Nestlé: É nesta fábrica que se faz a infância dos portugueses há 95 anos

Cerelac, Mokambo, Estrelitas, Nestum. Comeu algum destes produtos quando era criança? Conheça agora onde é que são feitos há quase um século.

Se fechar os olhos à entrada da fábrica de Avanca, uma das três fábricas da Nestlé em Portugal, quase parece que são sete da manhã e que estamos a entrar na cozinha da casa onde passámos a nossa infância, para tomar o pequeno-almoço. Do cheiro a café ao de papa Cerelac, são vários os produtos que aqui são produzidos e que ocuparam um lugar preponderante no nosso início de vida.

Estas instalações no concelho de Estarreja, em Aveiro, estão em funcionamento desde 1923, altura em que António Egas Moniz, médico, vencedor do Prémio Nobel da Medicina e originário desta terra, quis fazer ali farinhas lácteas para crianças. Noventa e cinco anos depois, já nas mãos da gigante Nestlé, a fábrica produz mais de 33 mil toneladas de produtos por ano, por entre nutrição infantil, cereais de pequeno-almoço e bebidas de cereais.

A população local tem uma ligação muito próxima com a fábrica, uma vez que há famílias em que são três as gerações a passarem por aquela casa. “A Nestlé em Avanca é o mais antigo grande empregador da região, uma vez que está implantada no Lugar de Pensal”, conta-nos Joana Guerra, responsável de recursos humanos da fábrica. “Atualmente, no seu conjunto, a fábrica e o Centro de Distribuição têm 429 trabalhadores. Mais de metade deles é residente em Avanca e nas terras limítrofes.

Entre as marcas produzidas para consumo em Portugal e para exportação estão o Mokambo, as Estrelitas, a Cerelac, a Milo, a Nestlé, a Pensal… Tantas outras. Mas hoje é dia de apenas três.

Diga bom dia com Mokambo

É quase impossível dizer a marca Mokambo sem que o jingle dos anos 80 e 90 surja nas nossas cabeças. “Diga bom dia com Mokambo, Mokambo, Mokambo”, ouvia-se na publicidade, que mostrava uma família reunida à mesa antes de sair de casa, a saborear o seu pequeno-almoço.

Mokambo no final da linha de produção.DR

A bebida de cereais Mokambo é uma das cinco produzidas nesta fábrica, mas destaca-se por ser a que tem um extra: 20% de café para que o dia comece com mais energia. A linha de produção tem capacidade para despachar seis mil frascos por dia, o que faz com que, no fim do ano, saiam três mil toneladas de bebidas de cereais destas instalações.

“A princípio, as bebidas de cereais foram criadas como um substituto mais acessível do café, que no Estado Novo atingiu preços elevados“, explica ao ECO, Graça Batista, responsável pela secção de bebidas de cereais da Nestlé. “Mas as crianças começaram a gostar e a habituar-se, porque a torrefação dos cereais torna-os mais doces, e passaram a estar presentes no pequeno-almoço, mesmo atualmente.”

Antes de entrarem nos frascos, as bebidas de cereais passam por quatro fases: a torrefação, onde os cereais e o café são sujeitos a altas temperaturas até tostarem, a extração, onde é misturado com água para que liberte aroma e sabor, a concentração, onde a água evapora, e a moagem, ou seja, a transformação em pó.

Só depois passa para as embalagens, que já são bem diferentes daquilo que eram na altura em que a publicidade passava na televisão, para se adotarem às exigências dos consumidores. Os frascos de vidro são agora mais ergonómicos.

Embalagem final da Mokambo.DR

Uma galáxia na tigela

Na secção de cereais, é dia de produzir Estrelitas. Em Avanca fazem-se Estrelitas, Nesquik e Chocapic, mas é a primeira marca que está agendada para esta sessão. Com 32 anos, esta marca é muito popular entre os mais novos, apresentando dois sabores: mel e bolacha maria.

“Mais de 90% das matérias-primas utilizadas são de origem nacional”, explica Daniela Grave. “Os cereais são todos integrais e vêm do Alentejo, onde a produção é acompanhada diretamente da Nestlé.” Já a receita, nem Daniela ou qualquer outro dos trabalhadores da fábrica nos diz qual é.

Para que a receita não seja utilizada por outras marcas, e sendo que a Nestlé só produz cereais para a si, a forma como se fazem as estrelas e as galáxias está no segredo dos deuses. “É uma farinha base que é depois cozida e coberta por um xarope”, dizem apenas.

Da sala mistério, o produto passa para a linha de embalamento, onde os sacos de plásticos estão já à espera.

Come a papa, Joana come a papa

E se as bebidas de cereais e os cereais de pequeno-almoço são um clássico, nada ultrapassa as papas infantis. De um lado a Cerelac, do outro o Nestum. Neste dia, a produção de Nestum está parada: este que é um produto que sai apenas de Avanca e é praticamente todo consumido em território nacional. No entanto, um produto com 60 anos não pode estar em movimento, precisa já de descansar durante algum tempo.

A toda a potência está a linha de produção da Cerelac, a farinha láctea que também fez parte da revolução da instantaneidade. “De repente, as mães passaram a poder preparar um pequeno-almoço forte e nutritivo para os seus filhos em pouco tempo, era só misturar água”, diz-nos Patrícia Papoila.

O processo de produção da Cerelac é um misto de água na boca e suor no corpo. Ao entrar na primeira sala, nota-se logo a diferença de temperatura. No meio desta estão seis grandes máquinas, que funcionam a altas temperaturas, para as quais é entornada uma fórmula líquida da cor da Cerelac. No ar, um cheiro a papa infantil que aguça a memória.

A fórmula líquida passa depois a pó com o calor, e continua por um percurso com temperatura controlada, para evitar a condensação. Estas seis máquinas são capazes de produzir uma tonelada de produto por hora, que depois segue para a linha de embalamento.

Alimentar o “mercado da saudade”

E se a nostalgia nos assalta nestes percursos, a empresa também a sente nos mercados para onde vende. Estes produtos ficam maioritariamente por Portugal — 11,4% do Mokambo vai para fora, tal como 5,2% das Estrelitas e 54% da Cerelac –, mas vão também para Espanha, Angola e Cabo Verde.

Espólio de marcas produzidas em Avanca, nem todas para consumo em Portugal.DR

Estes dois últimos mercados são muito importantes para a empresa, uma vez que concentram muitos emigrantes. “É o chamado mercado da saudade, temos de estar onde estão os portugueses”, conclui Patrícia.

  • Juliana Nogueira Santos
  • Redatora

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