Os trunfos de Amado e Lacerda Machado para a EDP

Um leva a experiência de ministro dos Negócios Estrangeiros, o outro traz uma relação privilegiada com a China. Ambos são tidos como fortes candidatos ao lugar que Eduardo Catroga vai deixar na EDP.

Luís Amado (esquerda) e Diogo Lacerda Machado (direita) são candidatos fortes ao cargo de chairman da EDP.

O mandato dos órgãos sociais da EDP está a chegar ao fim e, para já, é apenas certo que Eduardo Catroga não vai manter o cargo. O antigo ministro das Finanças deixa vago o lugar de chairman da elétrica portuguesa e, no mercado, já se fala de dois nomes para substituí-lo: Luís Amado, ex-ministro dos governos de José Sócrates e atual vice-presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, e Diogo Lacerda Machado, advogado, antigo membro desse mesmo conselho geral e atualmente membro do conselho de administração da TAP. Um leva a experiência de ministro dos Negócios Estrangeiros, o outro traz uma relação privilegiada com o mercado chinês. Ambos são tidos como fortes candidatos. E ambos têm pontes políticas.

Amado, de ministro a banqueiro

Licenciado em Economia, Luís Amado, 64 anos, iniciou a carreira política na Madeira, onde foi deputado à Assembleia Regional, no final da década de 80. Depois disso, cumpriu três mandatos como deputado do PS, na Assembleia da República, até que passou a integrar governos socialistas.

Primeiro, foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros nos dois governos de António Guterres, de 1995 a 2002. Depois, foi promovido a ministro nos dois governos de José Sócrates, entre 2005 e 2011. Começou como ministro da Defesa mas, ainda no primeiro mandato de Sócrates, passou a ministro dos Negócios Estrangeiros, para substituir Freitas do Amaral, e foi nesse cargo, que acabou por manter até ao final do segundo mandato de Sócrates, que ganhou destaque.

De ministro, passou diretamente para banqueiro. Tinha deixado a política há menos de um ano quando, em fevereiro de 2012, foi nomeado para presidir ao conselho de administração do banco madeirense Banif, onde esteve até o banco ser alvo de uma resolução, no final de 2015, que custou 2,4 mil milhões de euros aos contribuintes.

Em resposta às insinuações, Luís Amado sempre rejeitou que tenha entrado na comum “porta giratória”, de um cargo de topo no Estado para um cargo de topo no setor privado. “Fui convidado para desempenhar funções no conselho de administração da CGD quando deixei de ter funções governativas e rejeitei porque era uma instituição pública. Aceitei o convite do Banif, porque era uma instituição privada. Senti que tinha condições para isso”, disse, no ano passado, quando foi ouvido no Parlamento sobre a resolução do Banif.

Serão estes os dois grandes trunfos de Luís Amado: a experiência na diplomacia internacional (o seu mandato como ministro dos Negócios Estrangeiros ficou marcado, por exemplo, pelo relançamento do debate da agenda transatlântica, ao defender uma aproximação UE-EUA) e a experiência na gestão de uma grande empresa. Por outro lado, Amado representa uma linha de continuidade da atual gestão da EDP, já que é o número dois do Conselho Geral e de Supervisão.

Lacerda Machado, de gestor a melhor amigo de Costa

Diogo Lacerda Machado tem 56 anos e é licenciado em Direito. O currículo é vasto: é advogado, assumiu ou assume cargos de topo em empresas como a PT, a Reditus, os moçambicanos Moza Banco e Banco Mais, o Banco da África Ocidental, a Caixa Económica de Cabo Verde e a própria EDP, onde foi membro do Conselho Geral e de Supervisão, entre 2006 e 2012. Pelo meio, consultor jurídico de várias entidades e, entre 1999 e 2002, foi secretário de Estado da Justiça, sob a tutela de António Costa, então ministro da Justiça. Atualmente, é membro não executivo do conselho de administração da TAP.

A boa relação com o mercado chinês, que será um dos fatores mais relevantes a levar em conta pela EDP (cujo principal acionista é a chinesa China Three Gorges), vem desde o final da década de 1980, quando foi para Macau para trabalhar na preparação do sistema de administração judicial para a transição do território para a China.

Regressou a Portugal já na década de 1990, com a missão, como o próprio já admitiu mais tarde, de convencer empresas portuguesas a estabelecer parcerias com o mercado chinês, na certeza de que era este o futuro. As tentativas saíram falhadas por várias vezes. No último Congresso Nacional da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), que este ano decorreu em Macau, admitiu ter ficado feliz quando a China Three Gorges foi a escolhida aquando da privatização da EDP.

Por outro lado, Lacerda Machado representa a abertura de um novo ciclo, ainda que, ao mesmo tempo, já conheça a EDP por dentro, já que foi membro do Conselho Geral durante dois mandatos.

