Qual o custo da venda do Novo Banco para o BE e o PCP?

O custo da venda para os contribuintes é uma incógnita. Hoje no debate parlamentar, BE e PCP vão tentar minimizar os custos políticos desta venda. Qual o valor? O ECO fez a questão a politólogos.

O acordo para o Lone Star ficar com 75% do Novo Banco foi anunciado na passada sexta-feira, mas a operação só vai ser concretizada depois de uma troca de obrigações e a luz verde final de Bruxelas. Mesmo depois da conferência de imprensa do primeiro-ministro e do ministro das Finanças, continuam a existir dúvidas. Na semana passada, Catarina Martins disse que este “é o momento de o Governo explicar o que está a pensar fazer”. De seguida, o Bloco de Esquerda marcou para esta quarta-feira um debate de urgência para debater o processo de venda. Mário Centeno vai estar presente para responder aos deputados.

Julgo que quando forem a votos, muito provavelmente o BE e o PCP vão pagar o preço de terem pensado no país primeiro.

Viriato Soromenho Marques

Politólogo

Esta quarta-feira, segundo a agenda parlamentar, não está prevista nenhuma votação relacionada com o Novo Banco. Os deputados vão discutir os pormenores do acordo, mas o processo continuará. Numa altura em que se discute qual os custos desta venda para os contribuintes — o PSD vai pedir à UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) que calcule custos de “perdão parcial de dívida” aos bancos –, qual é o preço político deste acordo para os partidos que apoiam o Governo? “Julgo que quando forem a votos, muito provavelmente o BE e o PCP vão pagar o preço de terem pensado no país primeiro”, responde Viriato Soromenho Marques ao ECO.

O professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa argumenta que o debate desta quarta-feira é “fundamentalmente uma manifestação [do PCP e BE] de presença perante os seus eleitores”. O politólogo admite que “não haver votação é o que salva a geringonça” no Parlamento, dado que na sua opinião a direita iria “votar oportunisticamente para tentar causar uma situação de crise política e de eventual derrube do Governo”. Essa salvação da geringonça tem, contudo, prejudicado o PCP e BE: as sondagens mais recentes deram boas notícias ao PS, mas não aos partidos mais à esquerda.

Para o politólogo é “indiscutível” que, “na opinião pública, na área da esquerda, que sempre foi maioritária no país, o Partido Socialista tem ganho pontos“. Na análise de Viriato Soromenho Marques este avanço dos socialistas também se deve ao apoio institucional de Marcelo Rebelo de Sousa, “uma lealdade absolutamente impecável”. No entanto, o atual equilíbrio é, na sua opinião, “muito instável” e, apesar de António Costa ainda esta terça-feira ter dito que quer uma geringonça mesmo com maioria absoluta, o futuro é incerto assim como o timing das eleições legislativas. A única certeza do professor é que só por “milagre” é que existirá uma “frente de esquerda”, ou seja, uma coligação pré-eleitoral.

Esta decisão do Governo PS constituirá certamente o primeiro dividendo significativo na relação de suporte entre as forças da esquerda parlamentar e o Governo.

Paula do Espírito Santo

Politóloga

A mesma opinião é partilhada por Paula do Espírito Santo, professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, que não tem dúvidas de que existe um custo político para o BE, PCP e PEV. “Esta decisão do governo PS constituirá certamente o primeiro dividendo significativo na relação de suporte entre as força da esquerda parlamentar e o Governo”, responde ao ECO. Na opinião da docente, a própria natureza da aliança política das esquerdas “implicou sempre um suporte político e ideológico baseado numa gestão política de curto prazo”. E, por isso, os “custos e ganhos são geridos a cada momento”.

Na opinião da politóloga, “a existência de um prejuízo político, mas também eleitoral”, em ano de eleições autárquicas, poderá dar mais força ao BE, PCP e PEV para negociar com o Governo em temas de curto prazo este ano. Contudo, para Paula do Espírito Santo, “esta provável negociação futura não refreará [evitará] um impacto eleitoral negativo para as forças de esquerda que suportam o Governo”.

No seu comentário de domingo na SIC, Marques Mendes afirmou que “BE e PCP enfrentam custos políticos” com esta venda. Para o ex-líder do PSD, os dois partidos estão “condicionados” pelo Governo: “Vivem em pânico de se fizerem algo mais duro, António Costa provoque uma crise e possa convocar eleições e ficar com a maioria absoluta”, argumentou.

Mais esclarecimentos?

A conferência de imprensa da passada sexta-feira deixou dúvidas no ar. Contudo, alguns pormenores da venda foram divulgados esta terça-feira com a revelação de que o risco de liquidação do Novo Bancoum cenário que até o PCP rejeita — ainda não está completamente afastado. Além disso, caso o Lone Star pretenda começar a receber lucros da instituição antes do período limite de oito anos imposto no acordo, a garantia do mecanismo contingente de capital desaparece.

Ainda existem dúvidas à volta, por exemplo, do plano do Lone Star relativamente à reestruturação que será realizada no banco, algo que também preocupa Bruxelas. Na passada sexta-feira, o gabinete da comissária europeia da Concorrência, Margrethe Vestager, revelou que os serviços da Comissão iriam contactar Portugal e o comprador “sobre os detalhes do plano final de reestruturação do Novo Banco”. “Este plano deverá ser apresentado à Comissão para que a venda seja formalmente aprovada ao abrigo das regras comunitárias em matéria de auxílios estatais“, concluiu.

