Um orçamento com um lado B

Bruxelas não impediu António Costa de mudar a austeridade e de apostar nos pensionistas. Afinal, há alternativa e os resultados só podem ser imputados ao governo.

O lado A da proposta de Orçamento do Estado para 2017 já é conhecida, a continuidade de uma estratégia orçamental que mantém a austeridade, mas muda-a de sítio, que continua a apostar nos rendimentos, agora dos pensionistas, e que não deu os melhores resultados este ano. Mas tem um lado B, a virtude de mostrar que a Europa não é um obstáculo às escolhas do governo.

Vamos, então, partir do princípio que o excel de Mário Centeno está correto, como não esteve este ano. Vamos admitir que o défice deste ano será mesmo de 2,5%, mesmo com receitas extraordinárias. Vamos admitir que a procura externa dirigida à economia portuguesa vai ser mesmo a que está prevista para 2017, mais 4,9%. E vamos dar como fiável todos os pressupostos, que, como se sabe, não foram cumpridos em 2016.

Muitas vezes, a Europa e particularmente a Comissão Europeia são apontadas como a razão de todos os males dos portugueses e da nossa economia, das contas públicas desequilibradas, do défice e da dívida – que continua a aumentar. Da economia estagnada durante anos. E a essa tese surgia a necessidade de ter políticas alternativas. Agora, essas políticas estão aí e os seus resultados poderão ser analisados nessa perspetiva.

Se no primeiro orçamento de António Costa, o governo ainda ensaiou um confronto com Bruxelas, que correu mal e obrigou-o a aumentar impostos indiretos para garantir um défice de 2,5% este ano, neste segundo orçamento a estratégia é outra. Para 2017, Costa assume as escolhas que quer fazer, mesmo sem ir tão longe como gostariam o BE e o PCP, mas cumpre, pelo menos no excel, as exigências de Bruxelas. Um objetivo de défice de 1,6% e uma redução do défice estrutural de 0,6 pontos, como decorre das exigências do Tratado Orçamental.

Dito de outra forma, como aliás, o ministro Mário Centeno disse em entrevista ao Jornal de Negócios, o governo não discute com Bruxelas “pensões ou impostos sobre a classe média ou a classe alta”. Pois não, assim cai a tese de que Bruxelas quer resultados e quer impor também o caminho para lá chegar. Até as medidas em concreto.

Seguramente, Bruxelas gostaria de outro caminho, porque este não dá nenhuma garantia de futuro. Mas se cumpre as metas de défice ano a ano, isso, como é evidente, tem de ser mesmo uma opção de cada governo em cada país. Senão, estaríamos mesmo uma Europa Federal. Ainda não estamos.

Bruxelas impõe metas, António Costa incorporou-as no orçamento. E por isso, porque queria ganhar o apoio dos pensionistas, este é um orçamento deles, depois do orçamento dos funcionários públicos, o Governo diferiu a eliminação da sobretaxa de IRS, aumentou impostos indiretos e criou até um novo imposto sobre o património, eufemisticamente denominado de ‘adicional de IMI’.

A TINA (There Is No Alternativa) afinal, é um mito. Há alternativa. O problema é outro, e por isso é que este orçamento tem pelo menos uma virtude. Os resultados económicos deste orçamento só poderão ser assacados a Costa, a Catarina Martins e a Jerónimo de Sousa. Como os de 2016.

O orçamento de 2017 é um instrumento de engenharia financeira com preocupações eleitorais e não um plano de incentivo à captação de investimento e emprego, ao crescimento económico. É um orçamento para um ano, se calhar menos ainda, é um orçamento de resistência, à espera do desgaste da oposição à Direita e domesticação à Esquerda. Pedro Passos Coelho não tem discurso alternativo, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa não têm discurso de diferenciação na igualdade dentro da geringonça.

É justo reconhecer, se o Governo cumprir a meta de défice público de 2,5% este ano, isso será importante para a credibilidade do país no exterior, para garantir a continuação do acesso aos mercados a um custo suportável. Se reduzir ainda mais o défice em 2017, melhor. Mas, de que forma e a que preço?

O caminho que o governo está a seguir, e que continuará no próximo ano, permite dominar o défice no curto prazo, mas estrangula a economia e por isso a dívida pública continua ‘a mostrar os dentes’. Se a economia não voltar a crescer mais do que o défice, o nosso caminho será insustentável. Outra vez. Mais cedo do que tarde. E não é preciso chamar o diabo.

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