A discriminação negativa da família

Em meio século, a população com menos de 20 anos de idade diminuiu para metade. Apesar disso, Portugal apenas dedica 1,5% do PIB às políticas da família.

De acordo com dados da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (da qual sou associado), nos últimos 30 anos o défice acumulado de nascimentos necessários ao equilíbrio populacional é já superior a 1,5 milhões de bebés.

Há muito que a taxa de fertilidade tem vindo a diminuir em Portugal. Em meio século, a população com menos de 20 anos de idade diminuiu para metade, enquanto a população com mais de 65 aumentou para o dobro.

O País está cada vez mais distante da renovação geracional – evidenciando apenas 1,3 filhos por mulher, muito aquém dos necessários 2,1 filhos por mulher a fim do equilíbrio. Estamos, também aqui, na cauda da Europa.

Não obstante, em Portugal apenas uma em cada vinte mulheres com 50 anos (ou mais) não tem filhos. O problema, e é isso que explica o paradoxo de termos tantas mulheres com descendência e ao mesmo tempo tão poucos filhos no seu conjunto, é que a maioria das famílias com descendência tem apenas 1 filho. A evidência aponta, portanto, para uma fertilidade desejada superior à fertilidade efectiva.

Uma economia cresce de duas formas: em número de pessoas e em ganhos de produtividade. A segunda não é possível sem a primeira porque para produzir, e para produzir com maior qualidade, é necessário que haja, em primeiro lugar, quem produza.

Um país que não invista nas suas pessoas é, assim, um país condenado a baixo crescimento. De acordo com o FMI, as políticas públicas de família na zona euro representam em média 2,5% do PIB. A Irlanda é quem mais investe na família (4% do PIB). Portugal está no extremo oposto: apenas dedica 1,5% do PIB ao assunto.

As políticas públicas nesta área assumem, por ordem crescente de grandeza, três formas: benefícios e despesas fiscais, provisão pública de serviços, e transferências sociais em “cash”.

Em Portugal, o Governo deu um golpe de morte no primeiro eixo de intervenção ao revogar o quociente familiar de IRS, peça fundamental do sistema francês e que tão bem (lá) tem funcionado.

O Governo pondera ainda a revisão em baixa dos limites às deduções das despesas com educação, em contrapartida do aumento do abono de família sujeito a condição de recursos.

Estas alterações afunilam o escopo da intervenção – reduzindo-a a uma lógica meramente assistencialista e insuficiente face ao desequilíbrio estrutural –, ao mesmo tempo que restringem a liberdade de escolha das famílias. Na prática, discriminando-as negativamente.

Num país onde até os direitos dos animais têm representação parlamentar mais eficaz, não se esperaria uma discriminação positiva das famílias. Mas também não seria necessário. Na realidade, bastaria que se não as discriminassem negativamente. Bastaria que o Estado não restringisse a decisão das famílias de ter (ou não ter) filhos.

Tratamento justo seria, pois, suficiente. Mas ao não o promover, o Estado retira às famílias a liberdade mais fundamental que um pai ou uma mãe pode proporcionar aos seus: a liberdade de poder prover o desenvolvimento e a educação dos seus. Investimento em capital humano, no qual os interessados são em primeiro lugar os próprios pais, e logo depois a economia e a sociedade.

São as famílias, não a República, que fazem e que têm filhos. Assim, que a República pense o contrário demonstra o quão perdida ela está.

Nota: Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.

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