Em que é que Governo, BE e PCP ainda não se entendem no Orçamento do Estado para 2018?

  • Margarida Peixoto
  • 2 Novembro 2017

Os dossiês fundamentais para o Orçamento do Estado de 2018 estão fechados. Mas agora falta o trabalho de pormenor, que se discute na especialidade. Quais são os temas mais marcantes?

Construir um Orçamento do Estado é, quase por definição, um puzzle difícil de acabar. Não são raros os exemplos do passado em que se descobriu ao longo do ano que o puzzle tinha peças a menos, e que era preciso ser corrigido. Mas fechar um Orçamento em que há três partes que têm de se entender é passar para outro nível de dificuldade: trata-se de fazer filigrana. Durante dois dias, os partidos vão debater no plenário da Assembleia da República os temas fundamentais da proposta de Orçamento de Mário Centeno. Quais são os fios que Governo, Bloco de Esquerda e PCP ainda não conseguiram acertar?

Antes da apresentação da proposta de OE2018, socialistas, bloquistas e comunistas fecharam acordo sobre os grandes dossiers: atualização extraordinária das pensões, desdobramento de escalões do IRS ou progressões na função pública. Mas nem todos os pormenores da proposta estão concluídos.

Mário Centeno, ministro das Finanças, tem garantido que há abertura para ajustar o Orçamento, desde que o equilíbrio das contas seja mantido. “Não podemos hipotecar receita extraordinária em despesa permanente porque isso não é sustentável”, disse o ministro na apresentação do OE2018 aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças, e da Comissão do Trabalho. Mas afinal, o que é que ficou para a especialidade?

Derrama para empresas com lucros acima de 35 milhões

Será desta que a derrama estadual para as empresas com lucros tributáveis acima de 35 milhões de euros sobe? Esta é uma reivindicação do PCP e do BE, que defendem que o imposto já deveria ter subido quando o IRC baixou em 2015, conforme explicou a bloquista Mariana Mortágua, em entrevista ao ECO.

O PCP também tem sublinhado que subir a derrama estadual — a proposta é de 7% para 9% — seria uma forma de compensar o facto de as grandes empresas terem beneficiado do regime de reavaliação de ativos e do PERES, o Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado.

"Gostaria que registasse aqui o compromisso, claro e inequívoco, que o Governo assumiu com o PCP [de subir a derrama para empresas com lucros tributáveis acima de 35 milhões de euros].”

Paulo Sá

Deputado do PCP

Já depois de o Governo ter entregado a proposta de OE2018 no Parlamento, o PCP garantiu que tem um acordo fechado com o Executivo para aprovar a medida na fase de especialidade. “Gostaria que registasse aqui o compromisso, claro e inequívoco, que o Governo assumiu com o PCP”, frisou Paulo Sá na reunião da Comissão de Orçamento e Finanças com o ministro das Finanças, referindo-se à subida da derrama. Centeno não se comprometeu abertamente: “Temos a certeza que o debate na especialidade vai ter essa dimensão, tendo a certeza que necessitamos de um Orçamento do Estado com equilíbrios que permitam ganhar a confiança interna e externa”, respondeu o ministro.

Fim do corte no subsídio de desemprego

É outra alteração que tem vindo a ser reclamada pelo BE e pelo PCP. No último debate com o ministro das Finanças, Mariana Mortágua avisou: “Chegou o momento de cumprir.” A bloquista referia-se ao fim do corte de 10% que se aplica aos subsídios de desemprego, depois de seis meses de atribuição. Este corte só foi eliminado para os subsídios mais baixos, com o objetivo de proteger o valor mínimo da prestação.

"Chegou o momento de cumprir.”

Mariana Mortágua

Deputada do BE

A proposta vai ser submetida na especialidade e ainda não há pistas sobre se os socialistas a vão aprovar.

Limites às cativações

Este é um cavalo de batalha que une a esquerda à direita. À exceção do PS, todos os partidos têm criticado duramente a forma como o ministro das Finanças tem utilizado as cativações na gestão do Orçamento do Estado. Centeno foi acusado de não executar o Orçamento que a Assembleia da República aprova, ao deixar na gaveta parte das verbas cuja despesa foi autorizada.

Por exemplo, em 2016 foram cativados 1.746 milhões de euros ao valor total da despesa aprovada pelo Parlamento, dos quais ficaram por gastar 943 milhões de euros. Em 2017 o valor foi ainda mais elevado: 1.881 milhões de euros, tendo sido libertados até agosto 710 milhões de euros.

No parecer sobre a proposta de OE2018, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental estima as cativações previstas para o próximo ano em 1.776 milhões de euros, sendo que esta informação ainda não conta com as decisões que venham a ser tomadas no decreto-lei de execução orçamental. Este diploma do Governo acrescenta, normalmente, ainda mais cativações.

Os valores, que representam já perto de 3% da despesa total da administração central são considerados excessivos e por isso os partidos pedem dois tipos de compromisso: primeiro, que as cativações sejam mais moderadas, segundo, que não sejam acrescentadas por decreto, depois de aprovado o Orçamento pela Assembleia da República.

Mário Centeno negou o número apurado pelos peritos do Parlamento. O ministro garantiu que o valor de 2018 será “bastante inferior” ao dos últimos dois anos, embora Pedro Marques, ministro do Planeamento já tivesse dito que o número seria idêntico ao de 2017. E mesmo depois da insistência de todos os partidos, Centeno não revelou nenhum número alternativo ao da UTAO. O Bloco deverá insistir no tema na fase de especialidade.

Imposto do Sal

O PCP está contra o novo imposto sobre os alimentos com excesso de sal. Tal como o ECO já explicou, os comunistas reconhecem que é preciso reduzir o consumo de sal, mas defendem que o caminho não deve ser a via fiscal. A medida vale 30 milhões de euros na receita do Orçamento do Estado e ajuda a equilibrar as contas.

Ao ECO, o deputado do PCP Paulo Sá não deu garantias sobre o sentido de voto dos comunistas especificamente sobre esta medida.

Os “lesados de Mota Soares”

É uma reivindicação dos bloquistas: é preciso corrigir a “injustiça” cometida pelo anterior Governo PSD/CDS-PP com os pensionistas, diz o BE. No debate de generalidade do Orçamento da Segurança Social, o deputado José Soeiro apelidou os pensionistas que tiveram cortes elevados no valor da pensão de “lesados de Mota Soares”, devido às alterações nas regras.

É de esperar que o BE volte ao tema durante a discussão na especialidade. Aliás, esta quinta-feira o Público e o DN avançam que o Governo estará a discutir com os bloquistas uma compensação para estes reformados, através do Complemento Solidário para Idosos.

Listagem de todos os investimentos públicos

Tanto o PCP como o BE têm vindo a pedir garantias ao Governo de que os investimentos públicos vão mesmo avançar. Perante taxa de crescimento registadas na execução de 2017 que ficam ainda aquém da meta, o ministro das Finanças já reconheceu que há um atraso na execução dos investimentos, mas garantiu que não houve projetos cancelados.

No debate de generalidade com Mário Centeno, o PCP pediu uma lista com todos os investimentos previstos, detalhada. Centeno assegurou que no debate de especialidade fará um esforço por identificá-los.

(Notícia atualizada às 10h41)

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