Américo Amorim: o fazedor de impérios que gostava de dinheiro

  • Filipe S. Fernandes
  • 14 Julho 2017

Aos 82 anos desaparece um dos grandes empresários portugueses. Começou por ser um industrial puro, que gostaria de fazer uma fábrica por dia, para se tornar num gestor de um grupo invejável.

Américo Amorim, durante uma a inauguração da Lenitudes Medical Center Research, Santa Maria da Feira, 4 de fevereiro de 2015. JOSÉ COELHO/LUSAJosé Coelho/Lusa

A sua máxima preferida era meio verso de Fernando Pessoa, “o homem sonha, a obra nasce”, falta o “Deus quer”, porque Américo Amorim se julgava eterno. E, de facto, fez vários impérios na banca, no imobiliário, no turismo, que refez e voltou a vender. Quase sempre com lucros. Manteve um único amor empresarial: a cortiça. A vida de Américo Amorim foi uma espécie de atualização do mito do rei de Midas. Raramente perdeu.

Américo Amorim sabia-se a figura pública do grupo e do clã, mas não hesitava em dizer: “Sei anular-me a mim próprio em favor das necessidades do grupo”. Sempre contestou os epítetos de rei da cortiça, o mais rico, alegando que “é preciso ter o sentido das proporções”. Mas o primus inter pares do clã desde 1967 que tem negócios próprios, privilegiando o imobiliário (onde actua desde 1967), turismo, e a área financeira, como o BNC. Uma das principais facetas de Américo Amorim era o facto de ser forreta como denota a sua famosa frase que resume toda uma filosofia comercial: “receber ao nascer e pagar ao morrer”.

"Sei anular-me a mim próprio em favor das necessidades do grupo.”

Américo Amorim

A ideia de fazer de Portugal um líder industrial na cortiça era uma quimera que vinha de longe. As estrofes da epopeia só recentemente poderiam ser escritas, tendo Américo Amorim como um dos protagonistas dessa façanha, em que nem tudo foram rosas, nem um modelo de virtudes. Américo Ferreira de Amorim foi mais um dos que empunhou o facho, e foi o primeiro e único que o conseguiu. Ainda nos anos 60, segundo Américo Amorim, “80% da cortiça era exportada em bruto. Hoje, Portugal tem 52% da produção mundial mas transforma 74%”. O grande império multinacional na cortiça — controla mais de 35% do mercado mundial –, que é o Grupo Amorim, foi talhado a golpes de persistência, habilidade e sorte, sob a batuta de Américo Ferreira de Amorim. É a história de quem, como diz a Forbes citando um industrial português, não se limitou a ser n.º1, mas sim “número um, dois, três, quarto e cinco da indústria corticeira”. Como escrevia The Economist, “Arábia Saudita tem petróleo; África do Sul tem diamantes; Portugal tem cortiça”, acrescentando que também tem a versão na cortiça da saudita Aramco e sul-africana de Beers e que é a Corticeira Amorim. Esta holding para o sector das cortiças registou, em 1998, um volume de negócios superior a 72 milhões de contos (mais 20% do que ano anterior).

“Quem teve uma origem modesta está bem em qualquer lado”, diz Américo Ferreira de Amorim, que não se considera um dos grandes milionários, mas um dos mais poderosos empresários. Nasceu em 21 de Julho de 1934 em Mozelos (Feira). A infância foi vivida numa casa agrícola “em condições modestas e com muita austeridade” nas suas próprias palavras. Nos anos 30 a vida era difícil e Américo anda, como era uso no campo, com socos de madeira e só tem os seus primeiros sapatos quando faz o exame da 4.ª classe. Cedo teve de começar a ajudar nas tarefas agrícolas e, durante as férias, na fábrica de rolhas de cortiça fundada pelo avô.

A Segunda Guerra Mundial ainda devastava a Europa, quando aos dez anos, Américo, assiste a uma das mais graves tragédias que marca a história empresarial da família, e que poderia ter sido o fim dos Amorins, quando pelas seis da manhã de 21 de Março de 1944 um incêndio destrói a unidade fabril, que devido ao volume de encomendas estava em laboração contínua, fabricando então 700 mil rolhas diariamente. O prejuízo foi avaliado em 15 mil contos, dos quais só seis mil estavam no seguro, pois, para se poupar dinheiro no prémio do seguro, a cobertura descera, pouco tempo antes, de dez mil para seis mil contos. Há algum desânimo e José Amorim chega a sugerir que dividam a indemnização dos seguros e deixem os negócios. Com a solidariedade dos 350 operários, a fábrica é reconstruída em menos de um ano e em Maio de 1945 já funcionava em laboração parcial.

Nesta altura, Américo vai frequentar o Curso Comercial na Escola Académica, no Porto, onde pagava 620 escudos por trimestre. O pai, Américo Alves Amorim, tem, de tempos a tempos, de vender uns pinheiros para custear os estudos dos filhos. Os outros sete irmãos também estudaram: os rapazes José, António e Joaquim fizeram cursos comerciais ou no Colégio São Luís, em Espinho, e no Colégio Almeida Gar-rett do Porto; e as irmãs, Margarida, Albertina, Luzia e Isaura no Colégio da Bonança, em Vila Nova de Gaia.

O fim da guerra prenuncia tempos de prosperidade. Os EUA eram desde 1913 o principal mercado para a cortiça e nos dois primeiros anos a seguir à Guerra as exportações cresceram, mas foi sol de pouca dura, pois rapidamente os preços caíram; no entanto, a estratégia seguida pela empresa viria a revelar-se afortunada. Em 1950-51 com a Guerra na Coreia, a arroba passa de 38$00 para 130$00, e perante um “mercado ávido de cortiça” sai a sorte grande aos Amorins, que tinham stocks em Abrantes, por força da contracção de mercados no período de conflito, uma quantidade gigantesca de casca de sobro, destinada a granulados. Revela-se uma jogada de mestre e, com a alta generalizada dos preços nos anos 50, a empresa obtém lucros colossais, que lhes permitem libertar-se do jugo das dívidas contraídas para refazer a fábrica após o incêndio.

Aos 19 anos Américo vê desaparecer o pai, Américo Alves de Amorim (17-8-1898/21-3-1953). Dois anos antes falecera a mãe, Albertina Ferreira de Amorim (13-9-1895/14-7-1951). A Américo Amorim, o pai não o marca, enquanto a mãe lhe ensina a tecer os fios da solidariedade familiar. Como diz: “A sua generosidade foi um exemplo, marcou-me na forma de ser dialogante e compreensiva para os problemas”. A herança foi 20% da Amorim & Irmãos (2,5% por cada irmão), dinheiro — que os rapazes deram às raparigas — e algumas terras. Américo Amorim ainda mantém o terreno que lhe coube em herança.

"A sua generosidade [da mãe] foi um exemplo, marcou-me na forma de ser dialogante e compreensiva para os problemas.”

Américo Amorim

Nessa altura, o tio, Henrique Amorim, propõe-lhe que passe a integrar os quadros da fábrica, onde já estão os irmãos José e António. Américo Amorim aceita de bom grado, pois confessa que “não ficou com saudades da escola” e não gostou muito de estudar, e entra na empresa em Setembro de 1953 com um ordenado mensal de 500 escudos. Aliás, tudo apontava que fossem eles os herdeiros da fábrica, pois os tios Henrique, Ana e Rosa não tinham filhos, e tudo se decidiria entre os filhos de Américo e de José Alves de Amorim, que falecera em 1955. Em Maio deste ano, Henrique Amorim decide dar uma aula prática de geografia humana, a única disciplina de que Américo Amorim gostava na escola, aos seus sobrinhos. Partem de automóvel em passeio pela Espanha, França, Itália, Suíça, Holanda, Alemanha.

