• Entrevista por:
  • Marta Santos Silva e Paula Nunes

ADSE tem 500 milhões nos cofres, mas despesas crescem muito mais do que receitas

Hoje a ADSE é 100% financiada pelos descontos dos beneficiários. João Proença, do Conselho Geral de Supervisão do instituto, fala ao ECO do futuro: da sustentabilidade e das novidades que aí vêm.

A ADSE tem excedentes todos os anos, mas as despesas crescem a uma velocidade superior às receitas. Qual é a sustentabilidade deste subsistema a médio prazo? Ainda não se sabe.

O presidente do Conselho Geral e de Supervisão, João Proença, escolhido pelos beneficiários da ADSE para ser um dos representantes nesse órgão com poder consultivo, falou ao ECO sobre os desafios que a ADSE terá de superar para continuar a cumprir as suas funções.

O que é, afinal de contas, a ADSE?

Fala-se muito na ADSE, mas mesmo os próprios beneficiários não sabem bem o que é. A ADSE nasceu muito antes do SNS, em 1963. Surge como aquilo que é hoje: um serviço de proteção na saúde dos trabalhadores da administração central. De facto, a ADSE foi-se desenvolvendo e mudou profundamente, sobretudo nos últimos anos.

E o que é a ADSE hoje? É um organismo que tem, em 2017, 1.211.980 beneficiários, dos quais alguns são beneficiários titulares, aqueles que pagam uma contribuição e têm direito diretamente a serem beneficiários da ADSE, e outros são beneficiários familiares. Dentro dos titulares, há os ativos, que são mais de 508.000, e os reformados, que são 324.000. Os familiares são mais uma componente que é quase um terço, 379.000. Destes familiares há um pequeno grupo de cônjuges, 40 mil. Para poderem beneficiar da ADSE, os cônjuges têm de ser inativos, ou seja… domésticos, como às vezes se diz.

A ADSE teve duas mudanças extremamente significativas. A primeira, e diria a mais importante, é o facto de, tendo nascido 100% financiada pelo Estado, ser hoje uma ADSE 100% financiada pelos beneficiários.

Parece-lhe que ainda existe uma conceção de que a ADSE sai do bolso dos contribuintes?

Hoje, isso é zero. Aliás, a ADSE permite uma grande poupança ao SNS e, por outro lado, está a financiar o Estado em mecanismos diversos.

Tendo nascido 100% financiada pelo Estado, a ADSE é hoje 100% financiada pelos beneficiários.

João Proença

Presidente do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE

Qual é a segunda grande mudança na ADSE?

É que só está na ADSE quem quer, porque em 2005 foi introduzida a inscrição facultativa, e a possibilidade de renúncia em 2011. Qualquer beneficiário da ADSE atual pode renunciar e deixar de pagar. Há hoje inscrição facultativa e o direito de sair do sistema. Por isso, a ADSE é dos beneficiários.

O que significa uma ADSE dos beneficiários?

Uma ADSE dos beneficiários significa que têm de estar em primeiro lugar. Se estiverem insatisfeitos vão-se embora, e podem pôr em causa a estabilidade da ADSE. Portanto, tem de haver uma preocupação em responder bem aos beneficiários, tê-los aqui satisfeitos de que aquilo que pagam vale a pena.

Que mudanças têm de acontecer para a ADSE se consolidar neste novo conceito?

Prestar mais serviços aos beneficiários, atrair novos aderentes à ADSE, até porque nem se sabe dentro da ADSE qual o número de trabalhadores da administração pública que não aderiu.

João Proença, presidente do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE, falou ao ECO na sede do instituto.Paula Nunes / ECO

Para além de ser um organismo dos beneficiários, também implica responsabilidades do beneficiário, ou seja, se um beneficiário gastar de forma supérflua, está a prejudicar os outros beneficiários que têm de financiar mais. Este é um mecanismo solidário, pago em percentagem do salário, com os salários mais altos a pagarem mais e os mais baixos a pagarem menos, com benefícios iguais para todos.

O Governo ainda não interiorizou bem que a ADSE é dos beneficiários, e acho que os próprios beneficiários também ainda não o interiorizaram a 100%. Estavam habituados a não olhar para os dispêndios e agora tem de se olhar para eles, pela sustentabilidade.

E qual é a sustentabilidade da ADSE?

Há receitas, que são dos beneficiários, e há despesas. Mas não se sabe qual é a sustentabilidade da ADSE daqui a quatro ou cinco ou dez anos. Há um estudo em curso, promovido pelo Conselho Geral e de Supervisão, que deverá ser apresentado em junho ou julho, para ver realmente qual é a previsão da sustentabilidade da ADSE para o futuro, talvez num horizonte de cinco anos, talvez diferente.

As pessoas têm a ideia, e bem, de que uma contribuição de 3,5% do salário é muito. Hoje, a ADSE tem saldos positivos significativos. Teve saldos em 2014, 2015, 2016, 2017, e pertencem à própria ADSE e que hoje significam quase 500 milhões de euros. Mas há nuvens no horizonte. As despesas estão a crescer muito mais rapidamente do que as receitas. Tanto no regime livre como no regime convencionado, a despesa tem subido a valores de entre 5 e 8%, que são totalmente insustentáveis quando os salários dos beneficiários e as pensões crescem, às vezes, menos do que 1%.

O que levou à necessidade de criar novas tabelas de preços da ADSE?

As tabelas são um problema de justiça: havia fatores incontrolados na despesa. As despesas com saúde são sempre de difícil controlo mas, por exemplo, havia muitos atos clínicos que não tinham valor máximo. Há o caso claro do medicamento que tem sido dado, de uma aspirina ou o seu equivalente poder custar 11 cêntimos ou 10 euros. Havia que rever as tabelas, a vários níveis. Há as dos medicamentos, que passam a ter uma nova margem superior ao custo que pode ser praticado. Há as das próteses, com a mesma coisa.