Mas o maior trunfo será a proximidade ao Governo, sobretudo numa altura em que a EDP enfrenta novas polémicas relativas às rendas energéticas (os chamados Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual). Independentemente do extenso currículo, Diogo Lacerda Machado é, na verdade, conhecido por ser o melhor amigo do primeiro-ministro, António Costa, um rótulo que o próprio já admitiu que apaga o mérito do seu percurso profissional.

As manchas nos currículos

Os currículos de ambos os potenciais candidatos são vastos, mas há eventos de vida que nenhum deles fará questão de destacar numa candidatura. É o caso da ruinosa compra da VEM por parte da TAP, operação em que Diogo Lacerda Machado participou, ou da falência do Banif, onde Luís Amado era chairman.

A compra da VEM

O negócio mais ruinoso que a TAP fez remonta a 8 de novembro de 2005 e ainda hoje é um peso sobre as suas contas. Foi nessa data que a companhia aérea nacional assinou um contrato de compra da VEM (a divisão de engenharia e manutenção da companhia aérea brasileira Varig, já falida) e da Varig Log (a divisão de logística), num montante global de 62 milhões de dólares.

Para concretizar esta compra, a TAP formou o consórcio Aero LB, em conjunto com a Geocapital, sociedade de investimentos detida por Stanley Ho e Jorge Ferro Ribeiro e da qual Diogo Lacerda Machado ainda hoje é administrador. É a mesma Geocapital que hoje detém uma participação na EDP, através da Energy Finance.

A operação não correu como planeado. A Varig Log foi comprada pela empresa Volo Brasil, que acabou por comprar também a parte sustentável da Varig. A TAP ficou com o que restava: em fevereiro de 2006, o consórcio Aero LB fechou a compra da VEM, por 24 milhões de euros, assumindo um passivo avaliado, na altura, em 100 milhões de dólares.

Ora, o acordo celebrado com a Geocapital estabelecia que, caso a compra da Varig não fosse concretizada como estava previsto, a TAP teria não só de devolver os 21 milhões de dólares investidos por aquela sociedade, como teria de pagar-lhe um prémio de 21%, ou seja, mais 4,2 milhões de dólares, um pagamento que veio mesmo a ser feito.

Hoje no conselho de administração da TAP, Lacerda Machado continua a defender a compra da VEM. “Se a TAP não tem feito esse investimento absolutamente estratégico, decisivo para chegar onde chegou hoje, o tempo seria muito pior”, disse o administrador da TAP, no mês passado, durante o congresso deste ano da APAVT.

Certo é que, pelo menos em parte, é graças à divisão de manutenção no Brasil, entretanto rebatizada de TAP Engenharia e Manutenção, que as contas do grupo TAP continuam no vermelho. A TAP SGPS reportou prejuízos de 27,7 milhões de euros no ano passado, de 156 milhões em 2015 e de 85 milhões em 2014. Este ano, Diogo Lacerda Machado já antecipou um “desempenho económico-financeiro incomum”, sobretudo graças ao aumento de tráfego da companhia aérea. Mas, contabilizando apenas o primeiro semestre, as contas continuaram negativas, exclusivamente devido ao impacto da divisão de engenharia e manutenção.

A falência do Banif

A experiência à frente daquele que era um dos maiores bancos portugueses poderá valer pontos a Luís Amado, mas também poderá retirá-los. Os problemas de capital do Banif vêm de trás e Luís Amado já garantiu que não conhecia a verdadeira situação do banco quando assumiu o cargo de chairman. “Quando fui convidado para o banco foi-me dito que o banco nem precisava de capital”, recordou, durante a comissão parlamentar de inquérito ao Banif. Mas não há como apagar que Luís Amado era o chairman do Banif quando o banco foi ao fundo.

A “solução menos má” encontrada pelo Governo de António Costa para salvar a atividade do Banif, em dezembro de 2015, implicou um total de 2,25 mil milhões de euros em apoios públicos, dos quais 1,76 mil milhões cobertos diretamente pelo Estado. O antigo banqueiro nunca assumiu responsabilidades nesta história.

Confrontado, mais tarde, no Parlamento, com os eventos que levaram ao fim do Banif, Luís Amado justificou o desfecho do banco com uma “tempestade perfeita”. Na visão do gestor, o “vazio político criado pela transição de um governo para o outro deu espaço à Comissão Europeia para impor as suas regras”, pelo que “o desenvolvimento do processo de reestruturação foi posto em causa”. Foi a partir daí que “o banco entrou numa série crise de confiança”, considera. Para Luís Amado, a notícia da TVI, que dava conta de que o Banif ia fechar, sem que isso estivesse oficialmente confirmado, foi o golpe final, que “agravou ainda mais, de forma dramática, a situação de liquidez do banco”.

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