Moody’s: “Portugal não precisa de continuar a ultrapassar as expectativas”

Em entrevista ao ECO, o analista dos ratings soberanos da Moody's, Evan Wohlmann, diz que Portugal tem de dar sinais que consegue manter a trajetória positiva quando o ciclo económico for negativo.

Em Lisboa, o analista da Moody’s para os ratings soberanos teve uma surpresa na sua apresentação. Perguntou aos presentes sobre as expectativas para o futuro da Zona Euro e as respostas foram menos positivas do que noutras cidades. “Não é comum que eu seja o mais otimista na sala“, comentou Evan Wohlmann, provocando o riso na plateia. Essa foi a mensagem que a agência de notação financeira deixou em Portugal: até agora tudo está a correr bem. Mas isso não quer dizer que vá continuar a correr.

A Moody’s — a única das principais agências que ainda não retirou Portugal do “lixo” — continua com dúvidas sobre se a tendência positiva está para ficar. Em entrevista ao ECO, à margem do evento anual da agência em Portugal, Evan Wohlmann explica que a próxima decisão a 20 de abril está dependente da avaliação que a Moody’s fizer da capacidade do país em manter a trajetória nos próximos três a cinco anos.

A olhar para o médio e longo prazo, o analista questiona-se sobre se o país tem espaço orçamental suficiente para cumprir as metas num ciclo económico negativo. E diz que nem é preciso “continuar a ultrapassar as expectativas”. Basta cumpri-las durante um longo período de tempo.

Evan Wohlmann, vice-presidente da Moody’s responsável pelos ratings soberanos.Paula Nunes / Eco

Foi o mais otimista na sala quando estava a fazer a sua apresentação. As agências de rating passaram para o outro lado no seu discurso?

Fiquei surpreendido com as respostas à questão colocada. Noutras cidades havia opiniões diferentes [mais positivas]. A nossa opinião sobre Portugal é positiva. Vemos um potencial mais positivo do que negativo. Os altos são mais do que baixos.

Na sua apresentação disse que Portugal está num bom caminho, mas não se comprometeu quanto à decisão de 20 de abril da Moody’s. O país pode esperar boas notícias?

Em setembro mudamos o outlook para positivo com base em três justificações. Em primeiro, o facto de termos visto uma maior sustentabilidade no crescimento económico. Depois, o facto das melhorias orçamentais superarem as nossas expectativas. Mas também vimos uma melhoria no saldo estrutural, o que nos deu confiança de que os futuros orçamentos serão prudentes.

O que nós estamos à espera não é de saber o que aconteceu em 2017 ou o que acontecerá em 2018. Estamos à espera de saber o que vai acontecer a médio e longo prazo. Temos de avaliar para lá do ciclo [económico].

Evan Wohlmann

Analista da Moody's para os ratings soberanos

Ou seja, os défices serão abaixo de 3% do PIB, mas os excedentes primários também vão manter-se nos 2%. Esses dois ingredientes permitiriam que o nível elevado de dívida pública começasse a cair. Ao mesmo tempo, tem diminuído o risco de haver uma taxa de juro mais alta dado os desenvolvimentos positivos em termos de financiamento do Estado: estender as maturidades e pagar antecipadamente dívida mais cara, o que ajudou a reduzir o custo médio da dívida.

Mas isso chega para ter boas notícias em abril?

Estes foram os motores do outlook positivo. O que queremos é saber se essas tendências económicas e orçamentais serão sustentadas. Quando a Moody’s mudou o outlook para positivo concluímos que era essa a perspetiva no horizonte dos próximos 12 a 18 meses. Essa é a orientação que nós demos. O que nós estamos à espera não é de saber o que aconteceu em 2017 ou o que acontecerá em 2018. Estamos à espera de saber o que vai acontecer a médio e longo prazo. Temos de avaliar para lá do ciclo [económico].

As condições cíclicas são boas hoje, mas temos de saber o que acontece quando as condições cíclicas virarem.

Evan Wohlmann

Analista da Moody's para os ratings soberanos

As condições cíclicas são boas hoje, mas temos de saber o que acontece quando as condições cíclicas virarem. Nós normalmente usámos um horizonte entre três a cinco anos. A dívida tem de começar a cair e os desenvolvimentos económicos que suportam essa queda têm de continuar.