Nas intervenções cirúrgicas, vai ser adotado sobretudo o regime dos chamados preços fechados. A ADSE tem um histórico muito grande, porque paga milhares de operações e, dentro desses milhares, para qualquer operação sabe qual foi a dispersão de preços na população. Portanto, basta fazer um preço médio e dizer que o máximo que se poderá debitar à ADSE é o médio.

Em termos de sustentabilidade estamos a falar, então, primeiro do desafio que se coloca com as contribuições dos beneficiários não crescerem à mesma velocidade que as despesas…

Sim, até posso dizer que todos nós representantes dos beneficiários gostaríamos que a contribuição de 3,5% baixasse. Até houve um parecer, logo o primeiro de 2017, que referia que fosse ponderada a diminuição dos 3,5%. Essa questão vai ser aprofundada agora com o estudo de sustentabilidade, se os 3,5% são sustentáveis e adequados para o médio prazo.

E no campo da sustentabilidade também falamos das tabelas?

As tabelas também reduzem ligeiramente os custos, mas o fundamental é controlar o aumento dos custos. Esse aumento é que está a ser claramente insuportável. Os atos passam a estar tabelados e há uma maior preocupação no combate à fraude e a atos inúteis ou desnecessários.

Mas obviamente que a sustentabilidade é essencial. A ADSE não pode ter défices, porque se os tiver pode sustentar-se durante algum tempo com os seus tais quase 500 milhões de euros em saldo, mas depois teria de aumentar as contribuições dos beneficiários e isso é totalmente inadequado e penso que inaceitável.

Em que pé se encontra a possibilidade de um alargamento da ADSE a novos beneficiários?

Sobre o alargamento, dentro do Conselho Geral e de Supervisão não há unanimidade. São confrontadas, quanto a mim, duas posições. Uma é daqueles que entendem que já é possível ver se o alargamento a certos estratos melhora ou não a sustentabilidade, porque é visível, não são precisos estudos. Outros que dizem que não, que a sustentabilidade tem de ser analisada muito profundamente antes de se poder discutir o alargamento.

Houve um compromisso, quando o Conselho Diretivo apresentou, no ano passado, a primeira versão da chamada alteração do regime de benefícios, que na prática tem um alargamento. O parecer do Conselho Geral e de Supervisão foi que, no imediato, a prioridade era resolver o problema dos contratos individuais de trabalho e dos chamados “arrependidos”.

Que contratos individuais de trabalho (CIT)? Também aqui não havia um estudo suficientemente adequado para decidir esta matéria. Então ficou os contratos individuais de trabalho respeitantes à Administração Pública incluindo os hospitais empresariais, ou EPE.

Na prática, o alargamento como está decidido pelo Conselho Geral e de Supervisão deveria ter pelo menos duas fases: uma primeira com os CITs mais claros, e os “arrependidos”, e uma segunda fase com os CITs, os “arrependidos”, e outras situações, nomeadamente os cônjuges. Esta segunda fase só será com o estudo da sustentabilidade, a apresentar em junho ou julho.

Essa primeira fase de alargamento poderia ser implementada mesmo antes do estudo de sustentabilidade?

O que se pretende é que haja uma revisão parcial do diploma dos benefícios que viabilizasse essa entrada, tanto dos CIT como dos chamados “arrependidos”.

Poria em causa a sustentabilidade da ADSE e exigiria demasiada solidariedade aos outros beneficiários uma situação em que as pessoas só aderissem quando são idosas.

João Proença

Presidente do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE

Os “arrependidos” eram as pessoas que não aderiram no prazo fixado, muitas vezes até porque não sabiam que poderiam aderir, ou aqueles que renunciaram. Seria dado um certo período de alguns meses para estas pessoas, de um modo definitivo, através de uma norma transitória que não seria repetida, poderem regularizar a sua situação.

Então o caso não seria: “daqui em diante, se renunciar pode voltar a entrar”; mas sim: “se renunciou até agora pode optar temporariamente por voltar a aderir”?

Sim, é uma oportunidade única. Poria em causa a sustentabilidade da ADSE e exigiria demasiada solidariedade aos outros beneficiários uma situação em que as pessoas só aderissem quando são idosas.

O que é que motiva dar prioridade aos CIT ou aos arrependidos sobre, por exemplo, o caso dos cônjuges?

Os cônjuges são um caso muito complicado. Se se abrisse a ADSE aos cônjuges, os beneficiários teriam de passar a pagar 5% ou 6%. Repare, hoje há 40 mil cônjuges para 800 e tal mil beneficiários titulares.

Mas tinha-se falado, à época, em fazer um alargamento em que os cônjuges que não fossem funcionários públicos pudessem aceder à ADSE fazendo uma contribuição…

A ideia aí seria a de criar uma nova figura de beneficiários, um grupo fechado em que a contribuição teria de ser correspondente ao custo do sistema. Assim, não teria fatores negativos para a sustentabilidade. Houve uma grande reação negativa da maior parte do Conselho Geral e de Supervisão a criar um segundo tipo de beneficiário.

Falou-se também de um eventual alargamento aos filhos maiores que pudessem já estar a trabalhar. Isso já não está em cima da mesa?

Não digo que não esteja. A proposta tinha limites — que os filhos pudessem ter até 30 anos. Mas também passavam a contribuir. É uma proposta que está em cima da mesa.

  • Marta Santos Silva
  • Redatora
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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