CGD: a defesa de Mário Centeno em 5 atos

O ministro pronunciou-se esta segunda-feira sobre a polémica da CGD, após as acusações da oposição. Centeno admitiu um possível "erro de perceção mútuo" e explicou a sua perceção do acordo.

Em direto do Salão Nobre, depois de ter reunido com o Presidente da República, Centeno fez uma declaração e ouviu as perguntas dos jornalistas, mas raramente as respondeu. No final, quando Mourinho Félix estava a falar, a equipa do Ministério das Finanças saiu de forma repentina. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro enviava um comunicado a garantir a permanência de Mário Centeno no Governo. Eis a “perceção” do ministro das Finanças do acordo que fez com António Domingues em cinco atos.

1. O “erro de perceção mútuo”

“A verdade é que nunca neguei que houvesse acordo, só que ele não envolvia a obrigação de entrega das mencionadas declarações”. Esta é a afirmação de Mário Centeno excluindo por completo que a não entrega das declarações estivesse dentro do âmbito do acordo. Mas o ministro das Finanças admitiu, ao mesmo tempo, a existência de uma zona cinzenta no diálogo com o ex-administrador da CGD: “Posso não ter afastado de António Domingues a ideia que o acordo poderia cobrir de alguma forma o dever de entrega ao Tribunal Constitucional”.

Ou seja, a “perceção” de Mário Centeno foi de que havia um acordo com o Governo apenas para alterar o Estatuto do Gestor Público. “Acordo do Governo para eliminar aquele dever? Não houve”, afirmou o ministro das Finanças: “O acordo que existiu foi para alterar o Estatuto do Gestor Público e o senhor António Domingues estava confortável com isso”. “Os erros de perceção têm a ver com leituras que são feitas e transmitidas das consequências de uma determinada alteração legislativa e o seu alcance”, afirmou.

Mário Centeno até deu um exemplo: “Noutras ocasiões quando os governos legislavam matérias inconstitucionais, não estavam a atacar a Constituição. Tinham perceções diferentes sobre a atividade legislativa”. “Houve neste contexto esses eventuais erros de perceção da extensão sobre o impacto da alteração legislativa que implementamos“, acrescentou.

Centeno disse ainda que ao retirar a CGD do EGP isentou o banco público de um “vastíssimo conjunto de condições que consideramos totalmente satisfeitas por outras formas de controlo”. O ministro das Finanças garante que apenas foi confrontado com a questão das declarações, de modo formal, a 15 de novembro, numa carta revelada na semana passada pelo ECO, referindo que o assunto só foi “posto pela primeira vez por escrito nesse momento”.

Existiriam dúvidas? Com certeza que existiram.

Mourinho Félix

Secretário de Estado das Finanças

Mesmo no final da conferência de imprensa, respondia Mourinho Félix, agora secretário de Estado das Finanças: “No quadro dessa eliminação da administração à sujeição ao EGP, a certa altura questionou-se se essa não sujeição estava isentar os gestores da Caixa da entrega das declarações”, disse, referindo que na altura respondeu que “não era algo que nos preocupe” por causa do quadro regulatório existente para a banca.

“A interpretação da lei é a partir daí dos tribunais. É assim num Estado de direito”, afirmou o secretário de Estado das Finanças. “Existiriam dúvidas? Com certeza que existiram”, admite Mourinho Félix, referindo que houve interpretações diferentes à lei. Ricardo Mourinho Félix disse ainda que “os gestores não estão dispensados de qualquer lei que vigora e que não tenha sido alterada”, pelo que, se “o TC interpretou que a lei 4/83 obriga [à entrega das declarações], a partir daí é claro que têm de ser entregues“, cita a Lusa.

2. As SMS’s existem, mas são “privadas”

Outro dos assuntos que se mantém na mesa é a existência de mensagens telefónicas, para além das cartas e e-mails, que possam comprometer o ministro das Finanças. Em resposta, Mário Centeno confirmou que existem, mas classificou-as de “privadas”. “Posso garantir que em todas as comunicações aquilo que eu sempre garanti é que o EGP ia ser alterado”, repetiu. As declarações “não eram uma matéria central”. “A matéria central era a exceção do estatuto”, garantiu.