Pouco depois, Américo parte para Bordéus no Sud Express. No bolso leva uma gravata, as amostras de rolhas de cortiça e um bilhete de comboio que lhe custou 600 escudos e que não dava direito a cama. Faz um curso de francês em Biarritz, e o princípio das suas peregrinações pelo mundo. Os Amorim são ambiciosos, mas Américo diferencia-se por “uma maior teimosia” e não se “confinar ao espaço restrito” que herdou. É como uma espécie de ministro de Negócios Estrangeiros da Amorim & Irmãos que calcorreia mundo em busca de contratos. Mas é também uma forma de conhecer mercados e tecnologia. “Mesmo que vá a um país 100 vezes e tenha o tempo sempre ocupado com reuniões, há sempre umas horas de ócio que me permitem ver uma outra sociedade com outros hábitos, outros valores”, explica Américo Amorim, considerando que este conhecimento “não há universidade que o substitua”. De 1953 a 1967 calcorreou pela Europa e América Latina. E foi a sua grande escola de línguas: hoje fala fluentemente francês, espanhol e, com menos fluência, inglês.

Viu a Europa de Lisboa até aos Urais, em 1962, quando numa estadia em França assistiu, em casa de uma família amiga, ao discurso de Charles de Gaulle (que com Konrad Adenaeur e Jacques Delors são as referências de políticos e de estadistas) que dava a independência à Argélia. “Pensei que Portugal em África não tinha futuro e que a história era irreversível”. Ufana-se de nunca ter investido em África, até aos anos 80 quando com a Mabor teve negócios em Angola e Moçambique com escasso retorno. A visão de que o futuro é global ilustra-se quando em 1958 Américo Amorim envia um dos seus funcionários, Fernando Castanheira, para o Japão e Austrália durante dois anos para conhecer línguas, mercados, fazer contactos e lançar as bases para uma rede distribuição.

Nos anos 50 instalam-se no mercado mundial

Na empresa os irmãos Amorim dividiam as tarefas. José (23-5-1925) esteve, desde 1948 e durante 10 anos, na frente da batalha em Abrantes, nó górdio para as compras de matéria-prima pela proximidade com a principal fonte de abastecimento de matéria-prima que é o Alentejo, tendo um ordenado de 2500$00. Na fábrica em Lamas é António (15-7-1928) que ganha os galões industriais, com um ordenado de 1500$00. Joaquim (3-7-1936), como diz Carlos Oliveira Santos, «beneficiou, de certo modo, da sua condição, acabando por ter uma formação curiosa. Acabada a Escola Académica, em 1954, aperfeiçoou o inglês num instituto do Porto e adquiriu então o primeiro contacto com a empresa da família». Em Julho de 1954 vai para uma fábrica corticeira nas Landes francesas. Dois anos depois segue para um colégio de Guilford, na Inglaterra. Em 1960, os irmãos colocam-lhes nas mãos uma tarefa de tomo. Vai plantar a bandeira da Amorim & Irmãos no Brasil, a que se seguiu o Japão, para onde vai prosseguir o trabalho iniciado por Fernando Castanheira.

Nos anos 50, viviam então com a mesma frugalidade do país, como refere Américo Amorim, que no princípio da sua carreira fazia o caminho para a fábrica a pé, um trajecto de 20 minutos. Ao fim de dez anos comprou uma bicicleta e, pouco depois, um VW usado para passear aos sábados e domingos. O primeiro carro novo, um Rover, teve-o quando se casou, em 1969. Os lucros eram reinvestidos na fábrica e nos negócios, e os lampejos de génio de Américo Amorim para os negócios imobiliários começaram a revelar-se quando, com os irmãos, comprou à família Van Zeller a Quinta das Meladas, em Mozelos, por 4.100 contos e desígnios de a urbanizar e construir as novas instalações fabris.

Foi muitas vezes nestas viagens que pensou os seus negócios. Apercebeu-se que em países como Alemanha, EUA, França, Reino Unido ou Japão importavam a cortiça em bruto e transformavam-na em produtos de grande valor acrescentado como aglomerados para isolamento e revestimento em juntas de automóveis e móveis. Amorim quer intrometer-se no processo e começa a magicar uma nova fábrica que seja o princípio da verticalização industrial da cortiça, tendo como filosofia “nem um só mercado, nem um só cliente, nem uma só divisa, nem só um produto”, e por detrás um sonho: atingir a liderança mundial da produção e distribuição de produtos de cortiça. Esta empresa iria aproveitar os 70% de desperdícios gerados pela Amorim & Irmãos na fabricação de rolhas para os transformar em granulados e posteriormente aglomerados. Há, no entanto, dois problemas a resolver, um interno à família e outro, um constrangimento externo, que é o condicionamento industrial.

Em 1963, a empresa era, em termos de capital, controlada pelos tios Henrique, Ana e Rosa, Américo, os irmãos Amorim (os quatro filhos de Américo Alves Amorim) e um outro ramo, filhos de José Alves de Amorim, onde pontifica José Eduardo Marques Amorim, que quereria ter um papel de decisão na empresa de que era accionista. Como se escreve no livro de família Amorim, feito por Carlos Oliveira Santos e promovido por Américo Amorim, este e os seus irmãos “na empresa desenvolviam um trabalho intenso (…) Ora José Eduardo Marques Amorim não só se encontrava distante como transportava consigo o poder accionista das suas irmãs, representado pelos respectivos maridos, também eles a quererem intervir na Amorim”. Gestor e accionista da Amorim & Lage não era muito sensível à estratégia de crescimento e verticalização de Américo Amorim. No entanto, para não romper o equilíbrio familiar, quando em Janeiro de 1963 surge a Corticeira Amorim, o seu capital fica repartido em partes iguais pelos irmãos Amorim (Américo, José, António e Joaquim) e o tio Henrique, e com instalações fabris na Quinta de Meladas em Mozelos. O apoio financeiro deste projecto veio do Banco Pinto & Sotto Mayor, então dirigido no Porto por Eduardo Furtado, que António Champalimaud considera um dos maiores banqueiros que conheceu, e do Banco de Afonso Pinto de Magalhães, empresário portuense que fundou a Sonae. Nesta altura, cada Amorim ganhava cinco contos: três para viver, dois contos para financiar o novo negócio.

Vigorava o condicionamento industrial e Américo Amorim decidiu avançar com a Corticeira Amorim, mesmo sem autorização oficial e, depois de várias inspecções e outras formas de perseguição burocráticas, é-lhes concedido o alvará, mas logo novo conflito estala. Em 1965, decide começar a produzir aglomerados negros. No entanto, o Ministério da Economia e os seus rivais do grupo Isola, que tinha como associados a Mundet, a Robinson, a Socortex (Baptista Russo), a Sofac e a Infal, não viam com bons olhos o nascimento de um novo concorrente. E se autorização lhes é tacitamente negada, são vários os alvarás distribuídos a industriais corticeiros para fabricar aglomerados negros, como a José Ferreira Queimado, de Évora, Joaquim Ferreira Tavares e Inocêncio Granadeiro, em Vendas Novas, a Inacor de Lamas (primos dos Amorins).

Crescimento provoca nova cisão familiar

Os Amorins decidem então comprar por 200 contos um alvará a um empresário de Silves, Torres Pinto, apesar dos problemas logísticos que punha a fabricação no Algarve e a exportação pelo porto de Lisboa dos aglomerados negros que começam a ser fabricados em 1966 pela Corticeira Amorim Algarve.

A Isola continua a impedir que a fábrica dos Amorins se transfira para junto de Lisboa, e em 1968, depois de um reunião entre Américo Amorim e os administradores da Isola, Miguel Horta e Costa e Joaquim Presas, em que aquele considera que foi tratado com arrogância, a Corticeira Amorim “iniciou-lhes uma concorrência desregrada, que conduziu a reduções de preços no mercado internacional da ordem dos 60%, e acabaria (…) por vencê-los”. Posteriormente, compram a Itexcork de Vendas Novas e, anos mais tarde, a Inacor.

