?‍? 100 Maneiras de lucrar no melhor restaurante do mundo, segundo o chef Ljubomir

Como é gerido o negócio do mediático chef? Após a falência de 2008, o negócio melhorou e deu folga financeira para um novo espaço para o 100 Maneiras. O prémio da Monocle foi a cereja no topo do bolo.

O novo espaço do 100 Maneiras em construção.PAULA NUNES / ECO

“Só há uma verdade: a saída é pelo espelho”. É esta a frase que os clientes do restaurante 100 Maneiras vão ver mal entrem no novo espaço que está a ser construído. Quando abrir lá para o final do ano, o novo espaço já poderá ser cunhado com o título de melhor restaurante do mundo para a Monocle que o irmão, o Bistro 100 Maneiras, ganhou no final do mês passado. O turismo em crescimento exponencial tem ajudado o grupo a ter receitas na ordem dos seis dígitos, mas agora são os portugueses os mais curiosos pela degustação.

Os responsáveis da empresa classificam o 100 Maneiras do Bairro Alto de “case study”. Um caso para estudar entre a gestão controlada do dia-a-dia, a aposta num novo restaurante, a resistência ao interesse do exterior e o plano de contingência para o caso de tudo correr mal. A cara do negócio é o chef jugoslavo, Ljubomir Stanisic. Mas esta não é uma missão de um homem só, como se viu no programa Pesadelo na Cozinha, da TVI.

Stanisic e restantes sócios confiaram a gestão do seu negócio a Hugo Barreto-Ramos. O próprio corrobora o desempenho pouco comum do 100 Maneiras: “É um restaurante que estejamos bem ou mal em termos turísticos tem sempre desempenhos inacreditáveis”, afirma ao ECO. Tal deve-se ao facto de “80% do sangue que corre no restaurante ser do chef“. Apesar de já ter passado por empresas mundiais, o atual gestor do grupo classifica o seu emprego como “a cadeira de sonho de qualquer um”.

Em breve, o espaço do Bairro Alto terá nova casa. Ainda não será o “espaço ideal”, confessa, ao ECO, Nuno Faria, um dos sócios do chef, mas ficará perto. As próprias características do espaço levaram a que o menu fosse predefinido, “uma decisão muito inteligente ao nível do negócio porque não há desperdícios” e há um controlo muito maior da operação. O prémio da Monocle foi a cereja no topo do bolo para dar força ao novo investimento. O interesse exterior deverá aumentar, mas o grupo avisa que não quer perder a independência criativa.

O dia-a-dia do gestor do melhor restaurante do mundo para Monocle

Hugo Barreto-Ramos é o gestor do grupo que detém a marca 100 Maneiras. Acorda cedo e põe-se a par das notícias para tentar “abstrair-se do trabalho do restaurante”, conta ao ECO. Ultrapassado esse momento, passa a vestir a pele de gestor e olha para os números do dia anterior. “A minha manhã é sempre passada a analisar o dia anterior”, explica, referindo que olha para o número de clientes, o preço de cada refeição, entre outros indicadores. Ao mesmo tempo, a diretora de compras está a analisar os preços dos produtos que estão no mercado.

“Sou um control freak“, admite Hugo Barreto-Ramos. As variações de preços, as encomendas feitas, o preço dos produtos de cada prato, entre outros, são controladas à lupa através de várias folhas de excel que criou quando chegou à gestão do 100 Maneiras, há ano e meio. É no dia-a-dia que controla ao pormenor os custos. “Se vemos que há alguma alteração de preço quando vamos efetuar a compra, as nossas folhas avisam-nos que estamos a comprar a um preço mais alto do que devíamos”, explica, referindo que é nessa altura em que entra em jogo a diretora de compras para negociar com os fornecedores.

Em 2016, quando fechámos as contas, no final abrimos uma garrafa de champanhe.

