Patrões e sindicatos querem portarias de extensão, mas há um ponto que gera discórdia

  • Cristina Oliveira da Silva
  • 17 Fevereiro 2017

Concertação social discute hoje mudanças nas portarias de extensão. Confederações sindicais e patronais defendem este instrumento, mas o consenso não é o mesmo quando o tema é a retroatividade.

Tanto as confederações sindicais como as patronais defendem a emissão de portarias de extensão, mas há um ponto que gera discordância. Em causa está a retroatividade das cláusulas pecuniárias, que pode abranger os salários mínimos negociados em contratação coletiva e outras matérias relacionadas com pagamentos.

O Governo começa a discutir esta sexta-feira com os parceiros sociais “mudanças no enquadramento das portarias de extensão e o estabelecimento de prazos legais de emissão dos avisos e das portarias”, indica a ordem de trabalhos da reunião.

As portarias de extensão alargam a todo o setor as condições de trabalho negociadas em contratação coletiva, que podem abranger matérias diversas: organização do tempo de trabalho, pagamento de horas extra ou salários mínimos de cada categoria profissional são apenas alguns exemplos. Num primeiro momento, os acordos que resultam da negociação coletiva abrangem apenas trabalhadores e empregadores filiados nas associações subscritoras — só com portarias de extensão estas condições são alargadas a todo o setor.

É dos poucos temas em que patrões e sindicatos estão do mesmo lado: todos defendem a emissão de portarias de extensão. Com a troika em Portugal, o Governo de Passos Coelho começou por bloquear a figura, uma medida que gerou críticas aos parceiros sociais e até motivou uma carta dos patrões ao Fundo Monetário Internacional, argumentando que a contratação coletiva estava paralisada. No final de 2012, o Executivo determinou um conjunto de critérios restritivos para a emissão destas portarias e as críticas continuaram. Já em 2014, os critérios acabaram por ser alargados. Em termos genéricos, as portarias podem ser emitidas se, nomeadamente, a parte empregadora que subscreveu o acordo contar com um número de associados “constituído, pelo menos, em 30% por micro, pequenas e médias empresas”, indica a resolução do Conselho de Ministros que hoje vigora.

Tanto a CGTP como a UGT querem voltar ao regime antigo, quando não existiam critérios para a publicação de portarias de extensão e esta era apenas uma decisão do Governo, que emitia estes instrumentos com regularidade. E do lado dos patrões, as confederações continuam favoráveis à extensão de convenções coletivas. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) também prefere um regime “sem critérios” para a publicação mas entende que os que se aplicam agora são “abertos”. “Preferíamos o regime antigo [antes da existência de critérios] mas não nos opomos à manutenção deste”, diz o presidente João Vieira Lopes ao ECO.

O que pode então dividir patrões e sindicatos? A retroatividade das cláusulas pecuniárias. A resolução do Conselho de Ministros em vigor diz que, no máximo, estas normas só podem ser retroativas ao primeiro dia do mês da publicação da portaria de extensão. Mas há portarias que surgem muito depois de publicada a convenção coletiva cujas regras vão ser estendidas. De acordo com Sérgio Monte, da UGT, “em alguns casos, as portarias de extensão chegam a ser publicadas com dois anos de atraso”.

Face a isto, a UGT quer fixar “prazos rigorosos” para a publicação de portarias, apontando para “dois ou três meses”. A questão dos prazos é, aliás, um dos pontos que o Governo leva a debate.

“O problema da retroatividade só existe porque as portarias são publicadas com muito atraso”, diz Sérgio Monte.

Neste contexto, a CGTP quer garantir que, no caso de extensão, as condições pecuniárias negociadas entre patrões e sindicatos têm efeito desde “o início da convenção”, afirma João Torres. A UGT também defende o pagamento retroativo mas nota que isso pode trazer dificuldades acrescidas a algumas empresas quando está em causa o pagamento de muitos meses acumulados — por isso insiste na publicação atempada de portarias de extensão.

Pelos patrões, a CCP afirma: as portarias de extensão “devem ser publicadas com maior brevidade possível” e as cláusulas pecuniárias “não podem ter efeitos retroativos”, porque isso comporta “problemas financeiros” às empresas abrangidas. Vieira Lopes vê com bons olhos a atual resolução do Conselho de Ministros neste ponto.

João Machado, da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) também está contra os efeitos retroativos se estes implicarem o pagamento acumulado referente a vários meses: “Depende do período de que estejamos a falar”, salienta, já que isso pode “sobrecarregar demasiado as empresas”. Também por isso, defende que a publicação de portarias deve ser “mais expedita”.

Para os patrões, as portarias de extensão são importantes porque evitam a concorrência desleal. Sem este instrumento, há empresas que podem praticar condições inferiores às negociadas em contratação coletiva, nomeadamente tabelas salariais mais baixas — basta não estarem filiadas nas associações sindicais que subscrevem o acordo. Ao mesmo tempo, a inexistência de portarias de extensão “acelera a tendência para a fraude”, lesando o Estado, diz Vieira Lopes. Já os sindicatos entendem que só com portarias de extensão é possível ter mais trabalhadores protegidos.

O tema vai a debate na concertação social pouco depois de a OCDE ter apresentado um relatório sobre as reformas laborais entre 2011 e 2015, onde defende que as portarias de extensão devem ter critérios de representatividade mais “desafiantes” ainda que “realistas”.

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