UTAO aponta para défice de 1,3% no ano passado, sem ajudas extraordinárias

  • Margarida Peixoto
  • 5 Fevereiro 2018

Os peritos do Parlamento já passaram à lupa os números divulgados pela DGO para o défice de 2017. Sem contar com medidas extraordinárias e efeitos pontuais, défice deve ter sido de 1,3%.

Sem contar com efeitos pontuais ou medidas extraordinárias, o défice orçamental de 2017 deverá ter sido de 1,3% do PIB. A conclusão resulta da análise que a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), os peritos em contas do Parlamento, fez aos números da execução orçamental do ano passado, numa nota distribuída esta segunda-feira aos deputados e a que o ECO teve acesso. Os especialistas não se comprometem, mas os dados parecem compatíveis com os 1,2% para o défice de 2017, já anunciados pelo primeiro-ministro, António Costa.

Olhando para a execução orçamental de janeiro a dezembro já revelada pela Direção-geral do Orçamento, a UTAO conclui que os números saíram melhores do que o inscrito no Orçamento do Estado para 2017, mas não só: ficaram também melhores do que a estimativa mais recente que tinha sido apresentada pelo ministro das Finanças, a outubro do ano passado, no âmbito do Orçamento do Estado para 2018.

O raciocínio para chegar ao valor que importa em termos de metas políticas assumidas pelo Executivo (que são fixadas em contabilidade nacional, na ótica de compromisso) é complexo e ainda não se pode fazer com certezas absolutas — falta informação “que ainda não se encontra disponível”, explicam os peritos. Mas já é possível ter uma aproximação mais ou menos segura.

A UTAO começa por comparar os resultados de caixa — que servem de base para a ótica de compromisso — e aqui conclui que, após ajustamentos para que os dados sejam comparáveis, “o valor obtido aponta para um défice em torno do limite definido para o objetivo anual de 2017 no âmbito do OE2018″. Sem os ajustamentos, o valor também já era próximo: a diferença são 100 milhões de euros pior do que a estimativa de outubro, conforme explicou já o ECO.

Já “comparado com o OE2017, o défice atingido em 2017 em contabilidade pública revela-se substancialmente mais reduzido que o previsto, com um diferencial de cerca de 1.900 milhões de euros“, completa a UTAO.

E os números que importam para comparar com a meta política?

Nas metas que importam em termos políticos — as que contam para a Comissão Europeia e para o Parlamento português — como é que o défice ficou? A UTAO não responde diretamente, mas deixa pistas.

Numa primeira aproximação à ótica da contabilidade nacional, a estimativa elaborada pela UTAO aponta para um défice de 2.481 milhões de euros em 2017, o qual representa uma melhoria de 1.766 milhões face a 2016“, lê-se na nota enviada aos deputados da Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças. Em rodapé, os peritos adiantam que este valor está ajustado de operações one-off, isto é, de natureza temporária e não recorrente.

Ora, assumindo que o PIB nominal ficará em torno dos 192,5 mil milhões de euros (o que corresponde a um crescimento de 2,6% tal como o Governo tinha previsto em outubro), este valor corresponde a 1,3% do PIB. No Orçamento, o Governo inscreveu medidas pontuais que deveriam ajudar a baixar o défice em 0,2 pontos percentuais. Já se sabe que estas medidas não foram completamente executadas — um exemplo é a recuperação da garantia do BPP que só em parte foi concretizada — mas basta assumir uma ajuda de uma décima para que os 1,2% de défice já anunciados pelo primeiro-ministro António Costa se concretizem.

Em três meses, em que é que o Governo foi surpreendido?

Apesar de o saldo global, em contas públicas, ter ficado próximo do estimado em outubro, houve muitas diferenças quando se olha rubrica a rubrica. A receita total foi menor do que o previsto, mas a despesa total também. Os peritos da UTAO passaram os números a pente fino e revelam o que é que surpreendeu o Executivo. O próximo gráfico mostra as contas.

Desvio face à estimativa de outubro 2017

Fonte: UTAO

No ano passado, a receita fiscal cresceu 4,8% — mais do que os 3% orçamentados, e também acima dos 3,9% estimados em outubro. Face a 2016, foram coletados mais 2.180 milhões de euros, nota a UTAO. A maior surpresa foi nos impostos indiretos (que aumentaram 5,3%, com forte contributo do IVA), mas mesmo os impostos diretos ficaram acima do previsto (cresceram 4,2%, em vez de 3,9%, puxados pelo IRC).

Também a receita de contribuições sociais cresceu mais que o previsto no Orçamento: foram mais 391 milhões de euros a entrar nos cofres da Segurança Social. Já no que toca à receita de capital, aumentou, mas menos que o esperado. Do lado das despesas, os gastos com pessoal penalizaram o défice, cresceram mais 346 milhões do que o ministro das Finanças antecipava no OE2017 e furaram as estimativas de outubro. Já a aquisição de bens e serviços ficou abaixo do esperado.

Como é que isto se explica?

O ECO já tinha questionado o Ministério das Finanças para compreender os motivos dos desvios nos resultados em apenas três meses. Fonte oficial do gabinete de Mário Centeno esclareceu que, no que toca, por exemplo, à estimativa das “outras receitas correntes”, esta “é composta por vários tipos de receita que não obedecem a um padrão linear de execução pelo que é expectável que exista um desvio significativo entre a previsão e a execução final”. E “o mesmo sucedendo com as receitas de capital”, garantiu.

Já “no que respeita às despesas com pessoal”, a mesma fonte desvaloriza: “O desvio identificado não é significativo representando menos de 1% de desvio.” Sobre a “aquisição de bens e serviços, a estimativa utilizada para efeitos do OE2018 foi bastante conservadora antecipando uma execução mais significativa do que se veio a verificar”, assume ainda.

Não era possível antever os 1,2% de défice agora prometidos por Costa?

Mas se o saldo em contas públicas ficou, afinal, praticamente o mesmo que o estimado em outubro, como é que nessa altura não foi logo possível assumir uma meta em contas nacionais de 1,2% do PIB, tendo-se preferido apontar para 1,4%? O Ministério das Finanças aponta o dedo às empresas públicas e autarquias, que se comportaram, afinal, melhor do que o previsto.

“A estimativa do défice para 2017 constante do OE2018 em termos de contas nacionais incluía estimativas mais conservadoras no que respeita, por exemplo, ao nível de endividamento das empresas e autarquias, os quais não têm qualquer impacto em contabilidade pública, mas agravam o défice em contas nacionais,” respondem as Finanças.

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