Empreender na Cloud

  • Luís Neto Galvão
  • 24 Abril 2017

Em geral, os contratos cloud são caracterizados por um desequilíbrio grande das condições aplicáveis, em prejuízo do cliente, e pela enorme rigidez destas condições.

O mercado do cloud computing tem crescido de forma muito consistente ao longo dos últimos anos. E se o ritmo tem sido pontualmente prejudicado por fenómenos como o de Snowden e os escândalos das agências de espionagem americanas, isso não parece ser atualmente tão relevante. Só em 2017, a Gartner prevê um crescimento mundial de 17% no uso da cloud pública.

Tenho sido testemunha privilegiada deste fenómeno, já que foram múltiplos os contratos cloud que revi e negociei no primeiro trimestre deste ano. As grandes empresas e a Administração Pública, mesmo em setores que gerem informação mais sensível, têm aderido crescentemente a estes serviços e mantêm, pelo menos, uma parte dos seus processos de negócio alojados em prestadores externos.

Ao nível de novos projetos de empreendedorismo, pelo que me é dado observar, existe uma massiva adesão de start-ups à cloud como forma de redução de custos e de potenciação de ganhos em disponibilidade e escalabilidade do serviço. Porém, a pressão crescente dos clientes finais e dos reguladores para que seja assegurada maior transparência nas características e garantias dos serviços torna a contratualização dos serviços cloud um tema cada vez mais importante.

Em geral, os contratos cloud são caracterizados por um desequilíbrio grande das condições aplicáveis, em prejuízo do cliente, e pela enorme rigidez destas condições. São frequentemente de aceitação em bloco, através de um clique no final de um clausulado que em geral não se leu (ou compreendeu) por inteiro.

E mesmo quando negociados, é frequente o cliente não conhecer na totalidade as necessidades que vai satisfazer. Muitas vezes, participa nas negociações o responsável jurídico sem as áreas técnicas ou quando estas participam, não tem uma visão 360º aquilo que deve conseguir com o serviço contratado. É essencial que toda a equipa negociadora seja envolvida logo no momento da escolha do prestador de serviço, pois ainda que haja rigidez no clausulado, é importante comparar as condições contratuais de várias ofertas no mercado e fazer a escolha do prestador também em função dessas condições.

A este nível, as dificuldades começam logo com a falta de transparência e escassez da informação pré-contratual, quando a funcionalidades do serviço, requisitos mínimos, capacidade de armazenamento, preços, localização de dados, etc.. É também frequente os contratos terem disposições que permitem a sua alteração unilateral pelo prestador, sem que essa alteração permita ao cliente fazer cessar o contrato.

Há ainda uma escassez de garantias quanto a níveis de serviço ou SLA e penalidades pelo seu incumprimento, que frequentemente não existem ou são insuficientes. Em outros casos, ainda que existam SLAs e penalidades, o cliente não tem à sua disposição instrumentos que lhe permitam a medição do seu cumprimento.

As limitações ou exclusões de responsabilidade são também um tema central. A tendência é os prestadores cloud limitarem ao máximo a sua responsabilidade contratual por falhas de serviço. Uma tal limitação deve funcionar como um sinal de alarme e claro desincentivo à escolha do prestador, sobretudo se o serviço envolver a guarda de dados dos clientes.

Muito frequentemente, os prestadores impõem a competência de jurisdições que pouco têm que ver com o negócio (o mesmo se diga do direito aplicável). Por seu turno, há direitos muito relevantes em matéria de dados pessoais dos clientes que que cada projeto de empreendedorismo B2C terá de garantir a partir de maio de 2018, sendo essencial assegurar contratualmente a colaboração nesse sentido do prestador de serviços cloud.

Em matéria de segurança, é importante verificar as certificações do prestador e a realização por este de auditorias periódicas por entidade credível e independente. Na cessação do contrato, é fundamental conseguir a colaboração do prestador na migração dos dados por si alojados para um novo serviço. E determinar à partida quais os eventuais custos dessa colaboração.

Um projeto de empreendedorismo bem-sucedido assenta em grande medida na escolha de um parceiro tecnológico adequado. Para esse efeito, não descurar o contrato que com ele vamos subscrever é de crucial importância.

  • Luís Neto Galvão

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