Mãos ao ar! Isto é um negócio em nome do “interesse nacional”!

Por regra, invoca-se o “interesse nacional” para justificar investimentos sem racionalidade ou com perdas quase garantidas. É o que está a acontecer quando se empurra a Santa Casa para o Montepio.

Já ouvi várias vezes a Daniel Bessa esta frase: “quando as empresas querem justificar investimentos que não têm racionalidade dizem que se trata de investimentos estratégicos”.

É assim, de facto, nos privados. Quando entramos no perímetro do Estado, o tique é invocar-se o “interesse nacional” para justificar medidas ou investimentos onde se verifica uma de duas coisas (ou ambas, quando a coisa é mesmo má): falta de sustentação à luz de qualquer racionalidade que possa ser medida; ou um risco tão elevado que enormes perdas estão quase garantidas.

Ora, como o “interesse nacional” é suposto não ter preço, a sua invocação dispensa os seus alegados defensores dessa coisa aborrecida que é fazer contas que tenham sentido.

É precisamente isto que está a acontecer com a pressão para a entrada da Santa Casa da Misericórdia no capital do Montepio Geral, o que só nos pode deixar muito preocupados. E mais preocupados ainda ficamos quando essa pressão vem do governo e do Banco de Portugal, conforme nos contou o “Expresso” da semana passada.

É sabido que o Montepio Geral (MG) precisa de reforçar os seus capitais. Nada, aliás, que não tenha acontecido a outros bancos portugueses, a começar pela pública Caixa Geral de Depósitos. E também é do conhecimento público que o accionista do MG, a Associação Mutualista com o mesmo nome, também tem problemas financeiros com que se entreter e não dispõe de recursos para aumentar o capital do seu banco.
Portanto, a saída lógica é mesmo essa, tentar ir encontrar capital a outros potenciais accionistas.

Até aqui estão todos a pensar bem: os gestores do universo MG, o supervisor bancário que tem que zelar pela estabilidade do sistema financeiro e o governo, que é também o supervisor da Associação Mutualista, dona do MG.

E estas coisas, quando ocorrem de acordo com as regras de mercado, costumam funcionar assim: avalia-se a instituição em função das suas contas e perspectivas futuras de negócio e de lucros, estabelece-se um preço para as parcelas de capital a vender e atraem-se compradores, que podem ser instituicionais – outros bancos, seguradoras, fundos de investimento, grupos empresariais – ou particulares – pessoas que decidem comprar acções.

E partindo do princípio que para os institucionais não se trata de um “investimento estratégico” daqueles a que se refere Daniel Bessa, tanto estes como os particulares avaliam o negócio pela relação risco/rentabilidade potencial. Para maior risco, exigem uma rentabilidade potencial superior (sendo que as perdas, a ocorrer, também podem ser superiores, e daí o risco mais elevado). Quando o risco é menor, as exigências de retorno também são mais baixas.

Ora se estão todos a pensar bem na opção de ir buscar accionistas com dinheiro, mas recusam os procedimentos habituais do mercado e preferem resolver as coisas no remanso de gabinetes, mesmo contra a vontade inicial declarada da Santa Casa da Misericórdia – Pedro Santana Lopes já escreveu que “não tem intenção rigorosamente nenhuma em relação ao Montepio” – então é porque alguma coisa se passa.

E essa coisa só pode ser uma: os termos do negócio que estão a ser propostos não são suficientemente atractivos para quem o analise com racionalidade pelo seu potencial e pela perspectiva de remuneração do investimento. Daí a tentativa pela solução de secretaria. Em nome do “interesse nacional”, obviamente, a tal coisa que nunca ninguém consegue avaliar razoavalmente.

Não faço ideia se Santana Lopes vai deixar-se seduzir por esta missão que, dizem-lhe, é bem capaz de salvar o país. Uma boa maneira que o presidente da Santa Casa tem para chegar a uma conclusão é responder a esta pergunta simples: porque é que o negócio há-de ser bom para a instituição, que não tem experiência ou vocação para a actividade bancária, se aparentemente não é bom para mais ninguém?
Pois, provavelmente também não será bom para a Santa Casa. E, não sendo bom para a Santa Casa, corremos o sério risco de sair disto com dois grandes problemas em vez de apenas um.

Tem sido essa a regra dos negócios feitos ou pressionados pelo Estado em nome do “interesse nacional”. O balanço da Caixa Geral de Depósitos, por exemplo, ainda tem por lá bastantes, que nos estão a sair caros. As trapalhadas brasileiras da PT tinham o “interesse nacional” como argumento, recordam-se? E os resgates dos bancos foram feitos, também eles, sempre em defesa do “interesse nacional”.

Já vai sendo tempo de salvar o país e os portugueses das garras desse maldito “interesse nacional” que só nos traz problemas e novas contas para pagar.

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