• Entrevista por:
  • Helena Garrido e Paula Nunes

Divulgar os devedores da Caixa? “Ameaça ao regime? Era antes uma ameaça aos ladrões”

Pedro Ferraz da Costa em entrevista ao ECO defende que a partir de determinada altura todos os presidentes da Caixa foram, pelo menos, muito passivos.

O tema é o sistema financeiro. Nesta parte da entrevista ao ECO, o presidente do Fórum para a Competitividade considera que o que se fez no setor bancário reflete o modelo de atuação em Portugal: adiar a resolução dos problemas.

No caso da CGD considera que há pouca informação e mostra-se admirado com a preocupação em defender o sigilo bancário dos devedores quando se vive uma fase em que se defende a divulgação das contas bancárias. Na sua perspetiva, a divulgação dos grandes devedores permitia que não se repetissem os erros do passado e era “uma ameaça aos ladrões”.

Aqui também ficam, nesta terceira parte da entrevista, criticas à supervisão do Banco de Portugal.

Podem-me vir dizer: “Eu não sou um ladrão, sou só fraquinho e não tenho coragem para me opor a determinadas determinações”. Acha que os presidentes da Caixa, que viveram esse período, são pessoas que tinham capacidade para terem um lugar daquela responsabilidade?

Os maiores devedores da Caixa deviam ser divulgados?

Acho extraordinário que seja possível deitar pela janela fora dezenas de milhares de milhões de euros e ninguém preste contas sobre o que é que aconteceu. O que é que o Banco de Portugal andou a fazer durante estes anos todos? Porque é que os senhores que saem, depois de não terem conseguido tomar conta dos recados, depois já podem voltar? Porque é que há esta dança de cadeiras e ninguém assume responsabilidades em relação a assunto nenhum? O que é que nos garante que não vai voltar a acontecer? Porque é que neste momento o crédito à construção voltou a aumentar?

Porquê?

Se calhar é a única coisa que sabem fazer.

Mas pensa que se devia divulgar os maiores devedores da Caixa?

Devíamos tentar dar a informação a pessoas que não estejam só envolvidas, politicamente, de um ou outro lado da barricada sobre o porquê do que aconteceu. Eu disse, aqui há meses, que preferia que a Caixa fosse privatizada porque não acredito na supervisão do Banco de Portugal nem na supervisão do Estado português. Se acreditasse não tinham acontecido as coisas que aconteceram.

Durante o período da Troika, o Prof. Vítor Gaspar adjudicou o problema da Caixa ao Banco de Portugal.

Pedro Ferraz da Costa

Sim, mas já percebeu que é um bocadinho indiferente ser privado ou ser público, as desgraças acontecem independentemente…

Não sei se é, eu não conheço. Porque é que afirma isso? Que base é que tem para isso?

Porque os bancos privados colapsaram em Portugal?

Então e a Caixa não colapsou?

Que nós saibamos, não.

Depende da tolerância que houve em relação àquilo. Durante o período da Troika, o Prof. Vítor Gaspar adjudicou o problema da Caixa ao Banco de Portugal. Pôs lá uma equipa do Banco de Portugal. Eles estiveram a gerir aquilo. Ninguém disse isso em voz alta, mas de facto aquilo era uma sociedade intervencionada pelo Banco Central.

Objetivamente ou só apenas formalmente?

Objetivamente. Mas tiveram algumas condições ou o Banco de Portugal alguma vez achou que o problema devia ser resolvido?

Parece que toda a gente está de acordo em que não haja sigilo bancário nas contas individuais das pessoas. Porque é que neste caso, que custa ao erário público milhares de milhões, não se pode saber?

Pedro Ferraz da Costa

Mas não me respondeu à questão se pensa que se devia divulgar os maiores devedores da Caixa. Há aqui dois argumentos. Esse que acabou de dizer: que pelo menos garantia-se que os erros não se voltavam a repetir. Mas há também a questão do sigilo bancário. É sensível aos argumentos que têm sido apresentados pelo Banco de Portugal? De que não se devem divulgar os maiores devedores por causa do sigilo bancário?

