Peniche, a onda que vale milhões

  • Telmo Fonseca
  • 25 Outubro 2016

Desde 2009 que o palco de uma das mais importantes etapas do circuito mundial de Surf é português. Com a vinda dos surfistas, vem também o retorno financeiro e a projecção mundial.

As praias portuguesas são consideradas as melhores da Europa no que toca ao clima e às condições marítimas para a prática do surf, com dezenas de locais apropriados para a prática do desporto, alguns dos quais entre os melhores do mundo, tais como Supertubos, Ribeira d’Ilhas ou o Canhão da Nazaré, este último que mantém ainda o recorde mundial da maior onda surfada no planeta. Se a isso juntarmos os sucessivos recordes de número de visitantes no setor do turismo, a prática do surf vem acrescentar mais um argumento de força na projeção internacional de Portugal.

Vamos a números: Segundo o estudo “A onda do Surf em Portugal terá impacto na Economia?” da Universidade Católica Portuguesa, de 2014, existem pelo menos 200 mil praticantes de surf em Portugal, dos quais 99% são amadores. O perfil genérico desse surfista é masculino, com idade média de 28 anos, grau académico superior, profissional ativo, e pratica em média duas vezes por semana. Segundo o mesmo estudo, mais de 37% da população portuguesa adquire produtos relacionados com o surf, independentemente de serem ou não praticantes, impulsionando a indústria nacional do vestuário, por exemplo. Existem casos de empresas portuguesas que já se dedicam exclusivamente à produção de vestuário para marcas de surf nacionais e internacionais.

Ouviu-se esta terça-feira o apito final no MEO Rip Curl Pro Portugal, na praia de Supertubos, prova que teve a presença dos melhores atletas do planeta, e acabou por decidir o detentor do título de campeão mundial deste ano: o norte-americano John John Florence. Durante a semana passada assistimos também à difusão de imagens impressionantes de surfistas de ondas gigantes na Nazaré, imagens essas que vão acabar por correr o mundo, já que concorrem ao campeonato mundial “Big Wave Awards”, uma competição que consiste em percorrer todo o planeta em busca das maiores ondas durante o ano inteiro.

Tudo isto contribui para uma imagem de um país que se está a afirmar como um dos melhores destinos de surf no mundo, gerando receitas anuais estimadas na ordem dos 400 milhões de euros, incluindo indústria, serviços e eventos associados.

“A capital da onda”

Fomos até Peniche falar com António Correia, o presidente de câmara que tem estado na linha da frente do apoio à realização da etapa mundial do WCT em Portugal, para compreender melhor a real dimensão deste evento que, desde 2009, tem trazido benefícios consideráveis à economia local e nacional.

antonio-correia

Durante os 15 dias de prova passam pelas praias do Oeste os melhores atletas mundiais e, com eles, cerca de 100 mil visitantes fora do período de época alta balnear, trazendo um impacto anual sobre a atividade económica de sensivelmente 10 milhões de euros. Mas as receitas não se ficam por aqui, já que a imagem da região e do país têm uma projeção interna e externa considerável: entre 2011 e 2015, o número de pageviews no site do evento quadruplicou, chegando já aos 42 milhões.

Pageviews no site oficial do evento WCT em Peniche

Fonte: Câmara Municipal de Peniche (Valores em milhões)
Fonte: Câmara Municipal de Peniche (Valores em milhões)

“Eu costumo dizer que há um antes de 2009 e um depois de 2009”, reconhece António Correia, referindo a existência de dois momentos específicos: “Um é aquele que decorre quando o evento está on, nestes 15 dias, mais uns antes e uns depois, em que há sempre gente que fica aqui. Aí, os estudos apontam para cerca de 10 milhões de euros de impacto ao nível da atividade económica. Cerca de um milhão de impostos, e isso tem importância que não se circunscreve exclusivamente ao concelho de Peniche, mas vai a toda esta área, concelho de Óbidos, concelho da Lourinhã. Toda a região Oeste beneficia disso.”