Sempre falei a verdade, incluindo aos órgãos de soberania“, defendeu o ministro das Finanças. Em causa está a acusação do CDS de que Centeno mentiu à comissão de inquérito sobre a gestão da Caixa Geral de Depósitos. Dado o requerimento dos centristas, Centeno explicou que o acordo “tinha como base um conjunto vasto de documentos, e nesses documentos não existe uma referência à questão declarativa ao Tribunal Constitucional”. “A resposta do Ministério das Finanças correspondia ao entendimento desse mesmo requerimento e nesse contexto referimos a não existência de comunicações no âmbito da questão“, afirmou.

3. O Decreto-lei em banho-maria

A questão foi levantada este domingo por Luís Marques Mendes: entre a promulgação e a publicação em Diário da República passou mais de um mês. E já mereceu resposta de António Costa: “Estávamos na altura em plena fase de conclusão das negociações com a Comissão Europeia sobre o processo de recapitalização. Havia várias parcelas, uma tinha a ver com o estatuto do gestor público, outra com a possibilidade de capitalização. Em julho chegámos a uma fase decisiva em que houve acordo quanto ao desenho do sistema”, defendeu-se.

O ministro das Finanças foi confrontado com o mesmo desfasamento temporal e respondeu que “o processo legislativo só termina quando o diploma é publicado“. Mário Centeno apelou para se dar atenção à “extrema dificuldade” do processo, referindo que estavam negociações “em simultâneo em várias cidades europeias”, nomeadamente entre o Banco de Portugal, o Banco Central Europeu, o Mecanismo Único de Supervisão e a Comissão Europeia.

O ministro explica que esta alteração “tem um papel central neste processo”. E foi essa relevância que “obrigou que todas as cautelas fossem mantidas, o que justifica o atraso”.

4. A “ineficácia esclarecedora” de Mário Centeno

“Não me cabe a mim avaliar as questões que me podem ou não fragilizar”, afirmou Mário Centeno quando confrontado com a sua fragilização política. “Já perdi a conta ao número de vezes que fiz esclarecimentos sobre a CGD. Parte dessa ineficácia esclarecedora pode ser minha e do meu Ministério“, admitiu o ministro das Finanças, referindo que “infelizmente houve falhas no processo de preservação da informação”.

Essa informação “saiu de forma errónea” e “prejudicou a condução deste processo”. “Um processo negocial desta natureza, conduzido em diversas instituições internacionais, com muitas instâncias de resolução de questões e aprovações, tem de ser conduzido com um grau de reserva e preservação do processo muito elevado”, defendeu Centeno, afirmando que “as reuniões não podem estar transcritas na comunicação social“.

“Tudo isto parece um processo mal conduzido, mas posso garantir que não encontram um processo desta natureza na banca europeia com esta celeridade e eficácia”, afirmou Mário Centeno, reiterando novamente que não pediu a sua demissão. Mas disse que o seu lugar “está sempre à disposição”.

5. A envolvência dos advogados de Domingues

Questionado sobre a envolvência dos advogados de António Domingues, Centeno defendeu que o processo foi sempre coordenado pelo Ministério das Finanças. “Tivemos inúmeros reuniões de trabalho e incontáveis horas de trabalho com António Domingues”, disse o ministro, revelando que “foi discutido a substância daquilo que era o ato legislativo que o Governo iria levar a cabo por sua iniciativa na forma de um Decreto-lei que excluía a CGD do EGP”. Um ato legislativo que foi “público”, “escrutinado” e do “conhecimento” do ex-presidente do banco público, garante.

Mário Centeno admitiu que a alteração “foi feita com o apoio de uma equipa que também tem sido comentada”, nomeadamente uma “equipa de técnicos e juristas que estavam a colaborar em todo o processo com o perfeito conhecimento do Ministério das Finanças”. Em causa está a participação dos advogados da Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados em representação de António Domingues. Centeno diz que o seu Ministério “coordenou todo o processo”.

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