Nos conflitos com o sistema corporativo, Américo Amorim vai contar com os relacionamentos do tio Henrique Amorim (25 de Maio de 1902/ 21 de Fevereiro de 1977), uma das figuras chave na saga dos Amorins, que tinha entre o poder da época alguns relacionamentos privilegiados. Como descreve Carlos Oliveira Santos, «abdicando do casamento, Henrique Amorim repartia-se, com a intensidade que já vimos, entre as fábricas de Lamas e Abrantes, as compras de cortiça nas planuras alentejanas, as permanências em Lisboa e as múltiplas viagens pelo estrangeiro. Mais do que o suficiente para sedimentar uma formação que os estudos mínimos da terceira classe, para seu grande desgosto, não lhe proporcionaram à partida. Amigos, tinha-os ele num grupo restrito mas suficiente para o introduzir nos circuitos dominantes da época: Henrique Veiga de Macedo, seu conterrâneo, ministro das Corporações e Previdência Social, de 1955 a 1961; Albino do Reis, ministro do Interior e presidente da Assembleia Nacional; frei Diogo Crespo, da revista Flama; e o padre José Ferreira, o estimado padre Zé, seu companheiro permanente em Lamas, sepultado para sempre a seu lado no cemitério local».

Em Junho de 1969 resolve-se finalmente a dissensão familiar, “Américo Amorim e os seus irmãos, que detinham inicialmente apenas 20% da empresa, ficaram com a totalidade da Amorim & Irmãos: compraram os 40% detidos pelos primos e receberam do tio e das tias as restantes acções, como paga da sua evidente capacidade, ficando os mesmos como usufrutuários”.

Nessa altura, os negócios da família Amorim eram constituídos por Amorim & Irmãos com unidades industriais em Lamas e Rossio-ao-sul-do-Tejo no sector das rolhas e dos discos de cortiça, a Corticeira Amorim, que fabricava granulados e aglomerados brancos e tinha projectos para fabricar parquet, decorativos e rubbercork (borracha técnica com cortiça), a Corticeira Amorim Algarve, que detinha 8% do mercado de aglomerados negros, sector que fora reforçado com a Itexcork, e a Investife, que tinha um considerável património imobiliário, de terrenos agrícolas e urbanos.

A dinastia industrial começa em Gaia

Tudo começou em 1870 quando António Alves Amorim, nascido em São Tiago de Lourosa a 8 de Dezembro de 1832, se associa, com um capital de dois contos, à família Belchior e instala, em Vila Nova de Gaia, uma pequena oficina de fabricação de rolhas para barris de vinho do Porto. As instalações fabris situam-se na Rua dos Marinheiros, junto ao Largo Sandeman. Como refere Carlos Oliveira Santos, “Percebe-se a escolha. O seu concelho, o da Feira, tinha já uma tradição de trabalho naquela matéria. Fornecendo muitos operários tanoeiros para as firmas vinícolas de Gaia, terão sido eles a levar para aquelas terras o saber e o hábito da preparação da cortiça e da produção de rolhas”.

A família Belchior era gente de dinheiro, sempre em busca de aplicações para o seu capital: “os seus quatro filhos eram conhecidos como os “meninos de ouro” e um deles, Belchior Fernandes da Fonseca, proprietário de uma farmácia em Gaia, foi um dos primeiros aeronautas, aventura que saiu cara, ao desaparecer durante uma subida do aérostato Lusitano, em 21 de Novembro de 1903”, como descreve Carlos Oliveira Santos. Se seguirmos Oliveira Marques perceberemos o investimento fabril dos Belchior: “Dos 475 mil ha ocupados por sobreiros no primeiro decénio do século, a esmagadora maioria localizava-se a sul do vale do Tejo. Portugal tinha a maior área de montado do mundo (…) Chegara-se a ultrapassar as 90 mil toneladas de produção total de cortiça, das quais mais de 75 mil toneladas se haviam exportado”.

Em 1886, casa-se com Ana Pinto Alves, a quem, pouco depois, segundo um depoimento manuscrito do filho, Henrique Amorim, teria confidenciado: “Estou a fazer uma campanha tal que, cá pelos meus cálculos, em 1900, nós havemos ser a família mais sólida das redondezas”. No entanto, António Amorim deixou a contabilidade por conta dos sócios e quando em 1890 quis saber da sua posição no negócio, concluiu que após 20 anos de intenso trabalho estava como começara. É que, entretanto, como refere Oliveira Marques, “até finais do século XIX, a cortiça servia sobretudo, ao nível internacional, para o fabrico de rolhas. Mas a invenção dos discos de cobertura como sucedâneos da rolha fizera baixar verticalmente os preços da cortiça durante alguns anos”. Porém, António Amorim entendia que trabalhava mais do que os frutos que o sócio lhe reservam e, como conta Henrique Amorim, “alarmado com isto, meu pai impôs uma demanda, que foi dada a seu favor em dois tribunais e que, de recurso em recurso, foi ao Supremo, onde meu pai perdeu”. A decisão foi de 1908 e curiosamente o advogado dos Belchior era Afonso Costa, então destacado membro do Partido Republicano e deputado ao Parlamento.

"Estou a fazer uma campanha tal que, cá pelos meus cálculos, em 1900, nós havemos ser a família mais sólida das redondezas.”

António Alves Amorim

É nesta altura que a família, com 11 filhos, se instala em Lamas, terra de Ana Alves Amorim. Através de hipotecas de terras – de que pagava um escudos de juros por dia-, do penhor do ouro, do trabalho dos filhos, de meia dúzia de operários e duas máquinas de garlopa criou o negócio de rolhas no palheiro da eira. A conjuntura também era favorável, pois como analisa Oliveira Marques, “o mercado corticeiro só melhorou a partir de 1905-1906 com a descoberta de novas utilidades para a matéria-prima, como fossem o fabrico de palmilhas, de pontas de cigarro, de armações de chapéus (sobretudo os coloniais), de invólucros de charuto, etc. Tornou-se assim possível expandir o comércio corticeiro nos anos seguintes, até à eclosão do conflito europeu”. Por isso não surpreende que a família Amorim em 1913 se transfira para um novo alpendre com 17 máquinas de garlopa a funcionar. Então, as rolhas eram transportadas para Gaia e exportadas. O avô de Américo Amorim dependia das curvas de exportação de vinho do Porto. Como explica Miriam Halpern Pereira, em Portugal entre dois impérios, “o período entre 1891 e 1913 caracterizou-se por um persistente esforço em conseguir acordos comerciais bilaterais que viabilizassem a diversificação de mercados: com a Espanha em 1893, com a Noruega e a Rússia em 1895, com a Dinamarca e o Japão no ano seguinte, com a Bélgica em 1897, com os EUA em 1899, em 1904 com a Suíça, em 1908 com a Alemanha (…) em 1914 se assinaria novo tratado com a Inglaterra (…). No conjunto, os acordos viabilizaram novos ou acrescidos mercados em primeiro lugar para os vinhos, mas também para a cortiça, conservas de peixe e produtos coloniais”. Como refere a historiadora: “as conservas de peixe e a cortiça eram os únicos produtos (industriais) que penetravam no mercado dos países industrializados”.

O primeiro quartel do novo século traz a prosperidade e a 11 de Março de 1922 surge a Amorim & Irmãos com um capital de 90 contos e de que são sócios os nove filhos vivos de António e Ana: José, Manuel, Henrique, Américo, Ana, Rosa, António, Joaquim e Bernardina, já duma fábrica moderna e um dívida de 800 contos. A 31 de Outubro, António Alves Amorim falecia e como herança, mais do que bens, deixa uma forma de gestão: “O que havia de decidir pertencia à opinião de todos e só pelos consensos de falas sucessivas se chegava às opções a pôr em prática”.

