Crise na economia “ainda pode afetar um banco saudável”. E vice-versa, alerta Adolfo Mesquita Nunes

Adolfo Mesquita Nunes é vice-presidente do CDS. O ex-secretário de Estado do Turismo diz que o trabalho da regulação ficou a meio. "Não se quebrou o elo entre um Estado e o seu sistema bancário".

Onde estava quando o Lehman Brothers faliu? Adolfo Mesquita Nunes estava longe de saber que teria uma participação política tão ativa. Era advogado na Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, integrando a equipa de Administrativo e Contratação Pública. “Tinha prestado provas de Mestrado na Faculdade de Direito há pouco tempo, com uma dissertação chamada ‘A Urgência no Contencioso Pré-Contratual’, e que combinava três temas de que sempre gostei muito: contratação pública, contencioso administrativo e dimensão temporal da administração da justiça”.

Tinha apenas 30 anos e no seu currículo político já tinha o cargo de adjunto da secretária de Estado da Segurança Social, Teresa Caeiro, e chefe de gabinete do ministro do Ambiente e Ordenamento do Território, Luís Nobre Guedes. Anos depois, faria parte da Comissão Eventual para Acompanhamento das Medidas do Programa de Assistência Financeira a Portugal e foi uma das vozes críticas, mesmo à direita, do Orçamento de Estado de 2013 de Vítor Gaspar.

E o que se aprendeu com a crise financeira? “Os países que melhor passaram pela crise foram os países que, durante os tempos de crescimento, nunca abandonaram a disciplina orçamental”, diz Mesquita Nunes, deixando no ar o recado que Portugal não faz parte dessa lista de países.

“Nem deixaram a responsabilidade no endividamento, o reforço da independência dos reguladores, e a separação clara entre os desejos dos políticos e a realidade económica e orçamental do país”, defendeu o também signatário da carta que o CDS/PP enviou à mesma troika, à data, pedindo flexibilidade no empréstimo concedido ao país.

Os países que melhor passaram pela crise foram os países que, durante os tempos de crescimento, nunca abandonaram a disciplina orçamental, a responsabilidade no endividamento, o reforço da independência dos reguladores, e a separação clara entre os desejos dos políticos e a realidade económica e orçamental do país

Adolfo Mesquita Nunes

Ex-secretário de Estado do Turismo, vice-presidente do CDS

O centrista defende ainda que um país que teve três intervenções externas em 40 anos “não pode viver na ilusão de que foi permanentemente vítima de fatores externos”. Portugal tem uma economia “que se mostra estruturalmente vulnerável, com evidentes problemas de crescimento e de competitividade, e um especial foco na despesa e no endividamento. Pensar que uma economia assim, débil, endividada, encostada ao Estado, sobrevive com facilidade a crises externas é uma ingenuidade e irresponsabilidade”, critica.

O trabalho da regulação ficou a meio caminho? Sim

Adolfo Mesquita Nunes defende que, “sendo uma atividade transnacional, a regulação nacional corre sempre o risco de ser ineficiente, de não funcionar adequadamente”. E aponta as falhas: “não temos ainda um sistema único de garantia de depósitos, assim como não temos um fundo único de resolução, o que nos faz ficar a meio caminho. Como consequência disso, não se quebrou ainda o elo entre um Estado e o seu sistema bancário”. O que, segundo o ex-secretário de Estado do Turismo, pode querer dizer que “uma crise localizada ainda pode provocar a crise num banco que está saudável, assim como problemas localizados num banco ainda podem provocar uma crise numa economia que está saudável”.

Não temos ainda um sistema único de garantia de depósitos, assim como não temos um fundo único de resolução, o que nos faz ficar a meio caminho

Adolfo Mesquita Nunes

Ex-secretário de Estado do Turismo, vice-presidente do CDS

Depois desta crise financeira mundial e nacional, o número dois do CDS/PP admite que com todo este cenário tornou-se evidente “a necessidade de mitigar a excessiva dependência que a economia tem do financiamento bancário”. E isso passa, como se notou em 2008 “e ainda não se resolveu, pela dinamização de um mercado de capitais robusto”.

E deixa a sugestão: “porque não, por exemplo, aproveitar o ecossistema empreendedor que já cá temos e, com ele, passar para uma segunda fase na vida das startups através do mercado de capitais e pela melhoria significativa dos modelos de risco dos bancos?”.

A 11 de setembro de 2008, a quatro dias da queda do Lehman Brothers, a imprensa nacional continuava a não dar destaque ao que se passava no setor financeiro norte-americano, apesar de, por esta altura, o banco que veio a falir já ter reportado prejuízos de quase quatro mil milhões de dólares em apenas um trimestre. Para além disso, o Lehman já se colocava oficialmente, à venda, numa tentativa de evitar a falência, enquanto as ações tombavam mais de 40% em bolsa.

Apesar de a palavra “Lehman” ainda não marcar presença nas capas dos jornais portugueses, a recessão global já era evidente. “A economia da eurolândia vai ter este ano um crescimento muito inferior ao previsto em abril e está a um triz de uma recessão devido à crise dos mercados financeiros e à alta dos preços do petróleo”, escrevia o Público. “Alemanha e Espanha vão mergulhar este ano numa recessão técnica, prevê Bruxelas”, destacava o Diário de Notícias. Também o Jornal de Negócios trazia à capa a situação da Europa: “Estamos mais próximos do fundo”, dizia em entrevista a este jornal Oliver Adler, responsável do UBS.

Na área financeira, duas notícias, também do Jornal de Negócios, faziam antever o que aí vinha. “Bolsas: incerteza vai durar até ao final do ano”, escrevia o jornal sobre a instabilidade nos mercados. E um destaque para a Sociedade Lusa de Negócios, holding que detinha o BPN: “Venda de ativos garante a [Miguel] Cadilhe mais de 250 milhões de euros”.

E por falar nas práticas de governação referidas por Carlos Tavares: “80% das empresas públicas omite informação obrigatória” era a notícia que fazia manchete no Negócios, que apontava que “só 24 empresas” tinham “orientações de gestão definidas”.

A história do Lehman Brothers está pejada de operações de fusão e aquisição. Em 1975, comprou a Abraham & Co. e, em 1977, fundiu-se com o banco de investimento Kuhn Loeb & Co, dando origem ao Lehman Brothers Kuhn Loeb Inc. Em 1984, o banco foi comprado pela Shearson/American Express. A empresa pagou 360 milhões de dólares por aquele que era considerado, na altura, “um dos mais antigos e mais poderosos bancos de investimento de Wall Street”, como se lia numa manchete do The New York Times dessa data. Do negócio resultou uma empresa nova: a Shearson Lehman/American Express, preservando o nome Lehman, que já somava 134 anos.

Em 1988, fundiu-se com a companhia de corretagem E.F. Hutton & Co. num negócio de mil milhões de dólares, mudando de nome para Shearson Lehman Hutton Inc. Em 1994, a American Express fez o spin off do Lehman Brothers, com a empresa a retomar o nome original.

Foi há 10 anos que o Lehman Brothers colapsou. O dia 15 de setembro marca simbolicamente o início da maior crise financeira dos últimos 80 anos. ‘Onde estava quando o Lehman faliu?’ é uma rubrica diária, de 1 a 15 de setembro, onde empresários, banqueiros, políticos, economistas e advogados dizem ao ECO como viveram a queda do banco e o que aprendemos com a crise.

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