Hugo Barreto-Ramos

Diretor-geral do 100 Maneiras

O controlo pormenorizado alastra-se até ao papel higiénico. “Tenho de saber em que data é que o produto entrou e saiu, e qual foi o período de vida dentro da empresa, seja papel higiénico, seja uma carne maturada”, assegura. Esta foi uma das exigências que introduziu na empresa quando entrou, depois de ter detetado “alguns erros comuns” que há na restauração. Ao final da tarde, é a altura de consultar as reservas e analisar o potencial do dia.

Mais à noite, o gestor aposta nas relações humanas e no método kaisan: “É uma metodologia [focada no melhoramento] que encaixa muito bem em todo o conceito que é a marca 100 Maneiras”, diz, referindo que nunca decide pelos funcionários, dando-lhes, em alternativa, as ferramentas para que sejam eles a decidir. Essa estratégia tem dado autonomia à equipa e mais tempo ao gestor que garante saber o nome de todos os que lá trabalham. “Há muitos abraços e muitos beijinhos, não há aquelas facadas nas costas. Esse veneno foi sendo drenado com o tempo”, descreve.

Mas também há momentos de tensão e exigência. “Às vezes estou com um cronómetro a olhar para eles, mas não é para os criticar… é para ver aquilo em que são menos bons”, afirma Hugo Barreto-Ramos. O desempenho global é avaliado constantemente, dado que é enviado um relatório diário aos sócios. E a cada quinzena existem reuniões das chefias para discutir números e propor desafios para criar dinâmica para o futuro.

100 Maneiras de lucrar

Questionado pelo ECO, a gestão não revela os números exatos de volume de negócios e dos lucros, mas dá algumas pistas. Uma equipa de 60 pessoas está a faturar um montante com vários zeros à direita. Quanto ao lucro, “posso dizer que foram seis dígitos bastante animadores”, confessa Hugo Barreto-Ramos referindo-se ao ano passado. “O 100 Maneiras sempre foi um case study desde que abriu”, considera o gestor, dado que têm margens superiores à média.

“Felizmente, temos batido alguns recordes”, assinala, revelando que comparativamente a 2015, no ano de 2016 tiveram “85 mil euros de poupança em compras”. Para lá chegar teve de ser cumprida uma regra de ouro de Hugo Barreto-Ramos. “Ninguém tira dinheiro da caixa”, diz, referindo que este é um “grande erro” que se vê na restauração tradicional. No 100 Maneiras utilizam-se fundos de maneio e outros mecanismo que permitem que haja um “controlo rigorosíssimo das entradas e saídas de dinheiro”. “Este controle diário colocou-nos num patamar financeiro bastante confortável, tanto que em 2016, quando fechámos as contas, no final abrimos uma garrafa de champanhe“, revela.

Parte deste sucesso está também na capacidade de atrair turistas, uma população que cresceu e ainda está a crescer em Lisboa. “100 Maneiras é definitivamente turístico, 90% são turistas”, estima o gestor, assinalando que no Bistro essa percentagem desce para os 60%. Neste momento o ticket médio dos restaurantes é 58 euros, sem IVA, mas há variações. “No mês passado tivemos um ticket médio de 100 euros sem IVA, o que reflete que tivemos um público com maior disponibilidade para este tipo de gastos”, recorda.

O custo médio de cada prato é de 25% do preço final, uma margem que permite ter flexibilidade para comportar produtos bastante mais caros. “Não permito que os custos sejam acima dos 30% porque depois tenho de associar tudo o resto”, ou seja, o facto de estarem no centro de Lisboa, despesas com pessoal, entre outros fatores. Hugo Barreto-Ramos admite que têm um ticket mais elevado face à média, mas garante que “a qualidade acompanha os preços que pratica”.

Além disso, o gestor orgulha-se de pagar acima da média à sua equipa e de cumprir os prazos de pagamento aos fornecedores. “Temos orgulho em pagar em 30 dias, o que não é normal na restauração hoje em dia”, diz ao ECO, revelando que isso permite negociar descontos comerciais dada a confiança existente. E quanto aos funcionários? “Pagamos acima da média e eles sabem perfeitamente que sempre que atingimos um certo nível de faturação uma pequena percentagem é-lhes dada”. 2017 foi também o ano de uma “grande decisão”, nas palavras de Nuno Faria, um dos sócios do grupo. “Conseguimos dar duas folgas juntas a todas as pessoas”, o que pesa financeiramente, admite, mas compensa pela satisfação da equipa.

O novo restaurante

Os números estão a permitir um 2017 mais “desafogado”, tanto que decidiram colocar em prática uma vontade antiga: abrir um novo 100 Maneiras com a mesma lógica, mas num espaço maior. Hugo Barreto-Ramos foi responsável por desenvolver a parte do negócio e financeira. “Contemplo sempre os vários cenários projetados e mesmo o mau é bastante aceitável”, diz sobre o novo espaço que vem a caminho. Ainda assim, é preciso financiar o projeto no início. Apesar de terem capacidade interna, o grupo optou por um financiamento na banca “por uma mera questão de tesouraria”.

O dinheiro já entrou no terreno com as obras dos últimos meses. Um dos sócios do grupo, Nuno Faria, mostrou ao ECO o novo espaço que está em construção. “Sentimos que este espaço [o 100 Maneiras do Bairro Alto] poderia em breve tornar-se obsoleto”, admite, uma sensação que se intensificou com as elevadas expectativas dos clientes face ao prémio de melhor restaurante do mundo para a Monocle. “Vamos ter o Ferrari das cozinhas”, classifica Hugo Barreto-Ramos, o que contrastará com a atual cozinha pequena que não dá “tanta pica ao chef“, reconhece Nuno Faria.

A cozinha do 100 Maneiras, no Bairro Alto, é pequena. De lá têm de sair nove pratos para, em média, 50 refeições diárias.PAULA NUNES / ECO

A surpresa é a aposta do grupo para o novo espaço, ainda que o conceito seja semelhante. Uma das apostas diferenciadoras estará no vinho, que é da responsabilidade de Nuno Faria. “Neste restaurante queremos ter produtos de exceção: colheitas antigas, castas quase desaparecidas, algo que não seja acessível à maioria dos restaurantes”, antecipa, referindo que o mercado português ainda está muito jovem, dado que não tem capacidade financeira para guardar os vinhos e consumi-los com um grau de maturação superior. “A mim excita-me saber que vou experimentar alguma coisa que é única“.

Até o Qatar quer o 100 Maneiras

A exposição pública tem suscitado o interesse de vários grupos na marca 100 Maneiras. Contudo, os sócios têm fechado as portas a novos investidores. “O dinheiro é importante, mas nenhuma das nossas ambições passa por ser rico”, afirma Nuno Faria, assinalando que “quando a parte financeira se sobrepõe, os espaços vão ficando descaracterizados”. É isso que considera que aconteceria ao 100 Maneiras e que está a acontecer a alguns restaurantes em Portugal.

“Não sei até que ponto a liberdade dos chefs e das pessoas envolvidas na operação fica condicionada em função dos interesses financeiros”, confessa. A mesma ideia é explicada por Hugo Barreto-Rasmos. “Já tivemos muitas propostas, mesmo vindas do Qatar, e não quisemos porque isso iria desvirtuar a nossa filosofia e o conceito que é o 100 Maneiras”. Esse interesse em concreto está relacionado com o passado do gestor: depois de se formar em Portugal, rumou a Espanha onde foi apadrinhado pela segunda família mais importante do Qatar, tendo trabalhado na Qatar Hospitality, que é uma das maiores empresas de investimento e consultadoria hoteleira.

Nuno Faria, um dos sócios do grupo, rejeita perder o controlo criativo do negócio.PAULA NUNES / ECO

Mas não se engane: a filosofia é manter a essência, mas também ter lucro. “Não podemos criar um conceito para perder dinheiro”, reconhece Nuno Faria. Contudo, o sócio do 100 Maneiras diz que atualmente com os dois restaurantes já sente a falta de presença: “Não nos conseguimos multiplicar”. Resumindo e baralhando, “gostamos de ser diferentes e ter controlo sobre o nosso negócio”, garante.

