A política e a ópera – variações sobre o Plano de Estabilidade

A política está perto dos espetáculos encenados. O que nos é mostrado tem intenções e visa despertar emoções. Há tenores, barítonos, jogos de luz e som, movimentações cénicas planeadas ao milímetro.

O Plano de Estabilidade (PE) a enviar para Bruxelas, é o pano de fundo da possível aceleração da conflitualidade política na geringonça e um problema real para a oposição. E prenuncia o começo de uma provável tensão entre António Costa e Mário Centeno, a qual tem causas, pretextos, condições e pode ter consequências.

Em primeiro lugar a geringonça.

O PE é o equivalente em 2018 ao que em 2011 Passos Coelho não disse (O Governo iria para além da troika), mas se lhe colou à pele. O Governo quer que o défice este ano seja apenas 0,7% do PIB, em vez de 1,1%, que Bruxelas aceitaria e estava aliás contemplado no Orçamento de Estado aprovado há meses.

Maior provocação ao BE e ao PCP seria difícil de fazer; e Centeno desdobrou-se em declarações para que nenhuma dúvida sobrasse.

Mas, olhando mais de perto, pode não ser assim: 0,7% é o resultado de uma taxa de crescimento de 2,3% no PIB (uma décima mais do que estava previsto no Orçamento), da redução do desemprego para 7,6% (maior do que se previa no Orçamento), de mais um aumento da receita fiscal sem redução da despesa pública. Como se escreve aliás no PE, 0,7% do défice será o “resultado de uma melhoria conjugada do crescimento económico e do emprego”.

Ou seja, alcançar 0,7% depende de fatores que o Governo não controla e que para os próximos 8 meses pouco ou nada pode influenciar. Se algo correr mal, o Governo pode sempre dizer que não teve culpa…

Para isso vale pena ir ver os gráficos que estão na página 6 do PE para se ficar sem dúvidas: esta é uma previsão otimista para 8 meses a enviar a Bruxelas e serve para diminuir a pressão do PCP e do BE para o aumento da despesa pública. É isso tudo, mas também não é a última Coca-Cola do deserto…

E essa previsão (como bem lembrou João Vieira Pereira, no Expresso de sábado) está inserida noutras previsões preocupantes para os anos até 2022: receitas conjunturais sonhadas para suportar despesas estruturais reais e em aumento.

O Governo fingiu que era Hernan Cortés no Novo Mundo, e que queimava em Abril os barcos para acabar com isso as discussões sobre regressar ao sítio de onde vieram.

Mas realmente o PE não queima os barcos. Pode não se cumprir e tudo pode mudar para 2019, ano eleitoral….

Em segundo lugar a oposição.

A oposição que deve fazer? A resposta parece óbvia: dizer que a redução do défice para 0,7% não chega. E lembrar o que o PE aponta ao futuro.

E o que se ouve? Do lado CDS pouco ou nada chega aos media (há aqui um real problema de comunicação, não tenho dúvida nenhuma), mas a seu crédito tem forçar uma votação em que a geringonça pode com a abstenção deixar mais frágil o Governo. O PSD ouve-se mais. Mas ambos dizem oficialmente a mesma coisa. E nada se ouve a dizer que o défice devia ser menor ainda.

Para a oposição 0,7% de défice é bom. Mas exigem isso com redução de impostos, benefícios fiscais para o interior e aumento do investimento público sobretudo na saúde. E para isso ser viável querem redução da máquina do Estado, a tão falada Reforma do Estado, que o governo PSD/CDS prometeu, mas não fez até onde poderia ter feito.

Em resumo, a oposição de direita quer um milagre como política económica ou que a esquerda tenha a sua estrada de Damasco dentro de dias; não vejo outra explicação.

Seja como for, como atacar pela direita o Governo? É que ele promete superavit para 2020 (e se tudo correr bem isso pode mesmo ser em 2019 – ano eleitoral – visto que o PE prevê apenas 0,2% de défice) e até enfrenta os seus aliados da esquerda…

Não me interpretem mal. Eu acho que aquilo que a oposição de direita propõe faz sentido. Mas sem mudar o paradigma do Estado e sem cortar a sério nas suas gorduras, o PS tem feito (com aumentos de impostos a ajudar, é certo) o que pode fazer, atento o facto de ser um partido de esquerda e querer ganhar as eleições no próximo ano.

Por isso é inconcebível que Rio passasse de rigoroso contabilista a excitado populista, exigindo aumentos na função pública com o argumento extremista (por essa Europa fora é usado pela extrema-direita e pela extrema-esquerda) de que se há dinheiro para salvar bancos tem de haver dinheiro para tudo.

Em terceiro lugar a relação entre Costa e Centeno

A política está perto da ópera e dos espetáculos encenados. O que nos é mostrado tem intenções e visa despertar emoções. Há tenores, barítonos, baixos e sopranos, jogos de luz e som, cenários, movimentações cénicas planeadas ao milímetro. E cada ator tem o seu papel a desempenhar.

Centeno tem de falar para fora de Portugal, e a Geringonça é a última das suas preocupações. Costa tem de falar para o País e a Geringonça é apenas a sua segunda preocupação.

Por isso não devemos levar muito a sério as aparentes contradições, com o Ministro das Finanças a dizer e repetir que para 2019 não vai subir os vencimentos dos funcionários públicos e Costa a dizer que ainda é cedo para falar disso.

É cedo para Costa. Mas Centeno é o “mau da fita” ou o solista baixo da ópera para a Geringonça e o “sedutor” ou o barítono para a Europa. Esse é o papel que está distribuído a Centeno.

Mas quem decide a evolução do enredo é António Costa. Se for necessário ao espetáculo, o barítono morre antes do final. E Centeno nem se importa, porque antes das eleições de 2019 estará a chegar a Bruxelas para ser vice-presidente da Comissão Europeia. No fundo até se suicidaria por esta vida melhor…

Por isso, o Primeiro-Ministro, quando for negociar com os seus parceiros o Orçamento de 2019, pode ceder se achar que antecipar eleições é mau para ele, ou não ceder nada se isso for mau para o PCP e sobretudo o BE.

E para ajudar ao espetáculo desta vez o tenor (Marcelo Rebelo de Sousa) deu uma ajuda: avisou que se o Orçamento não passar, ele antecipa as eleições, o que seguramente o PSD não quer…

O cantinho das tontices

Mais uma vez se diz que há políticos a pecar.

E desta vez o grupo inclui o real nº2 do PS, Carlos César. Manchete do Expresso no sábado, que hoje afirma na sua edição online que César “não esclarece o que importa: fala muito sobre o subsídio que recebe legalmente da Assembleia da República para se deslocar aos Açores, mas nada diz sobre o facto de, depois, pedir ao Estado o reembolso de viagens que nunca pagou do seu bolso, aproveitando-se do subsídio de mobilidade de que beneficiam os cidadãos das ilhas”.

Se for verdade, há que ir buscar Feliciano Barreiras Duarte ao inferno onde estiver, e mandar para lá Carlos César. Mas, como nenhuma imprensa pegou nisto, deve ser tudo falso, uma tontice do Expresso. Não é admissível que um político com estas responsabilidades peça ao Estado “o reembolso de viagens que nunca pagou do seu bolso”! É que se fosse verdade, o tema seria tão sério que ele já se tinha seguramente demitido.

Mas o facto de um deputado do BE ter renunciado ao mandato, talvez permita concluir que a tontice é afinal de Carlos César…

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