À frente da empresa estão José Alves Amorim, o mais velho, que fora enviado para o seminário mas, ao fim de alguns anos perdida a vocação, rumou ao Porto onde se torna um homem de negócios, estando na base da criação da empresa Amorim & Lage, moageira fundada em 1919. Torna-se o conselheiro da família e a sua experiência urbana faz dele o responsável pela área financeira da Amorim e Irmãos, onde vem todos os sábados analisar papéis e factos. Hoje, a moageira é gerida pelo filho, José Eduardo Marques Amorim, que, em segundas núpcias se casou com Maria Manuela Nogueira Lage, a outra grande accionista que recentemente adquiriu um dos símbolos do poder da moagem neste século, a Nacional, antiga Portugal e Colónias. A vocação religiosa acaba por recair sobre Manuel, que entre 1917 a 1938 é pároco de Lourosa.

Na gestão directa e quotidiana, sobretudo na área comercial, já que na frente industrial pontificava o irmão Américo, ficou Henrique Amorim, que com apenas a terceira classe procurou através das viagens e da leitura sustentar-se culturalmente.

No entanto, como escreve Maria Filomena Mónica, em Os Grandes Patrões da Indústria Portuguesa, “o lobby dos lavradores alentejanos preferia exportar a cortiça em bruto. Durante décadas, a vida dos empresários foi singularmente amargurada”, não surpreendendo que a família Amorim tenha na terra, como diz Carlos Oliveira Santos, “a base do sustento e a fonte para alguma despesa extraordinária, já que empréstimos bancários não eram coisa que estivesse na mente de nenhum”.

A crise de 1929 impõe novas dificuldades, mas nos cartões da empresa escrevia-se, sob o nome da empresa, “a maior fábrica de rolhas do Norte de Portugal”, contavam com 150 operários e já nesta altura tinha contactos e vendas com a Japão, Alemanha, Estados Unidos, França, Brasil, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Suécia, entre outros. As dificuldades aumentavam, pois imperavam as políticas proteccionistas e, além de contingentar as importações, taxavam-nas fortemente. Por outro lado, vários países abandonaram o padrão-ouro, tido como base para trocas internacionais estáveis e o comércio internacional mergulha numa turbulência feita de valoriações e desvalorizações. Mas nem tudo corre mal para a cortiça porque, se por um lado o mercado está mais difícil, por outro, há concorrentes que saem da liça como a Espanha, que entra em Guerra Civil em 1936, e que faz da cortiça portuguesa uma espécie de ouro castanho, mas nesta altura apenas se transformava 5% da produção, sendo a restante açambarcada pelos grandes exportadores e fabricantes quase todos de origem estrangeira.

Em 1935 adquire um tosco armazém em Rossio-ao-Sul-do-Tejo, centro nevrálgico para o aprovisionamento de cortiça dada a sua proximidade da zona de produção e extracção e também do caminho-de-ferro. Quatro anos depois transforma-se numa fábrica de preparação de pranchas. É nesta altura que os irmãos que mais directamente lidavam com o negócio decidem propor que os outros quatro irmãos (Manuel era padre, enquanto António, Joaquim e Bernardina viviam no Brasil, onde os dois primeiros geriam prósperos negócios de importação de rolhas e outros produtos de cortiça) vendam as sua posições na Amorim & Irmãos reduzindo o seu universo de sócios activos.

Galã sem tempo para ser playboy

Galã, mas sem tempo para ser playboy, Américo Amorim, católico, casa-se em 1969 com Maria Fernanda Oliveira Ramos, que vem de uma família amiga dos Amorins. Vão viver para uma pequena casa na rua 15 em Espinho, em que pagavam 1250$00 de renda. Tem três filhas. A Paula, a Marta e a Maria Luísa. Para Maria Fernanda, Américo Amorim era “determinado, compreensivo, honesto e às vezes demasiado exigente consigo e com os seus”. Para Américo Amorim, “a esposa é uma conselheira” e que tem o hábito de dizer o que pensa, mesmo quando se trata de negócios. Américo Amorim defende que as empresas não se herdam e “as pessoas podem ser accionistas sem que tenham de estar nas empresas”. No entanto, o facto de as mulheres no clã Amorim terem sido remetidas para papéis secundários, a terceira geração, ao contrário da primeira e da segunda gerações, tem criado tensões e problemas em relação à sucessão de Américo Amorim. Os melhores quadros na área da cortiça são seus sobrinhos, que querem aliar a gestão a uma posição predominante no capital. Por sua vez, Américo Amorim não quer assistir à decomposição do império, mas também não quer defraudar as suas herdeiras. Neste esforço em busca da fórmula perfeita, a holding de topo Amorim Investimentos e Participações é detida hoje em 98% do capital pela família Amorim, quando em 1992 controlavam 70%.

O leste como mercado e a abordagem do KGB

Américo Amorim faz, em 1958, a sua primeira visita a um país do Comecon – organização económica que agrupava os países satelizados pela extinta URSS — a Roménia, a que se segue a URSS. Em 1963, depois de um périplo pelo Leste, convida um austríaco, Gerhard Schiesser, para trabalhar para o Grupo Amorim. Este austríaco, tal como o compatriota Joseph Seiwerth, foi refugiado da guerra e esteve a viver com a família Amorim entre 1948 e meados dos anos 50. Fica trabalhar em Mozelos até 1967, altura em que Américo Amorim abre um escritório em Viena. Criada a Gerhard Schiesser GmbH passa a exportar cortiça para o Leste sem a etiqueta made in Portugal. A neutralidade austríaca era uma boa porta de entrada no então Comecon e nos restantes países como a China, o Egipto ou a Índia, com os quais Portugal não tinha, por razões políticas, relações diplomáticas. “Foi extremamente útil no período difícil em que as opções políticas de Portugal dificultavam o contacto com esses grandes espaços económicos”, assinala Américo Amorim. Mas se os contratos com estes países eram feitos com o acordo do Banco de Portugal e os bancos centrais desses países e os pagamentos feitos por Viena ou Londres, as mercadorias não podiam levar a palavra Portugal.

Na década de 70, Américo Amorim parte à conquista dos mercados estrangeiros de matéria-prima como forma de aumentar o seu domínio. A Marrocos chegam em 1972 com a instalação duma fábrica, a Comatral, em Skhirat. Esta expansão para países produtores de cortiça tinha como objetivo fazer reservas à produção nacional e permitia “uma maior intervenção nos preços e aumentava a capacidade produtiva”. Em 1976, compra uma das maiores empresas corticeiras espanholas perto de Sevilha, a Samec. Nesta relação com a Espanha é essencial a União Europeia, pois permite a Américo Amorim agir sem grandes peias nos principais territórios suberícolas. Como explica Américo Amorim, com a União Europeia, “a pauta espanhola que onerava em 28% os produtos manufacturados foi eliminada, por outro lado a produção de cortiça situa-se na Extremadura e na Andaluzia, enquanto a transformação se faz na Catalunha”, o que faz de Portugal um destino para as exportações da floresta espanhola. Hoje, a sua presença em mercados produtores de cortiça só exclui a Argélia, que vive em guerra civil, tendo entrado na Tunísia.

Em 1972, Amorim começa a comprar herdades no Alentejo. Três anos depois, em pleno Verão Quente, são expropriados os três mil hectares de sobreiro que detinha no Alentejo. Mas em Fevereiro de 1976 voltam a comprar herdades no Alentejo.

