Andreas Georgiou: o estatístico grego condenado em tribunal

  • Margarida Peixoto
  • 15 Agosto 2017

O ex-presidente do Elstat, o instituto nacional de estatística grego, foi condenado em Atenas. Mas é protegido pela Comissão Europeia e por estatísticos dos dois lados do Atlântico.

Apesar dos indicadores gregos estarem a melhorar, de a Comissão Europeia já ter recomendado a saída da Grécia do PDE e de o país já ter conseguido financiar-se no mercado, as manifestações continuam nas ruas. Esta é de trabalhadores municipais.Kostas Tsironis / Bloomberg 29 junho, 2017

Liderar um gabinete nacional de estatísticas, rodeado de números, folhas de cálculo com células a perder de vista e regras de registo contabilístico intricadas é um dos trabalhos mais entediantes e sem emoção, certo? Errado. O líder do gabinete nacional de estatísticas da Grécia entre 2010 e 2015 está no meio de uma guerra política com ingredientes dignos de uma película de Hollywood.

Andreas Georgiou foi acusado de ter prejudicado o país e de ter servido os interesses do FMI, num filme onde as decisões judiciais gregas estão a ser seguidas de perto em Bruxelas, e sobre as quais tanto a Comissão, como economistas e estatísticos espalhados pelo mundo, já tomaram partido.

A 3 de agosto, o ex-presidente do Elstat — o equivalente grego ao Instituto Nacional de Estatística português — foi condenado por um tribunal de recurso da Grécia por ter falhado o dever de informação ao board do organismo, no momento em que comunicou ao Eurostat uma revisão em alta do défice orçamental grego de 2009. Andreas Georgiou até já tinha sido ilibado — oito meses antes, conta o Financial Times — mas um procurador grego resolveu reabrir o caso. Três juízes decidiram por unanimidade uma pena de prisão suspensa de dois anos.

Oficialmente é um caso sobre estatísticas. Mas na prática cruza política, economia e justiça

Mas este é muito mais do que um caso sobre estatísticas ou regras de reporte: cruza política, economia e justiça. Em 2010, Andreas Georgiou já contava 21 anos de trabalho ao serviço do Fundo Monetário Internacional (FMI). Deixou Washington e rumou a Atenas, para liderar o Elstat. Tinha como missão restaurar a credibilidade do organismo de estatísticas, cujos reportes estavam desacreditados e a independência era posta em causa. Do ponto de vista dos gregos, foi o homem que veio dos Estados Unidos, diretamente de um dos elementos da troika de credores, para pôr as estatísticas do país em ordem.

Quando chegou, reviu em alta o défice grego de 2009, dos 12,5% do PIB para 15,4%, suportando-se nos critérios e nas regras comunitárias. Como conta o Politico, os 12,5% tinham sido usados para a negociação do primeiro resgate à economia grega e por isso, a revisão em alta do número retirou poder negocial a Atenas, que se viu forçada a aceitar um segundo resgate ainda mais duro do que o primeiro.

Esta agência [o Elstat] era motivo de chacota na Europa. Agora é o filho pródigo que regressou à casa das estatísticas europeias.

Andreas Georgiou

Ex-presidente do Elstat

“Tínhamos de construir uma barreira contra a interferência política, para que as pessoas pudessem voltar a exercer a sua profissão com orgulho,” disse o ex-presidente do Elstat, ao NRC Handelsblad, citado pelo Politico. “Esta agência era motivo de chacota na Europa. Agora é o filho pródigo que regressou à casa das estatísticas europeias,” acrescentou.

Uma das consequências políticas da crise e da desconfiança dos números gregos tinha já sido um duro golpe na popularidade dos conservadores da Nova Democracia, que perderam o poder para os socialistas do PASOK, em outubro de 2009. Com a revisão do défice operada por Georgiou os conservadores ficaram ainda mais em xeque. E por isso, o ataque a Georgiou está agora a ser visto por alguns como uma forma de recuperar a imagem da Nova Democracia.

Em 2013, o líder do Elstat foi acusado de propositadamente ter inflacionado o défice de 2009, prejudicando com isso a Grécia e favorecido os credores. Andreas Georgiou foi ainda acusado de ter continuado a trabalhar para o FMI durante os seus primeiros meses de mandato à frente do organismo de estatísticas grego. E dois colegas do board do Elstat acusaram-no de ter reportado a revisão do défice ao Eurostat sem ter debatido primeiro o assunto com o resto da administração.

De acordo com as regras comunitárias, os valores do défice devem ser discutidos apenas a nível técnico — é isso que lhes garante independência, explicou um responsável de topo do Eurostat, em tribunal, diz o Financial Times. Mas a justiça grega condenou Georgiou. A sentença foi lida sem que o ex-presidente do Elstat estivesse presente — estava nos Estados Unidos, para onde regressou quando saiu de funções, em 2015.

Comissão e estatísticos de todo o mundo do lado de Georgiou

“É crucial que a base estatística utilizada no nosso modelo de decisão económica seja e se mantenha credível,” disse Marianne Thyssen, reagindo à decisão do tribunal grego. “Temos total confiança na credibilidade e fiabilidade dos dados do Elstat entre 2010 e 2015 e daí em diante,” somou uma porta-voz da comissão. “É importante que a independência do Elstat e das pessoas que cumprem o seu trabalho seja protegida de acordo com a lei,” acrescentou ainda Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia, no Twitter, garantindo que vai seguir o caso “com preocupação.”

Não há dúvidas: a Comissão Europeia está do lado de Georgiou. E condenar o ex-presidente das estatísticas do país pode até arrefecer os ânimos num momento em que a Grécia conseguiu fechar o acordo sobre os próximos passos do programa de ajustamento e voltar a financiar-se no mercado de dívida. O FT diz até que o tema pode vir a ser debatido no próximo Eurogrupo, em setembro.

Mas não é só o apoio explícito de um dos credores oficiais da Grécia que Georgiou tem. A Reuters conta que economistas seniores e estatísticos de todo o mundo já vieram mostrar solidariedade para com o ex-presidente das estatísticas gregas. Alguns estão mesmo a ajudar a pagar os custos dos processos judiciais.

“As estatísticas oficiais devem ser produzidas de acordo com os princípios e metodologias estabelecidos pelos profissionais de estatística, não segundo os votos dos membros de conselhos de administração,” reagiu o International Statistical Institute, citado pela Significance, uma revista sobre estatística da Royal Statistical Society e da American Statistical Association (ASA). Aliás, a própria ASA também emitiu um comunicado a defender Georgiou, frisando que “em nenhuma circunstância se podem justificar sanções criminais por desenvolver e e apresentar dados estatísticos objetivos e independentes de forma credível.”

“Ao condenar um estatístico honesto, a Grécia condena-se a si mesma,” escreve Megan Greene, economista-chefe no Manulife Asset Management, num artigo de opinião publicado no Politico.

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