A espuma (noticiosa) dos dias

A "espuma dos dias", os temas que entram na atenção mediática por uns dias e, depois, desaparecem. Às vezes, justificavam uma atenção mais prolongada, outras não mereciam um décimo da atenção.

Desde outubro de 2016 que escrevo semanalmente no ECO. Quem tem tido a paciência de ir lendo os artigos que escrevi sabe que foquei-me maioritariamente naquilo em que fui desenvolvendo a minha carreira académica e profissional: Economia, com um enfoque em Finanças Públicas, Fiscalidade e PPPs. De facto, foram 80 artigos no ECO.

Pelas minhas contas, as Finanças Públicas e a Fiscalidade ocuparam mais de 50 artigos. Também escrevi por quatro vezes sobre PPPs e duas vezes acerca do novo aeroporto de Lisboa. Escrevi algumas vezes sobre crescimento económico e sobre a política monetária do BCE e os juros. Muito ocasionalmente, saí deste registo. Falei uma vez sobre os fogos numa vertente económica (após o fim de semana de Pedrógão Grande), falei sobre o Montepio duas vezes e sobre a Raríssimas. Ainda mais esporádico, falei de política internacional e europeia, num contexto económico, acerca de comércio livre e de federalismo económico. Três vezes dei uma nota pessoal ao artigo: quando o Presidente Cavaco Silva apresentou o seu primeiro volume de memórias, quando falei do congresso e do trabalho desenvolvido pela PCS e quando falei da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Assim, tomei uma decisão em conjunto com o António Costa [Publisher do ECO], e passarei a escrever quinzenalmente. Não é uma regra rígida, ou seja, tenho a liberdade de escrever semanalmente quando acharmos oportuno.

Em muitos dos meus artigos, procurei que fossem de reflexão, em temas que não decorressem das notícias ou dos eventos da semana anterior (como publico à segunda, por norma escrevo ao fim de semana). Temas de reflexão acerca da necessidade de um consenso orçamental em torno de uma consolidação orçamental estrutural e de uma rápida redução da dívida pública. Da necessidade de reformar o Estado e reduzir a despesa pública, tornando-a mais eficiente, e protegendo o Estado Social. De como o “sucesso” económico e orçamental deste governo é ilusório, e como tudo cairá “tipo castelo de cartas” numa próxima recessão. Da necessidade de reformar o sistema fiscal para torna-lo mais competitivo (o que vai muito para além de reduzir impostos). Escrever quinzenalmente permitir-me-á continuar estas reflexões.

Mas este ano e meio aumentou a minha perceção acerca da “espuma dos dias”. Acerca de temas que entram na atenção mediática por uns dias e, depois, pura e simplesmente desaparecem. Alguns são importantes e mereciam uma atenção mais prolongada no tempo. Isto é, a atenção que tem durante uns dias é exagerada e o seu posterior desaparecimento é de lamentar. Outros, pura e simplesmente não merecem um décimo da atenção que geram, mesmo que por um ou dois dias.

Entre os temas que, no último ano e meio, foram falados durante alguns (poucos) dias e, depois, desapareceram da agenda mediática, mas que valia a pena voltar a eles, saliento:

  • O novo aeroporto de Lisboa: a decisão pelo Montijo está ou não tomada (numa lógica Portela + 1)? Em que estudos se baseou essa decisão? Esses estudos vão ser tornados públicos? Como será revista a concessão da ANA face ao novo aeroporto? Quando se prevê a abertura do aeroporto no Montijo? Que compensações foram atribuídas à Força Aérea e onde vai esta desempenhar as funções que atualmente se situam no Montijo? Que companhias aéreas vão para o Montijo?
  • Os “off-shores” e o apagão na Administração Tributária: lembram-se do escândalo? Havia milhares de milhões de euros que no anterior governo não tinham sido objeto de controlo e inspeção devido a um apagão informático. Serviu na altura para afastar a polémica em torno da Caixa Geral de Depósitos. Passado um ano, o que foi apurado, que consequências se retiraram?
  • Renegociação da dívida: lembram-se do manifesto dos 74 em 2014 e do relatório do PS e do Bloco em abril de 2017? Afinal, a nível Europeu não há qualquer discussão de reestruturação da dívida pública. Mas o relatório PS/Bloco tinha medidas concretas de negociação a nível Europeu, nomeadamente a extensão de maturidades dos empréstimos Europeus para 60 anos com uma taxa de juro de 1%. O relatório “ignorava” que os fundos europeus se financiavam, na altura, a um máximo de 35 anos, com uma taxa em torno de 1.6%-1.8%. Logo, qualquer empréstimo a 60 anos a 1% implicaria perdas a serem suportadas por todos os contribuintes Europeus. Mas dessa proposta, foi avançado algo a nível Europeu? Essa proposta foi apresentada? Já passou quase um ano, e o resultado é zero. Era para ser depois das eleições na Alemanha, mas nada. E mesmo a nível nacional, vemos que apenas aumentaram os dividendos do Banco de Portugal. O relatório falava numa alteração legislativa que alteraria os estatutos do Banco de Portugal. Essa proposta não existe. Tudo muito bonito, mas no final “a montanha pariu um rato”. Alguém ouviu mais falar em reestruturação da dívida pública?
  • Recorde-se como o país se indignou quando Dijsselbloem falou de “mulheres e copos”. O governo disse que ia pedir a sua demissão de Presidente do Eurogrupo. Não só o fez como nem sequer protestou na reunião seguinte do Eurogrupo (o secretário de Estado Mourinho Felix limitou-se no início da reunião a apertar a mão ao holandês e dizer-lhe que estavam muito tristes com ele).
    Recorde-se como o agora presidente do Eurogrupo faz alertas sobre a política orçamental de Portugal, como elogia os esforços orçamentais da Grécia e como Tsipras elogia os esforços que Portugal fez entre 2011 e 2014 para ter uma saída “limpa” do programa de ajustamento.
  • Raríssimas: A gestão desta IPSS escandalizou o país. Mas quantas mais IPSS não estão a ser investigadas? E relativamente ao setor, foram tomadas algumas medidas para melhorar o controlo dos dinheiros públicos e dos dinheiros de donativos? Ou continua tudo na mesma, à espera do próximo escândalo?
  • Fogos no verão passado: O relatório da comissão independente é arrasador para a atuação do governo. Note-se que a crítica ao governo não é de os fogos terem ocorrido. O que foi extremamente grave foi a morte, por incúria e más decisões, de mais de 100 pessoas. É isso que pesa na atuação do Estado e deste governo. Afinal, que medidas já foram efetivamente tomadas? E a obrigação de limpar as matas faz ou não sentido? Como está preparado o interior para o próximo verão? E os Khamov, já voam?
  • Infarmed: Pelos vistos vai para o Porto, só não se sabe quando, uma vez que tudo foi anunciado apenas para disfarçar a perda da corrida pela agência Europeia de medicamento.

Já outros temas não mereciam sequer uma nota de rodapé, quanto mais dias e dias de discussão, noticias e reportagens: o caso dos livros escolares da Porto Editora, lançado pelas “feministas” da “capazes”, tão bem ridicularizado pelo Ricardo Araújo Pereira. Ou as constantes e lamentáveis polémicas no futebol, de arbitragens a emails. Ou ainda os “bolos rei” da Padaria Portuguesa. Ou o jantar no Panteão. No final, fica a impressão que a “espuma dos dias” acaba por vencer.

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