Eu nunca tinha ouvido tanto entusiasmo na defesa do sigilo bancário como agora a respeito disso.

Devia-se divulgar?

Parece que toda a gente está de acordo em que não haja sigilo bancário nas contas individuais das pessoas. Porque é que neste caso, que custa ao erário público milhares de milhões, não se pode saber? Porque é que não se cria uma comissão para fazer um livro branco sobre quais são os ensinamentos a tirar destes anos que nós passámos? Não é evidente que a Caixa foi utilizada para financiar empresas para atacarem o BCP?

Aparentemente é.

É. E não é melhor esclarecer estas coisas, do que deixar dúvidas sobre tudo? Alguém vai fazer boas leituras do desconhecido?

Mas qual era o objetivo desse esclarecimento? Não era uma ameaça ao regime?

Ameaça ao regime? Pobre regime se depende só disso. Era uma ameaça aos ladrões.

Podem-me vir dizer: “Eu não sou um ladrão, sou só fraquinho e não tenho coragem para me opor a determinadas determinações”. Acha que os presidentes da Caixa, que viveram esse período, são pessoas que tinham capacidade para terem um lugar daquela responsabilidade?

Pedro Ferraz da Costa

Mas quais são os ladrões que estiveram na Caixa?

Foram todos aqueles que autorizaram esse tipo de coisas. Podem-me vir dizer: “Eu não sou um ladrão, sou só fraquinho e não tenho coragem para me opor a determinadas determinações”. Acha que os presidentes da Caixa, que viveram esse período, são pessoas que tinham capacidade para terem um lugar daquela responsabilidade?

Diga-me. Não sei.

Não têm, com certeza que não têm.

Quem, por exemplo?

Não interessa quem. Seja quem for, não vamos pessoalizar isto porque não vale a pena. Há alturas em que, quem exerce um cargo de responsabilidade tem que se confrontar com “aceito isto ou não aceito isto”. Há pessoas que no passado disseram que não aceitavam. O Dr. João Salgueiro, em determinado momento, achou que o Ministério das Finanças queria fazer coisas na CGD com que ele não estava de acordo e saiu.

O Dr. Vítor Martins também saiu.

Não, esse saiu porque foi substituído, não foi ele que se demitiu.

Entrou em conflito por causa da utilização do Fundo de Pensões da Caixa.

Fez bem.

Todos os outros foram cúmplices?

Foram pelo menos muito passivos.

Na sua opinião então, a Comissão Parlamentar de Inquérito, esta primeira que está em funcionamento, deveria ir até às últimas consequências tendo acesso aos meios…

Tenho pouca opinião sobre isso.

Porque acha que não é importante?

Não é o não ser importante. Tenho grandes dúvidas que aquilo não seja uma ocasião de atirar ataques de um lado para o outro, em vez de se esclarecer a verdade e tirar consequências disso.

Como é que é possível pensar que uma tão grande parte da população aceita que uma parte importante dos impostos, que paga com esforço, seja para cobrir coisas que ninguém sabe bem o que é que foi?

Pedro Ferraz da Costa

Lições sobretudo para o futuro?

Eu acho que sim. E esclarecimento da opinião pública. Como é que é possível pensar que uma tão grande parte da população aceita que uma parte importante dos impostos, que paga com esforço, seja para cobrir coisas que ninguém sabe bem o que é que foi? Lança-se suspeições sobre tudo no geral. Eu não acredito que todas as pessoas se portem mal. Agora, acho que é muito útil saber-se que, quando se tem determinados lugares, se pode ser responsabilizado pelo que se faz. Em Portugal, temos muita dificuldade em sair deste bom rapazismo, onde ninguém diz mal de ninguém, ninguém critica, porque ‘amanhã também posso precisar’. É um ambiente péssimo. Os ingleses acharam que, em determinado momento, deviam ter um governador do Banco Central canadiano, porque o anterior estava demasiado próximo da Banca e, se calhar, tomou algumas decisões com atraso, em relação aquilo que era necessário.

E aqui também aconteceu essa cumplicidade com a Banca, que explica parte dos problemas que tivemos?

Eu acho que sim.

A supervisão do Banco Central é fraca há muitos anos.