Em 1972, Amorim começa a comprar herdades no Alentejo. Três anos depois, em pleno Verão Quente, são expropriados os três mil hectares de sobreiro que detinha no Alentejo. Mas em Fevereiro de 1976 voltam “a comprar herdades no Alentejo a famílias que em pânico estavam dispostas a vender”. Américo Amorim conhecia bem o Leste, tinha bons contactos na área económica da nomenclatura soviética, tendo chegado a ser aliciado pelo KGB num hotel em Moscovo (em 1991 um romeno despedido pelo grupo acusa-o de ser agente dos serviços secretos do Leste), e acreditou sempre que a Revolução seria transitória. As suas empresas funcionaram ainda como estrutura de apoio às embaixadas dos países de Leste em Lisboa. E, por outro lado, não tinha grande porta de saída. Em 1975/76, o PC lançava panfletos apelando ao boicote na venda de cortiça a Amorim. Este reagiu convidando os trabalhadores das unidades colectivas de produção a visitar as suas fábricas e a conseguir um relacionamento comercial normal. E à direita há quem não esqueça a compra de cortiça às herdades ocupadas. Mas destas relações ficaram episódios nebulosos que fazem as delícias dos pesquisadores de mistérios em épocas revoltas.

“Entre 1976 e 1980 o crédito era fácil, a inflação ajudava e demos um salto decisivo para o ano 2000”, diz Américo Amorim, um industrial até há ponta dos dedos, que já confessou: “Gostava de fazer uma fábrica por dia”. Aproveita as disponiblidades de uma banca nacionalizada sem grandes projectos de investimento para adquirir terrenos agrícolas, mesmo expropriados, urbanos e modernizar as suas fábricas. Prossegue a sua política de negócios, em 1978, constitui a Ipocork, que hoje fabrica placas de cortiça em contínuo para parquet e revestimentos.

Em 1982 fazem a Champcork, altura em que a França e a Espanha produziam sete vezes mais rolhas que Portugal. O mercado mundial, que é de um bilião e 200 milhões rolhas, é um mercado exigente, ou não estivesse o champanhe associado ao luxo, e as rolhas têm de ser resistentes, flexíveis e homogéneas. Com várias fábricas neste segmento, em 1998 fez uma das maiores aquisições na indústria da cortiça adquirindo o Grupo Interchampagne, cujo centro industrial é o Montijo. O mercado de rolhas de vinho, o negócio tradicional do grupo, ronda de 23 biliões de unidades, e metade das exportações nacionais de cortiça são de rolhas para vinho.

Rolhas de vinho e de champanhe, juntas cortiça com borracha para automóveis e outros equipamentos, aglomerados para revestimentos e isolamentos, são os 5 pilares do domínio que se estende ainda por mais 20 produtos provenientes da cortiça. “A estratégia de crescimento procura eliminar as barreiras entre nós e o consumidor. Porque isto tem duas vantagens. Chega-se directamente ao consumidor e ao mesmo tempo tem-se feedback imediato sobre o comportamento do mercado, o que não acontece quando se tem um intermediário”, refere Amércio Amorim. O marketing é estratégico porque, como refere The Economist, os revestimentos de cortiça representam pouco mais de 1% do total de revestimentos usados na construção e mesmo que a intenção seja nas palavras de Américo Amorim: “Não estamos interessados em desenvolver esse produto como um produto de massas, mas como um produto dirigido a segmentos de mercado de alta qualidade e poder de compra”. Mas este esforço obriga a uma actualização tecnológica e técnica dos produtos. Como explica Amorim, “hoje para se vender revestimentos ou isolamentos tem de responder às exigências – como a resistência ao fogo, o comportamento em climas frios, como a Escandinávia, ou de grandes humidades como o Sudoeste Asiático — de mercados sofisticados”.

"A estratégia de crescimento procura eliminar as barreiras entre nós e o consumidor. Porque isto tem duas vantagens. Chega-se directamente ao consumidor e ao mesmo tempo tem-se feedback imediato sobre o comportamento do mercado, o que não acontece quando se tem um intermediário.”

Américo Amorim

Os anos 80 são a década dos clamores e de glória a uma fortuna. Mas começam com dificuldades a Leste. O grupo sente obstáculos nas exportações para os mercados do ex-Comecon. Escasseiam as divisas e os produtos de cortiça são substituídos por outros fabricados localmente. “A minha preocupação foi estabelecer uma joint-venture na Hungria — onde era mais fácil — de modo a que pudessemos ter uma participação activa nos planos quinquenais de modo a influenciar a manutenção dos consumos da cortiça”. O que era ajudado pelo facto de na Hungria o grupo ter uma unidade de transformação de rolhas: a Hungarocork, que foi criada em 1984, que hoje funciona sobretudo como entreposto comercial.

No início dos anos 80, Amorim está na criação da primeira sociedade de investimentos privada, a SPI (Sociedade Portuguesa de Investimentos), que, anos mais tarde, se transforma no primeiro banco privado português, embora unicamente de investimento, após o 25 de Abril, o Banco Português de Investimentos. Em 1984, como a SPI se recusa a avançar com um banco comercial, pensa o Banco Comercial Português e com mais 12 empresários vai solicitar a devida autorização ao então ministro das Finanças, Ernâni Lopes. O banco nasce para o sucesso em 1985 e no grupo promotor de 25 empresários está Ilídio Pinho, que logo cede a sua posição à família Amorim. O empresário de Vale de Cambra viria a repetir a atitude já em 1991 no lançamento do Banco Nacional de Crédito, em que Amorim se associou a Horácio Roque, que entretanto optou por apostar no Banif. Mas a atracção pela área financeira não o faz esquecer a cortiça e, em Julho de 1989, adquire por um milhão de contos o grupo corticeiro sueco Wicanders, com presença comercial em oito países e uma fábrica no Seixal.

Nesta altura, o grupo é lider nacional e internacional num sector de actividade. Restavam-lhe duas hipóteses: ser um grupo industrial interessante em termos nacionais ou ganhar dimensão interna para se poder tornar internacional. Ao optar pela segunda hipótese estratégica – ser dentro cinco a dez anos um dos maiores grupos económicos- havia dois vectores fundamentais: entrar no mercado de capitais e concorrer as reprivatizações. Esta última condição assentava na hipótese, estávamos em 1987, “ de que o Governo aproveitaria as reprivatizações para privilegiar um pouco -dando força e consistência- a formação de grupos económicos portugueses”.

1987: nova cisão familiar nos Amorim

Mas para o grupo vir a recolher os louros era preciso estar na corrida, isto é, crescer. De que modo? Adquirir empresas a 100% estava fora de cogitações. Não tinham capacidade financeira. Restavam as associações estratégicas e as joint-ventures e que eram possíveis graças à credibilidade do grupo. E aqui nasce a opinião, quase herética, de Américo Amorim: “Hoje os grupos económicos podem controlar as empresas não tanto pelos 51%, mas pela capacidade de management. E uma das limitações dos grupos é a falta de gestores qualificados. São poucos e pagos a nível europeu”. Mas nos únicos exemplos, casos do BCP e da Soserfin/Banco Português de Negócios, em que se cumpriram estes requisitos, Américo Amorim e a sua família acabou por abandonar os projectos. Nesta fase de ganhar dimensão aproveitavam-se oportunidades, tendo sempre o princípio estratégico versátil e resiliente enunciado por Américo Amorim em entrevista ao Semanário Económico em 1989: “Primeiro, participar nos segmentos que nós consideramos nichos económicos de Portugal. Segundo: estabelecimento de joint-ventures com grupos internacionais que queiram investir connosco em Portugal”.

Para executar esta estratégia precisavam de abrir o capital das empresas corticeiras e colocá-las no mercado de capitais. Entre 1985 e 87, a família reflectiu sobre a abertura do capital a estranhos e em Setembro de 1987 decidiram ir para o mercado de capitais. É nesta altura que surge uma fissura dramática no clã, quando José Ferreira Amorim abandona os negócios da família e se passa a dedicar aos seus próprios projectos na área imobiliária através da Simon, e na área financeira no BPI. Opunha-se à estratégia de abertura a estranhos do capital da Corticeira Amorim. Mas a partir daí, no grupo ou na família, procura que as decisões “sejam tomadas solidariamente, no entanto, se isso for impossível, é a maioria que determina todas as grandes decisões”. Por outro lado, como explica Américo Amorim “as decisões são tomadas pelas administrações das empresas e não propriamente pelos irmãos. Nós não somos hoje uma empresa familiar, o capital é controlado pela família e há sempre um ou dois membros da familia em cada administração. Contudo, há gestores profissionais e as decisões são tomadas contando com o bom senso e pela regra democrática da maioria”.

