Desde Durão que ninguém cumpre a promessa para a dívida

Guterres e Durão foram os únicos a cumprir a promessa no PEC para a dívida. Mas foi no último ano de Durão que furámos o teto de Maastricht e desde então o peso da dívida no PIB mais do que duplicou.

Não é uma promessa feita em comícios ou arruadas, mas todos os anos, desde 1999, os sucessivos governos enviam para Bruxelas um documento — chamado Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) — em que se comprometem com metas para os valores da dívida pública para o próprio ano e para os quatro anos seguintes.

Olhando para as promessas feitas a Bruxelas, quase sempre no sentido de baixar a dívida, chega-se rapidamente à conclusão que Durão Barroso foi o último, no Governo de incidência parlamentar PSD/CDS–PP em 2003, a cumprir aquilo que prometeu. Logo no ano seguinte, em que Barroso sai e entra Pedro Santana Lopes, Portugal furou pela primeira vez o limite dos 60% do PIB impostos pelos critérios de Maastricht e a dívida pública entrou numa escalada, tendo já superado a fasquia dos 130%.

Vale a pena uma viagem no tempo pelo gráfico da dívida pública, numa altura em que o tema entrou definitivamente na agenda. O PS e o Bloco, juntamente com o Governo, já apresentaram um documento para restruturar a dívida portuguesa. A resposta mais à direita chegou esta semana com o estudo sobre o mesmo tema da Plataforma para o Crescimento Sustentável, um think tank presidido por Jorge Moreira da Silva.

António Guterres prometeu e cumpriu

Vamos por partes. O PEC inscreve-se no contexto da terceira fase da União Económica e Monetária, que teve início em 1 de janeiro de 1999, com o objetivo de garantir o prosseguimento do esforço de disciplina orçamental dos Estados-Membros da União Europeia após o lançamento da moeda única.

Nele, os governos comprometem-se com valores para colocar a dívida numa rota sustentável e em Portugal António Guterres foi o primeiro a fazer um PEC. Não só conseguiu atingir os objetivos a que se propôs, como os superou. Em 2000 compromete-se a baixar a dívida para 57,1% do PIB e termina o ano com um registo melhor, de 50,3%. Conseguiu o mesmo brilharete em 2001, ano em que a economia cresceu 1,9%, depois de já em 2000 ter crescido quase 4%.

Barroso, o país de tanga e lá se foi o limite de Maastricht

António Guterres acabaria por sair em 2002, na sequência dos resultados obtidos pelos socialistas nas autárquicas de dezembro de 2001. O país virou à direita e seguiu-se Durão Barroso que não gostou do que encontrou nas contas públicas, tendo em abril desse ano proferido a famosa frase: “Os senhores [do PS] deixaram Portugal de tanga”.

Barroso aplica o que chama de “segunda versão do Programa de Emergência da Economia” e o ano termina com a dívida pública a subir para os 56,2%, mesmo assim muito perto dos 55,7% inscritos no PEC. No ano seguinte, volta a cumprir à risca a promessa: no PEC inscreve 58,7% e a dívida queda-se milimetricamente nos 58,7%.

Em 2004, Durão ruma a Bruxelas para a presidência da Comissão Europeia e a cadeira de primeiro-ministro fica para Pedro Santana Lopes. Nesse ano, o país falha por dois pontos percentuais a meta com que se comprometeu com Bruxelas, e pela primeira vez fura o limite de Maastricht para a dívida que impõe um teto de 60% do PIB.

Da maioria absoluta às medidas anticrise de Sócrates

No início de 2005, o atual provedor da Santa Casa de Lisboa perdeu as eleições para José Sócrates que, com maioria absoluta conseguiu acelerar o crescimento, culminando com uma taxa de 2,5% em 2007. Aliás, nos seis anos de poder de Sócrates, 2007 foi o único em que conseguiu baixar ligeiramente a dívida pública, em 0,8 pontos percentuais, de 69,2% para 68,4%. Ainda assim longe dos 64,4% com que o próprio se comprometeu com Bruxelas.

O primeiro-ministro José Sócrates, ladeado por Fernando Medina, então secretário de Estado do Emprego e Segurança Social, e Vieira da Silva, o titular da pasta (à dirt).PEDRO PINA/LUSA

A crise bate à porta em 2008 e, no ano seguinte, a ordem vinda de Berlim é para políticas expansionistas para debelar a crise.