Pedro Ferraz da Costa

Mas deste governador ou do anterior governador?

Acredito que, jornalisticamente, seja muito mais interessante pessoalizar. Mas eu acho que, em termos institucionais, a supervisão do Banco Central é fraca há muitos anos. Aliás, eu costumava dizer por graça — hoje em dia é que já é pesado dizer isso por graça porque é uma graça cara — , que o Banco de Portugal, no tempo do Dr. Vítor Constâncio, foi essencialmente um gabinete de estudos que tinha uma atividade lateral que era a supervisão.

E hoje continua a ser assim?

Não sei. Eles não dão contas do que é que fizeram na supervisão nestes anos.

A opção portuguesa é, normalmente, adiar a solução dos problemas. O que se fez em relação à banca foi aquilo que costumamos fazer cada vez que temos um problema: esconder, fingir que não existe, adiar a decisão, esperar que venha outro a seguir que trate dessa chatice. Isso é aquilo que nós fazemos em relação a quase todos os assuntos desde o 25 de abril.

Pedro Ferraz da Costa

O Governo devia avançar com um ‘Banco Mau’ para limpar o crédito malparado da Banca?

Os espanhóis conseguiram limitar a intervenção externa na economia espanhola na área financeira e, num prazo extraordinário curto, limparam aquilo tudo. Acabaram com as Caixas que eram inviáveis, obrigaram bancos mais pequenos a fundirem-se, mudaram os conselhos de administração e hoje têm uma Banca capitalizada.

Nós não tínhamos dinheiro para fazer isso, não é? O empréstimo foi basicamente para o Estado.

O empréstimo foi só para o Estado. Nem sequer foi para o setor público dos transportes. Tivemos um programa [de ajustamento] a que faltavam, se calhar, 30 mil milhões de euros. Isso era sabido desde o princípio, e pelo Banco de Portugal também. Dinheiro para o Estado, dinheiro para a Banca, dinheiro para o setor público dos transportes… Não chegava para tudo. A prioridade, como acontece sempre em Portugal, foi o Estado. O setor público dos transportes continuamos a empurrar coma barriga e a Banca vamos ver como é que é. Daí a minha tese: na CGD intervencionámos e pusemos lá uma equipa a responder à corporação do Banco de Portugal. Era menos um problema para o Ministro das Finanças tratar, porque tinha outros muito complicados. Isso foi a opção portuguesa. Não foi a opção do PSD e do CDS. A opção portuguesa é, normalmente, adiar a solução dos problemas. O que se fez em relação à banca foi aquilo que costumamos fazer cada vez que temos um problema: esconder, fingir que não existe, adiar a decisão, esperar que venha outro a seguir que trate dessa chatice. Isso é aquilo que nós fazemos em relação a quase todos os assuntos desde o 25 de abril.

Antes do 25 de abril também, nas colónias, também foi isso que fizemos.

Aí foi, mas em muitos aspetos não foi. Alias, já que fala nisso, ainda no tempo da nossa entrada na EFTA, no tempo do Dr. Salazar, não é no tempo do Marcelo Caetano, há uma mudança significativa de orientação na economia portuguesa do Ultramar para a Europa.

A politica económica no Estado Novo era melhor do que esta?

Havia objetivos, havia uma constância de politica. Em alguns aspetos era, noutros não seria. Mas não haja dúvida que, perante muita gente que dizia que nós íamos desaparecer com a entrada na EFTA, foi o período de maior crescimento para a nossa economia. Quando nós nos voltamos para fora corre bem. Isso é verdade desde o D. João II. Quando nós nos voltamos para dentro, a gastar o dinheiro, a fazer monumentos, corre mal. O D. Manuel estava falido a meio do reinado e conseguiu nacionalizar o comércio externo e acabar com muita da iniciativa privada que estava ligada aos Descobrimentos. O que temos de fazer para ter um futuro melhor é voltarmo-nos para fora. Devia ser a prioridade das prioridades da politica económica. Como temos pouco capital, a grande prioridade tem que ser atrair investimento direto estrangeiro nas áreas que nos interessam. Quais são as áreas que nos interessam? Eu não defendo uma política industrial do tipo da União Soviética.