"As decisões são tomadas pelas administrações das empresas e não propriamente pelos irmãos. Nós não somos hoje uma empresa familiar, o capital é controlado pela família e há sempre um ou dois membros da familia em cada administração. Contudo, há gestores profissionais e as decisões são tomadas contando com o bom senso e pela regra democrática da maioria.”

Américo Amorim

Em 1987, participam na fundação da SPR (Sociedade Portuguesa de Capital de Risco) e na Ocidental Seguros (no âmbito do grupo BCP), adquire 17% da Sociedade Portuguesa de Contentores (SPC), faz uma joint venture com o grupo francês Accor para a construção de hotéis Novotel através da Portotel e dos Ibis por meio da Portis e é maioritário na Velpor adquirida ao grupo RAR. No ano seguinte cumpre-se o plano traçado. A Corticeira Amorim, a Champcork, a Ipocork e a Amorim & Irmãos entram na catedral do capitalismo que é a Bolsa de Valores e proporcionam um encaixe bruto de 4,3 milhões de contos. Com capitais próprios, característica que é marca dos seus investimentos, o grupo, adquire 42,3% do sul-africano Bank of Lisbon, 12% e o controlo de gestão da Mabor, inicia a escalada na SPL (Sociedade Portuguesa de Leasing), onde chegou a deter 55%, e apossa-se da empresa de confecções Silvercorte.

Ao ano de ouro junta os diamantes dos partners. Constitui a Cofipsa com Carlo de Benedetti, então dono da Olivetti e que um dia sonhou ser um empresário de perfil europeu. Pela sua mão vieram Los Albertos e o seu Banco Zaragozano e o Bilbao Viscaya. Entram na Lusotur e na Real Companhia Velha. Nesse mesmo ano nasce a Inogi, que tem como parceiros a gaulesa ISM. Amércio Amorim justificava as badaladas alianças: “As estratégias dos grupos têm em conta a existência de grandes espaços económicos como a Europa e essas alianças podem ser positivas. Podemos ser um bom complemento para determinados grupos que têm uma estratégia para uma determinada área económica e onde podemos ser o partner local. Mas sem esquecer que no futuro podemos vir a ter um entrosamento com esses grupos participando no capital das suas empresas”.

O ano de 1990 é de expiação. A Cofipsa retira-se da Real Companhia Velha por desentendimentos com o outro accionista, Manuel Silva Reis. Inicia-se a novela da F. Cunha Barros em que Amorim, com 49,3%, não consegue eleger um elemento para administração. A ideia era aglutinar os vários empresários numa estrutura forte com ligações internacionais pois como dizia Américo Amorim, então, “o todo nacional dos cabos eléctricos é capaz de representar 15 a 20% da facturação de uma grande multina-cional”. Falharam e venderam a sua participação aos holandeses da Draka com uma mais-valia de um milhão de contos, tal como venderam a Alcobre, onde eram parceiros com a Sumolis a um grupo sul-africano. Nas reprivatizações desistiram da Centralcer “porque achámos o preço extremamente elevado e os factos à posteriori vieram confirmar que a nossa análise estava correcta”. Associaram-se à Alfa-press mais por pressão de Benedetti que se mostrara interessado em entrar na corrida ao Jornal de Notícias do Porto. “Foi mais no sentido de dar o nosso apport à joint venture que propriamente um desejo do grupo em participar na imprensa portuguesa”, explica Américo Amorim. E mais uma vez o preço era excessivo. No entanto, o acordo custou-lhe 30 mil contos.

Apesar de ter uma grande preocupação com a cultura e a educação em Portugal, Américo Amorim não gostava de ler livros nem de escrever. É um homem de palavra. Falava e havia sempre um gravador para beber as ordens e directivas do oráculo. No entanto, quando saiu o livro Perestroika de Mikhail Gorbatchev comprou mil exemplares e distribuiu-os por amigos e conhecidos. E certo da sua capacidade de previsão a 3/4 anos apôs-lhe a seguinte dedicatória: “Um dia vamos acordar com uma grande Europa de Lisboa a Moscovo”.

Américo Amorim não gostava de ler livros nem de escrever. Mas, quando saiu o livro Perestroika de Mikhail Gorbatchev comprou mil exemplares e distribuiu-os por amigos e conhecidos.

Adorava os grandes espaços. Era o gosto pelo horizonte que o levou a comprar, por 200 mil contos a Quinta do Peral a Jorge de Mello. Esta propriedade no Alentejo era a menina do seus olhos. Mas pragmático como sempre estava a investir cerca de um milhão de contos para a tornar rentável: “Porque é um luxo ter uma quinta e estar sempre a desembolsar para a sustentar”. O que está conforme as suas seis regras de ouro: perseverança, ousadia controlada, pensamento estratégico, reflexão e estudo, colaboradores de qualidade e leais, ligações internacionais. Mas no Alentejo tem ainda propriedades no «município de Coruche (…), no Crato, junto a Portalegre (…) e ao sul de Évora, tem duas grandes herdades de quase seis mil hectares», como se escreve na revista da Caja de Badajoz, uma das accionistas do BNC.

Ao longo da sua vida fez bons e maus negócios, assumiu que “as empresas se compram e se vendem”. Mas quando falhava o que poderia ser um bom negócio ficava apreensivo porque “os bons negócios não são como as cerejas”, por isso se lhe ficou atravessado o negócio da Mabor, em que, apesar da aliança com a alemã Continental, acabou por sair do sector industrial dos pneus sem grande glória, já que em termos financeiros conseguiu salvar a sua fama.

"Os bons negócios não são como as cerejas.”

Américo Amorim

Alto (1,80 m) e enérgico quando tinha uma ideia, era difícil fazê-lo parar, começav a trabalhar por volta das OITO da manhã. E como se referia num texto da Exame de 1991 “vive a usura do tempo”. “Entretanto, na viagem da sua residência no Porto, e que outrora foi de Miguel Quina, para a fábrica em Mozelos, o seu motorista”, que já lera os jornais, fazia-lhe o resumo de umas notícias e seleccionava-lhe outras. Trabalhava 12 horas por dia. A sua agenda era preparada, pelo seu fiel secretário há 18 anos, com um mês de antecedência. Dormia normalmente sete horas. Desde os 50 anos que, de seis em seis meses, fazia um check-up e o seu grande problema de saúde era o colesterol. Só via os telejornais, não gostava de cinema e ouvia unicamente música clássica. Não era um gastrónomo, mas, como diz a esposa, “aprecia um bom cozido à portuguesa e um bacalhau cozido”. Abominava as refeições de negócios. Achava que se “come muito e bebe demasiado” nos repastos de trabalho. Os almoços na empresa eram ligeiros, à base de sanduíches. “Compro no pronto-a-vestir e depois faço uma reconfecção no alfaiate”, contava Américo Amorim. E tanto comprava no Porto como em Milão ou Paris.

Aos fins-de-semana, o seu poiso preferido era a casa na Granja que adquiriu em 1976, tem oito hectares, custou três mil contos e o que mais fascinava Américo Amorim eram as longíneas palmeiras dispersas pelo jardim. Lá recebia os amigos com quem falava de muitas coisas e raramente de negócios, jogava ténis, que preferia ao golfe, porque dava “para transpirar”, lia as revistas económico-financeiras e os relatórios de negócios. Era simpatizante do Futebol Clube do Porto e capaz de apoiar a Académica ou outro clube da região. Mas não era propriamente um mecenas, embora a sua presença no Conselho Consultivo do F.C. Porto SAD o tenha entusiasmado para concorrer com a Ecop para a construção do novo estádio.

