Soares quer ver Portugal na CEE

Mário Soares é o pai da Democracia, o homem que lutou contra uma ditadura e nos salvou de outra. Para as gerações que nasceram depois da década de 70, há outro momento fundador: "Portugal na CEE".

Mário Soares foi tudo o que quis ser, ganhou e perdeu, marcou a história contemporânea do país no melhor e em algumas coisas que figuram na lista do que não deveria ter sucedido. Foi um homem, sempre, com as suas circunstâncias e contradições. Lutou contra uma ditadura e salvou-nos de outra logo a seguir, e se tivesse feito só isso já chegava para ficar na nossa história coletiva, mas para a minha geração, a de 70, se a liberdade era um dado adquirido, e por isso a fazer parte da história, e dos livros, o ato maior, o decisivo foi a decisão de levar Portugal até à porta da Comunidade Económica Europeia (CEE). E garantir que entrávamos.

Muitos dos que viveram a revolução e o 25 de abril, a liberdade conquistada e, nos meses seguintes, aquele momento único em que poderíamos ter passado a ser uma república soviética, não podem deixar de escolher a Fonte Luminosa como o ‘frame’ decisivo, aquela fotografia de Soares que está emoldurada na memória dos portugueses. A partir daí, Soares passou mesmo a ser o ‘pai fundador’ da democracia portuguesa. Tinha um lugar na história.

Um homem como Mário Soares encerra em si mesmo várias personalidades, algumas até contraditórias entre si. Muito se disse e escreveu sobre o Soares político, mas, por exemplo, o ensaio de Filipe S. Fernandes no ECO sobre a relação de Soares com o dinheiro, com a economia e com os negócios mostra o outro lado do político que não gostava de números. Neste ensaio é, aliás, possível perceber de forma muito clara a relação de Soares com empresários e banqueiros, o esforço que colocou no regresso de muitas famílias que tinham perdido tudo com as nacionalizações. A austeridade que aplicou no início da década de 80, com a ‘ajuda’ do FMI, precisamente a antecâmara da europeização de Portugal.

Assim, para os que nasceram na década de 70, o que marca a história é outro momento, outra fotografia, tão decisiva quanto a primeira no seu contexto histórico. A adesão à Comunidade Europeia, o ato decisivo que evitou definitivamente a ‘albanização’ do país.

Esta recordação é particularmente hoje, quando há tantas dúvidas sobre o projeto europeu, o ponto em que estamos. Soares não era, nos últimos anos, um defensor desta União Europeia, mas nunca deixou de ser europeísta. Foi, aliás, deputado ao Parlamento Europeu depois de ser Presidente da República, o que mostra o seu empenhamento numa Europa política e económica, com Portugal dentro.

O que seria Portugal se não tivesse entrado em 1986 na CEE, adesão imortalizada na música dos GNR ‘Portugal na CEE’? “Na rádio, na TV/nos jornais, quem não lê/Portugal e a CEE/Quanto mais se fala, menos se vê/eu já estou farto e quero ver/Quero ver Portugal na CEE/Quero ver Portugal na CEE/À boleia, pela rua/lá vou eu ao mercado comum (…) E agora, que já lá estamos/vamos ter tudo aquilo que desejamos…”

Sim, por causa de Soares, entramos e tivemos muito do que desejamos. Pelo menos até determinado momento. Se Soares fosse um líder político no ativo nos dias de hoje, estaria seguramente contra muito que foi feito na última década, coisas boas e coisas más, mas continuaria convictamente europeísta. E, arrisco dizer, apesar do que se ouviu dele nos últimos anos, estaria outra vez contra os que defendem uma espécie de novo isolacionismo europeu do país. A história reencontra-se.

Ninguém ousa antecipar o que será a União Europeia na próxima década, tais são as dúvidas e incertezas. Não é este momento que vivemos que justifica dúvidas sobre aquela assinatura, em 1985, no Mosteiro dos Jerónimos, quando foi formalizada a entrada de Portugal na CEE. Pelo contrário, Soares foi capaz de fazer a escolha certa. Obrigado.

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