Nem do condicionamento industrial.

O condicionamento industrial não faz sentido em termos nacional. Existia em todos os países europeus, não era só cá. E existe a nível europeu ainda hoje. É por essa razão que há resistência aos painéis solares chineses, é porque isso põe em causa a indústria solar europeia. Condicionalismos, negociar com mais ou menos força sempre existiu. E só os parvos é que não têm objetivos, que é a nossa situação atual. Nós, nessas negociações externas, não temos qualquer posição. Deixámos trucidar mais de metade do setor têxtil sem uma única vez ter levantado a hipótese de ter uma cláusula ‘antidumping’ que nos protegesse das exportações chinesas.

Nós acabámos com todos os que tinham dimensão em 1975 com as nacionalizações. O Prof. Cavaco Silva achou que o regime não podia pagar as indemnizações e possibilitar o regresso dessas pessoas, que tinham outra dimensão, outra visão e outra experiência, à vida económica. A minha proposta na altura era de que as privatizações tivessem sido feitas em leilão. E só poderia concorrer às privatizações quem tivesse recursos financeiros para elas. Não foi o que aconteceu. Em muitos casos, foram devolvidas ou vendidas algumas empresas a acionistas que não tinham dinheiro para esses negócios. E começaram logo pela borda debaixo de água.

E isso explica o ponto a que chegámos da falência de alguns desses grupos?

Com certeza.

Mas voltando ao ‘Banco Mau’. Considera que era uma boa ideia limpar totalmente o crédito malparado dos bancos?

Não sei qual é, como é que posso ter opinião sobre um assunto que desconheço? Porque quando diz que não se pode saber o que é que se passa na Caixa, como é que se pode ter opinião de qual era a solução?

Mas eu não preciso de saber quais são os devedores, o montante global sabemos, do crédito malparado.

Mas é que o problema não é global, o problema é de cada uma das empresas que lá esta. São empresas viáveis ou são empresas inviáveis? São empresas que deviam fazer um ‘turn around’ e pôr aquilo a funcionar de outra maneira ou não? Quando eu ouço dizer, — e nós temos que nos basear só no que ouvimos dizer porque informação não há — , que as empresas que estão nessa situação não fizeram qualquer reajustamento, estão penduradas na banca, não mudaram a estrutura dos salários, não mudaram estrutura dos produtos, não abandonaram determinadas atividades para entrar noutras… Uma empresa que esteja sem tomar decisões, quanto à essência da sua atividade, de 2007 até 2017 tem alguma possibilidade?

E há casos desses?

Não conheço a lista. Não sei se são a maioria ou se são uma pequena parte.

Mas conhece alguns casos, não é?

Acha que alguma estrutura pública vai resolver esse problema alguma vez? Quando ouvimos dizer que a Lone Star uma das coisas que valoriza é o potencial de recuperação do património imobiliário do Novo Banco…

Não vão comprar um banco, vão comprar imobiliário?

Também. Mas, acha que era uma equipa de gestão nomeada pelo Ministério das Finanças e pelo Banco de Portugal que iam fazer alguma recuperação disso?

Mas por isso é que o Novo Banco vai ser vendido, não é?

Sim, mas esteve há beira de não ser. Quase que se criou aí um movimento de opinião a favor do nacionalizar. “Fica nosso”, diziam. Mas o que é que fica nosso? Fica nosso um prejuízo daqueles e uma incapacidade de melhorar aquilo?

Em relação à CGD, uma das teses é que António Domingues queria de facto fazer a tal limpeza total do balanço do banco. Pensa que é assim ou que isto é um problema político-partidário puro?

Não, também devia haver esse problema com certeza. Ninguém vai gostar de quem tiver que fazer a limpeza.

Então Paulo Macedo não vai fazer a limpeza da Caixa?

Se calhar vai, mas devagar. Nós não temos informação para dar opinião sobre essas coisas. Não sabemos o que é que achou o BCE ou a autoridade bancária, o que é que a Direção Geral da concorrência disse…

Devíamos ter mais informação?

Com certeza.

  • Helena Garrido
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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