O empresário Américo Amorim observa a pintura da sala D.João VI durante a assinatura do protocolo entre a Fundação Galp Energia e o Palácio Nacional da Ajuda para recuperação da Sala D. João VI, 15 outubro 2009, no Palácio da Ajuda em Lisboa.

Era avesso a regionalismos porque “o país é demasiado pequeno para se pensar em Norte e Sul. Claro que o poder político está em Lisboa, mas o poder económico reparte-se pelos dois grandes pólos de desenvolvimento: Lisboa-Setúbal e Porto”.

"O país é demasiado pequeno para se pensar em Norte e Sul. Claro que o poder político está em Lisboa, mas o poder económico reparte-se pelos dois grandes pólos de desenvolvimento: Lisboa-Setúbal e Porto.”

Américo Amorim

É aos amigos, divididos por “de verdade, da escola primária e dos negócios”, que devia parte do seu êxito. No entanto, também não lhe faltavam inimigos. Uns por inveja, outros porque as sua empresas não conseguiram resistir ao poderio do império Amorim. Com frequência chegavam cartas anónimas às repartições de Finanças da Feira e de Aveiro acusando-o de não pagar impostos. E o caso do FSE, que Américo Amorim menorizava alegando que existia um relatório da Comunidade que o ilibava, começou quando uma missiva anónima deu entrada no gabinete do então primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva. Este processo ainda perdura nove anos passados depois da pronúncia e tendo como base factos que ocorreram entre 1985 e 87. Américo Amorim tinha um ordenado do grupo, mas não dizia quanto. Tinha preocupações com a sua fortuna por causa dos operários e dos sindicatos. As suas empresas têm vivido com paz social; no entanto, Américo Amorim não tinha receio em fechar empresas. Como dizia, as razões do mercado não se compadecem com os apelos do coração. Dizia-se hostil à ostentação: “Nem eu nem a minha mulher temos o sentido do esbajamento”. Em Agosto, passava duas semanas na casa da Quinta da Balaia (Algarve), onde gostava de frequentar o T Club e uma semana no Peral (Évora).

Quando no início dos anos 90 se colocavam hipóteses de um excessivo endividamento do grupo, optou pela metáfora: “Costumo dizer que na minha vida vou sempre até onde a minha sombra está. Primeiro: a nossa filosofia é de não nos metermos em projectos que não correspondam às nossas próprias e reais possibilidades; segundo, depois tudo aquilo em que pensámos fomos realizando; finalmente, não vivemos em cima de abundâncias, mas sabemos investir tranquilamente”. E ilustrava com um exemplo. A Amorim Investimentos e Participações, a holding criada em junho de 1988, aumenta o seu capital de 4,1 para 48,7 milhões de contos. Nesse momento, julho de 1990, passa a contar com novos accionistas que por 20,4% da holding pagam 18 milhões de contos. São o grupo Suez, a sua participada Société Générale de Belgique e a espanhola Mercapital. Estes accionistas acabaram por sair em 1998 através de uma troca da participação destes accionistas pelo Arrábida Shopping, que posteriormente teria sido recomprado pelo Grupo Amorim.

"Costumo dizer que na minha vida vou sempre até onde a minha sombra está. Primeiro: a nossa filosofia é de não nos metermos em projectos que não correspondam às nossas próprias e reais possibilidades; segundo, depois tudo aquilo em que pensámos fomos realizando; finalmente, não vivemos em cima de abundâncias, mas sabemos investir tranquilamente.”

Américo Amorim

Os anos 90 são marcados pela recomposição de negócios e sobretudo de alianças. Das inúmeras ligações, quase um Gotha dos negócios europeu, só sobreviveu a aliança com a Accor na área do turismo em Portugal e Cuba. Todas as outras tiveram um fim, eram a nata de gestores e empresários da Europa dos anos 80, como Carlo de Benedetti, Robert Maxwell, Gérard Pelissan, Gérard Worms e, o que admira em especial, Patrick Ponsolle. No entanto, acabaram quase todas sem grande regozijo. Por exemplo, a relação com Robert Maxwell, media mogul milionário morto em 1989 e que se descobriu estar completamente falido, a Portal do Sol, detentora de terrenos no Algarve acabou em tribunal com acusações graves a Américo Amorim e aos seus administradores.

Da dolorosa saída do BCP ao negócio Telecel

Em 1993 sai do BCP, tendo dado a Jorge Jardim Gonçalves, presidente do banco, 15 dias para este arranjar comprador para a sua participação de 15%, deixando de ser accionista de referência. Este negócio foi de tal forma doloroso para Américo Amorim que afirmou: “Foi o maior empenhamento empresarial da minha via” — que no livro sobre a história da família merece as honras de 21 páginas de um relato circunstanciado sobre a forma como foi idealizado e realizado. Em 1995, vê a Lusotur fugir-lhe entre os dedos, passando para o controlo do BPA e quando este é adquirido pelo BCP será vendida a André Jordan, tal como alienaram o terreno onde se situa hoje o Pine Cliffs e o Hotel Sheraton. Continou a falhar as concessões — no concurso para a distribuição de gás natural perderam — e as reprivatizações ao ver escapar-se o Banco de Fomento Exterior para os braços do BPI.

Em 1993 sai do BCP, tendo dado a Jorge Jardim Gonçalves, 15 dias para este arranjar comprador para a sua participação (15%).

Mas é nos anos 90 que o Grupo Amorim define uma estratégia visível e articulada, por isso Américo Amorim dizia em 1991: “Temos claramente definido os segmentos onde vamos e queremos ficar a médio e longo prazo e que são a cortiça, os recursos naturais, a área financeira e o imobiliário e turismo de alta qualidade”. E se perdeu a Lusotur adquiriu em 1999 a Vilara, um dos melhores empreendimentos turísticos do Algarve.

Para compensar fez um dos maiores negócios de sempre em Portugal: em 1991, Amorim, associado ao Grupo Espírito Santo, à Centrel, à Efacec e aos americanos, ganhou a concurso para um operador móvel com a Telecel. Em 1997, vendeu em Bolsa e aos parceiros da Air Touch/Vodafone o controlo da empresa. Fez, tal como o seu parceiro Grupo Espírito Santo, com a Telecel, um negócio digno do Rei Midas. Um investimento que não chegou aos 15 milhões de contos transformou-se num negócio de 100 milhões em pouco mais de quatro anos. Estava também na Finpetro, que detinha 33% da Petrogal, que foi vendida com grandes mais-valias à ENI italiana.

Cortiça atacada por vedantes alternativos

O princípio do século XXI não foi fácil para Américo Amorim sobretudo no negócio que foi a sua principal paixão. Em finais dos anos 90 a rolha de cortiça entrou em declínio atacada tanto pelos novos tipos de vedantes artificiais plásticos e metálicos, como a screw cap. Em março de 2001, António Rios de Amorim, 48 anos, filho do seu irmão António, torna-se CEO da Corticeira Amorim é licenciado pela Universidade de Birmingham, tendo feito a sua carreira no grupo e passado por negócios como a hotelaria e o imobiliário. Mas desde 1996, quando se tornou administrador da Amorim & Irmãos que a cortiça é o centro do mundo da sua gestão.

Seria este a liderar a estratégia da Corticeira Amorim no investimento em I&D, tendo investido nos últimos dezasseis anos mais de 250 milhões de euros. O grupo já registou mais de 20 patentes tendo as mais recentes os novos equipamentos de rabaneação, brocagem e de embalagem, feitos em colaboração com outras empresas nacionais, e um sistema de detecção de violação da embalagem para rolhas com cápsula.
Em 2003 vendeu a sua participação de 75% no BNC (Banco Nacional de Crédito) e tornou-se um dos principais accionistas do Banco Popular espanhol.