Portugal tem sido visto como uma surpresa positiva pelas instituições internacionais. As outras agências de rating melhoraram a classificação da divida pública portuguesa. Precisam que essa surpresa continue a verificar-se nos próximos anos?

Uma surpresa significa que continua a ultrapassar as expectativas. Em 2016 o desempenho orçamental ultrapassou as expectativas e o mesmo deve acontecer em 2017. Mas nós não dizemos que isso é preciso para haver uma melhoria do rating. O que nós dizemos é que os desenvolvimentos positivos têm de ser sustentados e não a continuar a ultrapassar as nossas expectativas. Tem de ir ao encontro das nossas expectativas.

O que nós dizemos é que os desenvolvimentos positivos têm de ser sustentados e não a continuar a ultrapassar as nossas expectativas. Tem de ir ao encontro das nossas expectativas.

Evan Wohlmann

Analista da Moody's para os ratings soberanos

As nossas expectativas passam por uma redução sustentada e gradual da dívida pública. Para atingir esse resultado, quando as condições cíclicas mudarem, [Portugal] precisará de que a estrutura das contas orçamentais seja mais resiliente a choques. Isso passa por restringir a despesa e cortar em algumas áreas de forma a criar espaço orçamental. [A melhoria do rating] passará por confirmar essas expectativas e continuar essa trajetória.

Recentemente o acordo alemão teve um impacto positivo nos mercados. Prevê-se que as reformas da zona euro avancem em breve. Esse aprofundamento é visto com bons olhos pela Moody’s no que toca à resiliência de países como Portugal?

Dentro da Zona Euro, a maioria está com um outlook estável, com exceções positivas para Portugal e mais alguns países, sendo que a Itália fica com um outlook negativo. Mas a maior parte está estável. Isso reflete o nosso cenário base, onde não prevemos melhorias importantes no desenho institucional da zona euro.

Mas a partilha de riscos não seria importante para Portugal?

O que poderia diminuir os riscos para os países da zona euro seria a melhoria considerável das dívidas públicas elevadas. Essa é uma marca desta recuperação [económica]: vemos a dívida a estabilizar, mas sem diminuir face aos anos anteriores. Apenas 40% dos países tinham em 2018 uma dívida pública menor do que a registada em 2010. Isso é bastante impressionante particularmente porque existem taxas de juro muito baixas e condições cíclicas positivas.

Um choque das taxas de juro [por causa da retirada dos estímulos do BCE] está relativamente limitado devido ao atual perfil da dívida pública portuguesa.

Evan Wohlmann

Analista da Moody's para os ratings soberanos

Uma melhoria no total da dívida pública da Zona Euro seria um bom dado, assim como a implementação de reformas estruturais que resolvam algumas das fraquezas. Por exemplo, o sistema bancário que, em Portugal, ainda está relativamente fraco. Mas também existem problemas estruturais no mercado de trabalho que continuam a ser um desafio. Se olhar para o desemprego jovem em países como Grécia, Portugal, Espanha ou Itália onde é superior a 22%… Implementar reformas que resolvam essas fraquezas traria indicadores mais positivos para a Zona Euro.

A Moody’s considera que o fim do programa de compras do BCE terá pouco impacto em Portugal quando comparado com um choque económico ou orçamental. Porquê?

Os choques económicos e orçamentais são os riscos mais relevantes e seriam piores para o peso da dívida pública do que um choque dos juros. No caso de Portugal, o Banco Central Europeu já diminuiu consideravelmente as suas compras de dívida uma vez que o BCE atingiu os seus próprios limites. Em termos de compras diretas para Portugal, temos visto gradualmente essa ajuda a ser removida pelo BCE, mas as yields continuam relativamente baixas.

Isso traduz a melhoria do desempenho orçamental e económico, o que contribuíram para diminuir o risco percecionado pelos investidos. Ao mesmo tempo, o défice orçamental está a diminuir e, por isso, a necessidade de ir aos mercados [para ter financiamento] é menor do que nos anos anteriores. Um choque das taxas de juro [por causa da retirada dos estímulos do BCE] está relativamente limitado devido ao atual perfil da dívida pública portuguesa. O real impacto virá de um choque económico ou orçamental.

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