Tal como o ECO revelou esta terça-feira, o plano de reestruturação implícito na venda deverá obrigar o Novo Banco a fechar 55 balcões, podendo estes encerramentos levar ao despedimento de 400 trabalhadores. Esse plano será negociado entre o Lone Star e a Direção Geral da Concorrência com a vigilância do Governo. A ideia será tentar evitar que o fundo negoceie condições mais danosas do ponto de vista social em troca de outras vantagens com vista à rápida obtenção de proveitos com a instituição.

Além disso, apesar de já não ser um banco de transição, o Novo Banco poderá continuar a manter limitações em termos de concessões de crédito a empresas e na captação de depósitos, tendo de praticar taxas em linha com o mercado. Atualmente, por ainda ser um banco de transição, fruto da resolução do verão de 2014, o Novo Banco estava limitado na sua operação regular.

PSD e CDS têm vindo a pedir mais esclarecimentos ao Governo, nomeadamente a razão pela qual o Estado, através do Fundo de Resolução, ficou com 25% do Novo Banco. Tanto Maria Luís Albuquerque como Assunção Cristas questionaram a responsabilidade dos restantes bancos por um banco que deixa de ser de transição. “É bom lembrar que um dos bancos do Fundo de Resolução é um banco 100% público e chama-se Caixa Geral de Depósitos”, relembrou a líder centrista na passada sexta-feira.

O debate também é útil porque na verdade nós não sabemos muito bem o que é isto.

Viriato Soromenho Marques

Politólogo

O debate também é útil porque na verdade nós não sabemos muito bem o que é isto“, afirma Viriato Soromenho Marques, que acha a situação “de tal forma confusa que nem conseguimos fazer as perguntas bem feitas”. “É uma venda? É uma doação? Em que condições? Qual é o horizonte temporal? E as guidelines no horizonte do novo dono?”, questiona, referindo que ainda “não sabemos nada”.

Para o professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa “a verdade é que estamos metidos num túnel muito profundo e julgámos de vez em quando que estamos a ver a luz ao fundo do túnel, mas estamos apenas a ver aquelas luzes de presença que há nos túneis”. O debate servirá assim, mais do que para votações, para ser “um momento pelo menos de esclarecimento das dúvidas”.

Contudo, na opinião de Paula do Espírito Santo, os partidos levarão a discussão do debate para questão laterais. Porquê? O objetivo é “a desfocagem do momento presente”, responde a politóloga ao ECO. “Tal como no caso das esquerdas na Assembleia da República, é provável que o debate da direita seja centrado em questões conjunturais e de curto prazo direcionadas para o presente e para as decisões políticas atuais, no que se refere a esta matéria”, considera a professor do ISCSP, da Universidade de Lisboa, recordando as responsabilidades do anterior Governo nesta matéria.

PCP e BE discutem, mas (para já) sem forma de impedir venda pela AR

Desde cedo — até em 2014 com a resolução do BES — que PCP e BE têm vindo a defender a nacionalização do Novo Banco. Três anos depois, os dois partidos fazem agora parte da solução política que António Costa conseguiu construir após os resultados das eleições legislativas de 2015. E é o Governo que daí resultou que anunciou a venda do Novo Banco na passada sexta-feira com o Fundo de Resolução a manter 25% da estrutura acionista do banco, uma solução que não agrada aos parceiros parlamentares. Depois de conhecer a decisão, Jerónimo de Sousa foi direto: “Tudo quanto se conhece desta venda só pode levar a concluir que tem custos presentes e futuros”.

Contudo, como a venda não passará — ao que tudo indica — por um ato legislativo do Governo, os deputados não têm forma de levar a venda do Novo Banco a votação no Parlamento. Os comunistas anunciaram esta segunda-feira que vão apresentar um projeto de resolução em que recomendam ao Governo suspender o processo de venda e considerar as medidas necessárias à nacionalização do Novo Banco. O PCP não quer “favorecer a liquidação do Novo Banco”, mas sim “assegurar a sua integração do setor público bancário”. Ainda não se sabe quando será a votação da resolução. No entanto, a recomendação, mesmo se aprovada no Parlamento, não resulta numa obrigação para o Governo.

“A entrega do Novo Banco é um erro”, referiu Catarina Martins na semana passada, critica que repetiu esta semana. “Defendemos que o Parlamento deve votar esta decisão”, declarou a líder bloquista. Um dos argumentos do Bloco é também a questão da banca nacional estar em mãos estrangeiras: as últimas alterações no sistema bancário português deixaram apenas a CGD em mãos portuguesas (o Estado), entre os principais bancos. Catarina Martins argumentou ainda que, a longo prazo, o preço da nacionalização seria menor.

No início de fevereiro, tanto comunistas como bloquistas levaram a nacionalização do Novo Banco à Assembleia da República, mas esbarraram nos votos contra do centrão PSD, PS e CDS. O projeto do PCP defendia “necessidade urgente de assegurar a direção pública do Novo Banco”. O texto bloquista recomendava ao Governo a nacionalização do Novo Banco, referindo a necessidade de apurar “todas as responsabilidades, anteriores e decorrentes da resolução”, além de um “debate alargado e democrático sobre o seu desígnio estratégico”.

A nacionalização defendida pela PCP e BE seria, na opinião do secretário de Estado das Finanças, “difícil de justificar”. Em entrevista à RTP, Mourinho Félix referiu duas razões: o peso excessivo que o Estado passaria a ter no sistema financeiro português e o impacto financeiro que a decisão teria. Tal como tinha argumentado António Costa na conferência de imprensa de sexta-feira, o impacto imediato para o Estado caso o banco fosse nacionalizado seria entre quatro e 4,7 mil milhões de euros.

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