Em 2005 a família volta a ter de resolver alguns problemas internos e dá-se uma troca de activos entre os três irmãos e sobretudo gerir a liquidez gerada pela venda da Telecel e do centro comercial Arrábida. Américo Amorim ficou com 100% da Amorim Imobiliária – que vendeu em 2007 aos espanhóis da Chamartín por 500 milhões de euros e os seus 50% na Amorim Turismo aos irmãos António e Joaquim e para entrou Jorge Armindo e o sobrinho José Américo Coelho Amorim. A holding familiar ficou então reduzida à cortiça em que Américo tinha 50% e os outros irmãos 25%.

A parceria com Isabel dos Santos

Neste período foi marcante a sua associação a Isabel dos Santos, e à Sonangol, que foi quem trouxe a filha do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, para o negócio. Os caminhos de Américo Amorim e da Sonangol cruzaram-se desde o tempo em que o empresário era acionista da Petrocontrol, bloco privado que foi acionista da Galp quando então se chamava Petrogal, e que várias vezes manifestou vontade de ter a Sonangol como acionista. Depois Américo Amorim fazia parte, tal como a Sonangol, do consórcio da Carlyle que em julho de 2004 concorreu para comprar a participação da ENI. Em 2005, o Governo liderado por José Sócrates, e tendo Manuel Pinho como ministro da Economia, optou por um desenho diferente para a Galp Energia. Além disso, Américo Amorim comprou em 1988 a Mabor, empresa produtora de pneus, tentou recativar as fábricas que esta tinha em Angola e em Moçambique, onde se deslocou várias vezes até que vendeu a empresa à Continental em 1993.

Em princípios de novembro de 2005, Américo Amorim fez chegar ao Governo uma proposta para aquisição da participação da ENI com base numa avaliação de quatro mil milhões, que depois viria a subir para cerca de cinco mil milhões. Nessa altura, a Amorim Energia tinha como acionistas a Power, Oil & Gas Investments B.V. (30%) e Oil Investments B.V. (5%) de Américo Amorim, a Amorim Investimentos Energéticos, SGPS, SA (20%) – em que Américo Amorim detinha 55%, a Caixa Galicia 45% e a Esperaza Holding B.V. (45%), em que a Sonangol tem 60% e Isabel dos Santos 40%.

Em abril de 2005, Fernando Teles, que no início dos anos 1990 fora incumbido pelo BPI de criar uma sucursal em Angola, que, em 26 de agosto de 2002, se constituiu em Banco Fomento de Angola (BFA), e se tornou no maior banco comercial privado, fez o seu próprio banco, o BIC Angola. Neste projecto em que tinha 20%, contou como sócios com Isabel dos Santos (25%), Américo Amorim (25%), a família Ruas (10%, com negócios no Brasil e parceiro de Américo Amorim em vários negócios financeiros como o BNC), Manuel Pinheiro Fernandes (Martal, empresa de supermercados e imobiliário) (5%), Sebastião Lavrador (presidente de um pequeno banco, o Sol, e ex-governador do Banco Nacional de Angola) (5%) e Luís Santos (Soclima) (5%).

Foi através da Sonangol que Américo Amorim e Isabel dos Santos começaram a investir em conjunto.

No ano seguinte, Isabel dos Santos e Américo Amorim adquiriam, através da Ciminvest, os 49% que a Cimpor (que tinha na altura a Teixeira Duarte como acionista de referência) detinha na Nova Cimangola. A empresa tinha uma fábrica no bairro da Petrangol e produzia 800 toneladas de cimentos, tendo subido para 1,2 milhões em 2005, depois de a Cimpor ter entrado no capital em 2004. No entanto, dois anos depois desta aquisição, a empresa portuguesa desentendeu-se com os outros sócios que eram o Estado angolano, com cerca de 40%, e o BAI (Banco Africano de Investimento) com 9,5%, e vendeu a participação por 74 milhões de dólares à Ciminvest.

Em 2007, Américo Amorim (35%) e Isabel dos Santos (35%) juntaram-se ao Banco BIC (30%) na Imoluanda, empresa imobiliária, um dos expertises de Américo Amorim, para lançar vários projectos imobiliários em Luanda. Em outubro de 2007, Fernando Teles, Américo Amorim e Isabel dos Santos vêem o Banco de Portugal autorizar o Banco BIC Portugal que foi então formalmente constituído em meados de janeiro de 2008. Tornou-se o primeiro banco português de capitais maioritariamente angolanos e contava com uma estrutura accionista idêntica à do BIC de Angola.

Foi também a época em que se começaram a deslaçar os negócios entre Américo Amorim e Isabel dos Santos. O primeiro passo foi dado na Nova Cimangola em que os dois sócios detinham 49% através da holding Ciminvest. No final de 2009, uma empresa controlada pelo marido de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, adquiriu a posição do empresário português. A explicação deste, segundo o Diário Económico, seria que “esta sua posição não era estratégica” e que “o sector dos cimentos está ainda muito governamentalizado. E, apesar de a Ciminvest ter 49%, a verdade é que é o Estado que controla a empresa”. No Banco BIC e no imobiliário quem fazia a ponte era Fernando Teles e portanto havia tempo.

Em junho de 2010, ficou-se a saber que a empresária Isabel dos Santos, accionista da Amorim Energia, escrevera a Américo Amorim a reforçar a intenção de sair da Amorim Energia e entrar diretamente na Galp. Foi a primeira vez que Isabel dos Santos saiu da sua posição de sleeping partner e, ao mesmo tempo, mostrou o seu distanciamento de Américo Amorim. Nesta altura já circulava a boutade que tanto era atribuída a Isabel dos Santos, como aos quadros da Sonangol: “Temos 40 anos, Américo Amorim tem 80 anos, por isso podemos esperar…”. Mas o certo é que Américo Amorim vendeu as suas participações no Banco BIC mas manteve o controlo da Galp Energia. Esta tem como chairman Paula Amorim desde outubro de 2016 quando substituiu Américo Amorim devido a doença. Já era vice-presidente desde 2012.

A herança empresarial

Américo Amorim fez nos últimos anos uma aposta no triângulo Atlântico com Portugal, Angola e Brasil a serem os seus centros de negócio, com incursões em Moçambique e Espanha. Mas a sua estratégia foi neste período por ser de navegação à vista. Identificava a oportunidade, investia e depois vendia.

Além de investimentos imobiliários em Portugal e no Brasil, para o qual Américo Amorim usava o seu conhecido feeling e também a sua capacidade negocial, deixou ainda participações no Banco Único, em Moçambique lançado em Agosto de 2011, e no Banco Luso Brasileiro no Brasil e na Tom Ford, moda e luxo.

O Grupo Amorim detém 25% do capital da marca de roupa de luxo Tom Ford.

Em Portugal o Grupo Américo Amorim produz anualmente cerca de 30.000 arrobas de cortiça com base na Herdade do Peral que tem 5.500 hectares de superfície. São cerca de 12 mil hectares em pleno Alentejo.

No Douro, o grupo é detentor da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, fundada em 1764 sendo uma das mais antigas da região demarcada, que desenvolve as actividades turística (Hotel Rural), vitivinícola e agrícola.

Na área agrícola tem uma exploração de cerca de 19.000 hectares em Moçambique, na região da Zambézia, com várias culturas, especialmente a cultura da soja, mas também o arroz e o feijão. No Brasil, na região da Bahia, no terreno de Maraú existe um extenso coqueiral com cerca de 120.000 coqueiros.

Mas são as contas bancárias, as participações na Galp Energia e na Corticeira Amorim os grandes activos do Grupo Américo Amorim e que fazem de Fernanda, Paula, Marta e Luísa a família mais rica de Portugal.

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Américo Amorim: o fazedor de impérios que gostava de dinheiro

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