Estimativa de Receita fiscal com o WCT de Peniche, em 2015

Fonte: Câmara Municipal de Peniche (Valores em euros)
Fonte: Cãmara Municipal de Peniche (Valores em euros)

 

“Mas depois há aquele impacto que é o efeito multiplicador. Já devemos ter totalizado por volta de 70 milhões de euros alavancados por esta onda. Ou seja, quando nós dizíamos há uns anos que esta onda vale milhões, quando optámos estrategicamente por um caminho de não colocar aqui um porto de águas profundas. (…) Quando nós promovemos Peniche e este ecossistema global, todos ganham com isso”, reforça António Correia.

O estudo “Impacto do turismo no desenvolvimento local – o caso prático do Surf em Peniche”, realizado pela própria autarquia, indica um retorno global da realização da prova de 30 milhões de euros em 2015, com tendência para a fidelização dos visitantes, e a estabilização da maior parte dos impactos socioeconómicos.

Há aquele impacto que é o efeito multiplicador. Já devemos ter totalizado por volta de 70 milhões de euros alavancados por esta onda (…) nós dizíamos há uns anos que esta onda vale milhões.

António Correia

“Há condições para continuar” refere António Correia. “A vinda cá, aqui há dias, de dois ministros, numa conferência de imprensa, foi muito importante. Porquê? Porque connosco na conferência de imprensa, para além dos melhores surfistas – isto é a fórmula 1 do surf – estavam também patrocinadores fundamentais. O Turismo de Portugal diz ‘isto é inquestionável. Nós vamos estar aqui os próximos anos. Pela parte do Turismo, estão garantidos’. Dito à frente do ministro da Economia e da Ministra do Mar, não vale a pena dizer mais nada.”

“Há um caminho que eu acho irreversível e que acompanha aquilo que têm sido algumas decisões tomadas a nível mundial, e que nós temos subscrito e apoiado. O facto de o surf passar a ser modalidade olímpica vai ‘bombar’ a nível mundial”, refere António Correia, quando questionado sobre projetos futuros, tais como a instalação de uma piscina de ondas como complemento adicional às atividades que já existem na região.

“Esta aposta no Surf é para continuar”

Francisco Spínola, surfista e administrador da Ocean Events, empresa que organiza todas as provas da World Surf League – com exceção do circuito Prime dos Açores, que é realizado em parceria – refere que “o mais importante é as pessoas virem aqui a Peniche e verem efetivamente o desenvolvimento que esta prova trouxe para a região”, referindo-se ao desenvolvimento que a etapa do WCT trouxe, quer ao nível do alojamento, quer na criação de negócios e empresas associadas à prática do surf.

Em 2009, Portugal já tinha organizado etapas do circuito mundial, mas o surf ainda não era um desporto muito conhecido, e os apoios eram escassos. Na altura, Francisco trabalhava para a Rip Curl, uma marca multinacional de surf, e que organizava uma prova denominada “The Search”, que consistia numa etapa rotativa que podia ser realizada em qualquer parte do planeta.

“Nós candidatámo-nos a receber esta prova porque considerámos que era o evento mais importante da altura, no circuito mundial, e porque sabíamos que era a única hipótese que tínhamos de mostrar e trazer o WCT para Portugal (…) Portugal tem todas as condições para que estas provas possam acontecer cá!”

O mais importante é as pessoas virem aqui a Peniche e verem efetivamente o desenvolvimento que esta prova trouxe para a região

Francisco Spínola

Francisco reuniu os apoios do Turismo de Portugal, da Câmara Municipal de Peniche e da TMN, pegou nesse dossier e foi ter com o CEO da Rip Curl, que gostou da ideia. A partir daí, o evento correu tão bem, que o país acabou por ficar com a licença anteriormente atribuída a Espanha. “Tivemos um apoio institucional grande, quer da parte de ministros, quer da parte do próprio Turismo de Portugal, a dar-nos o conforto que sentem”.

De ano para ano, a etapa do WCT em Peniche cresce de forma consolidada, quer no número de visitantes, quer nos proveitos que turistas nacionais e internacionais vão trazendo para a região. A estadia média é de quatro dias, e as estruturas hoteleiras estão completamente lotadas “até Coimbra”. Em pleno mês de outubro, nem o mau tempo afasta das praias os surfistas e entusiastas deste desporto. Peniche é o centro do mundo do surf por estes dias, e tudo leva a crer que assim continuará. O país e a economia agradecem.

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