subir muito. Porventura de uma forma mais sustentável, recorrendo menos ao crédito, beneficiando mais de fundos comunitários e capital próprio, e há uma transição de cultura do sistema bancário que tem de ser feita, que é habituarem-se a que o seu futuro se foque mais no financiamento da economia e não regressar, como alguns indicadores parecem querer regressar, ao velho paradigma de empréstimo para consumo de particulares ou compra de casa própria, diz António Costa.

“Seria uma pena que depois de tudo o que passámos o sistema bancário não evoluísse para um nível superior de qualidade do crédito, focado na economia”, remata.

Os factos

O saldo do crédito à economia continua a encolher, isto num contexto de juros muito baixos patrocinado pelo Banco Central Europeu (BCE) que acelera o ritmo de amortização dos empréstimos concedidos pelos bancos nos últimos anos, a maioria deles com juros indexados às Euribor, taxas que continuam em terreno negativo.

Esta quebra no saldo do crédito acontece mesmo numa altura em que se assiste a fortes ritmos de crescimento dos novos empréstimos concedidos pelos bancos que procuram com o aumento do financiamento captar mais receitas para voltarem a apresentar resultados positivos.

O novo crédito está a disparar, mas apenas para as famílias já que cai no segmento das empresas. De acordo com os dados mais recentes do Banco de Portugal, nos primeiros seis meses do ano, os bancos concederam um total de 6.803 milhões de euros em crédito às famílias, o montante mais elevado desde o mesmo período de 2011, com 3.821 milhões de euros destinados à habitação.

Ao mesmo tempo foram concedidos um total de 1.990 milhões de euros em empréstimos ao consumo, segundo o Banco de Portugal. E incluindo o valor concedido pelas financeiras, o crédito ao consumo superou os três mil milhões na primeira metade do ano, muito impulsionado pelos créditos para a compra de automóveis.

Prova dos 9

 

António Costa tem razões para estar preocupado com a atuação da banca. Os factos mostram que o setor está a conceder cada vez mais “empréstimos para consumo de particulares ou compra de casa própria” do que propriamente a financiar empresas, para ajudar a economia.

Nos primeiros seis meses do ano, os novos empréstimos disponibilizados pelos bancos às empresas totalizaram 14.043 milhões de euros. Este valor corresponde a uma quebra de 6,5% face à concessão verificada no mesmo período do ano passado, e é o mais baixo do histórico do Banco de Portugal que remonta ao início de 2003. Essa quebra é transversal tanto às pequenas e médias empresas, como às de maior dimensão.

E o alerta do primeiro-ministro não é o único. Já há algum tempo que Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, tem vindo a sinalizar esta tendência da banca de se focar nos empréstimos para os particulares, destacando os créditos ao consumo, de mais alto risco. Na comissão de Orçamento e Finanças (COFMA), em maio, Carlos Costa, questionado sobre a nova concessão de crédito, referiu que está “a seguir muito atentamente” a evolução dos empréstimos. “Qual é que me preocupa mais? O crédito ao consumo“, salientou.

"É fundamental que as instituições financeiras avaliem corretamente e de forma prospetiva o risco inerente aos novos fluxos de crédito, principalmente a capacidade de crédito dos mutuários para além do colateral dado em garantia.”

Carlos Costa

Governador do Banco de Portugal

Já em junho, o governador voltou a deixar o alerta à banca. “Num ambiente prolongado de baixas taxas de juro e perante requisitos contabilísticos e regulamentares mais exigentes, poderão gerar-se incentivos a uma maior assunção de riscos por parte das instituições financeiras”, disse no Relatório de Estabilidade Financeira.

Considerou, à data, “fundamental que as instituições financeiras avaliem corretamente e de forma prospetiva o risco inerente aos novos fluxos de crédito, principalmente a capacidade de crédito dos mutuários para além do colateral dado em garantia”.

E rematou: face aos níveis de endividamento dos particulares, “uma eventual subida das taxas de juro de mercado, mesmo que gradual, poderá condicionar a capacidade de serviço da dívida” por parte dos devedores, referindo ainda que nesse cenário, “a qualidade de crédito das instituições financeiras nacionais poderá ser negativamente afetada”.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Prova dos 9: Banca empresta às famílias e corta às empresas?

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião