Porque sobem os juros (e os spreads) de Portugal?

Mesmo num contexto de uma política monetária extremamente agressiva, os juros subiram. O que explica este aumento em 2016 é o enorme desconforto dos investidores face às escolhas do atual governo.

Há duas semanas escrevi no ECO que as emissões de dívida pública de 2016 teriam custado menos 200 milhões de euros em juros anuais (e menos 1.800 milhões ao longo da maturidade dessas emissões) se Portugal tivesse em 2016 mantido as condições de taxas de juro que teve durante a primavera/verão de 2015. Isto porque Portugal chegou a ter juros a 10 anos em torno de 1,5% (estão agora nos 4,2%) e chegou a ter spreads face à Alemanha de 150-170 basis points (estão agora a rondar os 400 bp). Ou seja, no espaço de pouco mais de um ano, a taxa de juro e os spreads face à Alemanha quase triplicaram!

Houve quem contra-argumentasse que os juros de Portugal tinham subido porque os juros de todos os países da zona Euro subiram. Ora, isso como explicação é falso, por 3 motivos:

  1. As taxas de juro da zona euro só começaram a subir em outubro/novembro de 2016, fruto de uma maior instabilidade (política monetária da Reserva Federal Americana, eleição de Trump, dúvidas sobre a continuidade do QE do BCE, etc.). Ora, as taxas de juro de Portugal começaram a subir no final de 2015, quase um ano antes de o mercado agravar as suas condições. Logo, não pode ser o mercado a explicar grande parte do triplicar do custo da dívida pública portuguesa.
  2. Portugal não viu apenas a sua taxa de juro subir, mas também o spread, isto é, as taxas de juro subiram não apenas por causa do efeito mercado, mas devido a um maior risco do país (já iremos a esse ponto com mais detalhe). Se Portugal tivesse mantido o spread face à Alemanha, que taxa de juro a 10 anos teria neste momento? Considerando um spread de 170 bp, tendo a Alemanha neste momento yields a 10 anos de 04,%, Portugal teria uma taxa de 2,1%-2,2%. Note-se que Espanha tem neste momento 1,7%. Portugal tem 4,2%.
    Daqui resulta que do agravamento de 1,5% para 4,2% (um agravamento de 270 bp), o mercado justifica 70 bp e o fator risco do país justifica 200 bp. Mais 2% de juros por conta dos fatores internos. Como a emissão de dívida em 2016 rondou os 12 mil milhões, este agravamento custa os tais 200 a 250 M€/ano que o meu artigo referia.
  3. Finalmente, durante o ano de 2015, embora já se fizesse sentir o efeito da política monetária do BCE, houve fatores internos na União Europeia bem mais graves do que aqueles que aconteceram em 2016. Nomeadamente a enorme instabilidade entre janeiro e setembro (culminando num referendo) que se viveu na Grécia, após a vitória do Syriza. E no entanto, em 2015, a dívida pública Portuguesa teve taxas de juro sempre abaixo dos 3%.

Quando olhamos para o período entre 2011 e 2015, e o comparamos com 2016, o que vemos: O spread face à Alemanha, que no início do programa da Troika era de 8% chegou a um mínimo de 1,5%-1,7% (quatro vezes menos!). Face a Espanha passou de um spread de 5,5% para um mínimo de 1% (cinco vezes menos!). Entretanto em 2016, como atrás referi, o spread face à Alemanha e a Espanha triplicou. Ou seja, em um ano destruiu-se quase tudo o que levou quatro anos para reduzir. Destruir é rápido, construir leva muito tempo!

Mas porque se agravou o spread de Portugal? Mesmo num contexto de uma política monetária extremamente agressiva, como nunca se viu (e se calhar nunca mais se verá), em que vários países da zona Euro tiveram taxas juro negativas em maturidade longas durante vários meses? Não foi o efeito mercado, como já vimos atrás. Esse só explica uma pequena parte do aumento das taxas de juro, e apenas a partir de outubro-novembro.

O que explica o aumento do spread, ou seja, o aumento da perceção de risco de Portugal por parte dos investidores, são fatores internos, nomeadamente três fatores:

  1. Um crescimento económico que desde 2001 é anualmente sempre inferior a 2% (em termos reais), e num país que teve 4 recessões desde então (2002-2003; 2005; 2008-2009; 2011-2013). Nos últimos 15 anos, 7 anos de recessão e 8 de crescimento reduzido. Em termos reais o PIB de 2001 (base 2010) era de 170 mil milhões e o PIB de 2016 foi de 175 mil milhões de euros. 15 anos, crescimento zero! E irá continuar assim, a economia portuguesa vai continuar a crescer abaixo dos 2% ano durante muito tempo, porque não é competitiva, está altamente endividada e não tem investimento produtivo e não se tem feito nada neste ultimo ano e meio (pelo contrário) para atrair investimento estrangeiro.
  2. Porque a dívida pública representa 130% do PIB, um valor que a torna extremamente vulnerável a qualquer instabilidade nos mercados financeiros.
  3. Porque o sistema financeiro nacional está ainda numa situação crítica, com margens de negócios reduzidas, endividamento e crédito mal parado (NPL) elevado e necessidade de reestruturação.

Poderá dizer-se que nada disto é responsabilidade da Geringonça (embora muito disto têm uma forte responsabilidade do PS, que entre 2000 e 2016, em 15 anos, governou 10). Só que a sede de poder que conduziu à formação da Geringonça agravou tudo isto, ao reverter a política de recuperação encetada nos últimos anos.

O que explica grande parte do agravamento dos juros e spreads em 2016 e início de 2017 não são os fatores externos. Mas também não são os desequilíbrios internos (porque eles já existiam em 2014-2015).

O que explica este aumento em 2016 é o enorme desconforto dos investidores face às escolhas do atual governo, que ao coligar-se com a extrema-esquerda, teve de: não ter qualquer política reformista ou modernizadora; ficar refém das exigências da extrema-esquerda relativamente aos transportes urbanos e administração pública; reverter as medidas tomadas nos anos anteriores e, finalmente, ter uma política orçamental ilusória (conforme referi aqui.

A forma como o governo reagiu ao anúncio na sexta-feira de que a Fitch manteria o rating de Portugal em “lixo”, diz muito sobre o estado em que estamos. Não é uma boa notícia, a menos que estivéssemos à espera de um downgrade para uma posição ainda pior. Não estávamos pois não? Ainda para mais, a Fitch esteve quase a subir para notação de investimento, no verão de 2015. O que é mais uma prova de como estávamos no bom caminho e nos desviámos.

Ter a Fitch a pôr Portugal outra vez com a classificação de investimento é crucial para o país. É isso que permite a um conjunto muito alargado de investidores (fundos de pensões e de investimento por exemplo) comprar dívida pública portuguesa, numa óptica de médio e longo prazo. Isto devia ser uma grande prioridade nacional. E não as reversões e outras medidas de curto-prazo para ganhar votos.

Ora, os mercados e os investidores não dormem nem são parvos. Eles percebem bem que estamos apenas a empurrar os problemas com a barriga, para assegurar a sobrevivência política deste governo. Por os interesses pessoais e partidários acima dos interesses nacionais.

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