No PEC desse ano, lia-se o seguinte: “a execução orçamental de 2009, em Portugal, foi fortemente marcada pela crise económica e financeira. Os desenvolvimentos da conjuntura macroeconómica refletiram-se nas contas públicas quer via estabilizadores automáticos — com particular incidência na quebra da receita fiscal — quer através das medidas anticrise que implicaram, sobretudo, acréscimos na despesa pública. Deste modo, o processo de consolidação orçamental, iniciado em 2005, foi interrompido em 2008, estimando-se que o défice das Administrações Públicas se tenha agravado em 6,7 p.p. do PIB entre 2007 e 2009”.

O défice derrapou e a dívida pública deu um pulo, abrindo um grande hiato entre os 69,7% prometidos a Bruxelas e os 83,6% de dívida contabilizados no final desse ano. No ano seguinte, o cenário repetiu-se e a dívida quase rompia a barreira dos 100%. Mas as políticas expansionistas acabaram por ter algum impacto no crescimento na economia (1,9% em 2010). Foi sol de pouca dura.

Evolução do rácio da dívida sobre o PIB nos últimos anos 17 anos

Mais 78 mil milhões da troika em cima da dívida

No ano seguinte, Portugal regressou à recessão, a dívida pública ultrapassou a fasquia dos 100%, os investidores pediam taxas de juros perto dos 7% a dez anos e o país viu-se obrigado a pedir ajuda internacional.

Chegou a troika que negociou o programa de resgate ainda com Sócrates, mas foi Passos Coelho, em coligação com o CDS-PP, que o pôs em prática. Foram três anos de austeridade e as tranches que iam chegando do FMI e da Comissão Europeia (78 mil milhões no total) atiraram a dívida para valores superiores ao da fasquia de 130% do PIB.

Durante esses anos a dívida foi penalizada por várias vias: a recessão colocou um travão às receitas e fez aumentar as despesas do Estado; as empresas públicas entraram em rotura e passaram para o perímetro da Administração Pública; a troika orçamentou muita dívida e despesa que estavam desorçamentadas; e foram descobertos buracos nas contas públicas na Madeira. A fatura do BPN (nacionalizado ainda no tempo de Teixeira dos Santos) e o colapso do BES (que obrigou o Estado a emprestar 3,9 mil milhões ao Fundo de Resolução da banca) agravaram ainda mais o endividamento de Portugal.

Já no final da era da troika, a economia volta a crescer 0,9%, em 2014, e mais 1,6%, em 2015, o que permitiu a Passos Coelho no seu último ano de Governo baixar o rácio do endividamento público de 130,6% para 129% do PIB.

Pedro Passos Coelho (à esq) e António Costa (à dir)TIAGO PETINGA/LUSA 25 abril, 2016

CGD e almofada baralham contas de Costa

António Costa não ganha as eleições de 2015, mas consegue um entendimento parlamentar com o PCP e Bloco que o leva ao poder.

No primeiro PEC que fez para o período de 2016 a 2020 prometeu a Bruxelas uma redução da dívida para os 124,8%, mas terminou o ano com o rácio da dívida nos 130,4%.

Costa manteve pelo menos parcialmente a almofada de liquidez deixada por Passos Coelho (o que estatisticamente ajuda a empolar o valor da dívida bruta) e é obrigado a colocar dinheiro de parte para socorrer à Caixa Geral de Depósitos que levou uma injeção de dinheiros públicos de 2,7 mil milhões de euros.

Para este ano, António Costa e Mário Centeno comprometeram-se com um rácio 127,9%, o que a acontecer representaria uma redução de 2,5 pontos percentuais. Para chegar a este valor, o Governo conta com um excedente primário (défice sem os juros pagos no serviço da dívida) de 2,7 pontos. E conta que o crescimento da economia (o PIB é o denominador do rácio da dívida e o seu crescimento faz baixar o rácio) tenha um impacto favorável de 4,1 pontos na dívida, o que anulará na quase totalidade o valor de 4,2 pontos que o país prevê gastar com o pagamento de juros.

É uma meta ambiciosa já que o Banco de Portugal veio anunciar, na semana passada, que a dívida pública bruta atingiu em abril deste ano um novo recorde de 247 mil milhões de euros. A história dos seus antecessores não joga a favor de Mário Centeno. Nem da dívida pública.

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