E o dinheiro não está assim tão afastado das mentes dos sócios, principalmente por influência de Hugo Barreto-Ramos: “Consegui fazê-los entender o que é um ativo e um passivo à minha maneira”. E qual é essa maneira? “Considero que um ativo é tudo o que nos põe dinheiro no bolso e um passivo é tudo o que nos tira dinheiro do bolso. Por muito que um produto seja um ativo, se nos estiver a tirar dinheiro do bolso considero que isso é prejudicial”. O gestor diz ser o mais conservador do grupo. Reconhece que o grupo nasceu pelo risco, mas agora prefere ter “riscos controlados”. “Não corremos um risco que nos possa pôr em causa“.

O plano B

Nem só de vitórias se fez o projeto 100 Maneiras. Ainda em Cascais, em 2008, o restaurante do chef foi à falência, arrastado pela crise mas também pelos erros de negócio. “2008 foi um misto”, descreve Hugo Barreto-Ramos, que nessa altura não estava na empresa. “Foi algo com que ninguém estava a contar”, admite, referindo que hoje estariam mais preparados para amparar uma crise económica.

Estamos a estudar outros negócios fora da restauração, o que vai tornar o grupo bastante sólido.

Hugo Barreto-Ramos

Diretor-geral do 100 Maneiras

O gestor prevê isso mesmo: “Como entusiasta de economia, prevejo que haja uma bolha”. Mas, passados dez anos, garante que o grupo já está capaz de amortecer o impacto. A almofada financeira ainda não cobre um ano inteiro, mas já permite ao grupo estar seguro durante meses. “Estamos a desenvolver outros projetos que nos permitem levar socos na restauração e manter a empresa”, explica, revelando a abertura de novos projetos em breve. Ainda que estes tardem um pouco por causa da burocracia, queixa-se.

No terreno estão já algumas parcerias como a do vinho, sal e facas, por exemplo, mas também os produtos de mercearia da marca 100 Maneiras. Recentemente, a parte da consultoria empresarial tem evoluído para lá da restauração ou alojamento, um projeto que envolve também o chef — o lado da gestão que foi mostrando ao longo dos episódios de Pesadelo na Cozinha. Mas haverá mais. “Estamos a estudar outros negócios fora da restauração, o que vai tornar o grupo bastante sólido”, revela ao ECO, dada a diversificação das fontes de rendimento.

O prémio da Monocle

Sempre se sentiram à margem, confessa Nuno Faria, por acharem que os restaurantes não têm de ser todos iguais. “O Bistro nunca foi pensado para ter uma estrela Michelin”, mas acabou por vencer o prémio de melhor restaurante do mundo para a Monocle, uma das principais revistas de lifestyle do mundo.

O Bistro nunca foi pensado para ter uma estrela Michelin.

Nuno Faria

Sócio do 100 Maneiras

“Sempre sentimos que estávamos a correr à parte e quando às vezes no teu próprio país não te dão o valor que achas que mereces e depois vem alguém como a Monocle e te considera o melhor do mundo — o que é sempre discutível, tem sempre os seus critérios — nós próprios ficamos surpreendidos”, admite o sócio. A normalidade do dia-a-dia não lhes permite ver o restaurante por fora. Afinal, estão ali há oito anos. Mas a exigência aumentou com o prémio. “Depois do prémio sentimos que tínhamos de melhorar porque a exigência de quem entrava lá ia ser muito mais elevada por causa das expectativas… para os clientes vão jantar no melhor restaurante do mundo”.

Apesar de terem uma clientela maioritariamente estrangeira, o prémio trouxe-lhes visibilidade na imprensa nacional. A par da visibilidade do chef na televisão, aos domingos à noite, o efeito foi a vinda de cada vez mais portugueses. Há até quem ligue para o restaurante a perguntar por Ljubomir. “Ficaram curiosos”, afirma Nuno Faria, realçando que o Bistro é feito dos “clientes da casa”. “Temos pessoas que vivem aquilo como se fosse a casa deles e que vibraram mais com o prémio do que nós…”

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