Um governo, procura-se

O que se passa com António Costa, o político hábil e especialista a sair de situações difíceis? O governo está sem rumo e vai continuar enquanto Costa não mudar os ministros de Pedrógão e Tancos.

Ao fim de um ano e oito meses, o governo parece estar em decomposição, sem capacidade política, sem gestão, nem decisão, sem discurso, aos trambolhões, e no meio disto, o próprio primeiro-ministro vai de férias com o país em crise de confiança no próprio Estado. No dia em que regressa, é conhecido o pedido de demissão de três secretários de Estado por causa do Galpgate, o pagamento de viagens ao Europeu de futebol em França.

A demissão de Rocha Andrade, Jorge Oliveira e João Vasconcelos tem um ano de atraso. Deveriam ter pedido a demissão no dia em que foi aberto o inquérito, por evidente conflito de interesse, particularmente do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade. O governante já tinha tido a necessidade de anunciar que não decidiria nada em relação à Galp em termos fiscais. Faz algum sentido ter um secretário de Estado diminuído nas suas funções com um contribuinte como a Galp? Nenhum. Mas, há um ano, António Costa sentia-se capaz de assumir o risco de não proceder a uma remodelação. Inventou um código de conduta. Agora, não. Com o inquérito em curso, com a previsível constituição daqueles três membros do governo como arguidos, o primeiro-ministro tenta estancar crise, antecipar o que aí vem. E quando estão prestes a começar as negociações do orçamento do Estado para 2018, com particular destaque para as matérias fiscais.

Há outra lição a tirar deste processo: a relação entre o público e o privado já estava regulado por lei, no código penal, mas não era levada a sério. Havia, há, uma alínea que protegia estas relações: “conduta socialmente adequada e conforme aos usos e costumes”. O Ministério Público, ao contrário, considera que terá havido um “recebimento indevido de vantagem”. A investigação fará o seu caminho, mas este caso, como o do Face Oculta ou até da EDP mostram uma nova intolerância judicial, e bem, relativamente a estas relações.

Do ponto de vista político, se o caso destes três secretários de Estado surpreende pelo timing, o que se percebe é que António Costa continua preocupado com a forma e não com a substância. A manutenção dos ministros da Administração Interna e da Defesa será o prolongamento de uma agonia, de dois titulares políticos sem qualquer autoridade sobre os serviços que tutelam.

O Governo, sejamos claros, está politicamente paralisado, e paralisado continuará, enquanto António Costa não perceber que se quer mudar de ciclo, o tempo não é um dos seus aliados. Salva-se, para já, a economia e as finanças, que servem de amortecedor destes casos. Veremos durante quanto tempo.

Ironicamente, há um ano, o primeiro-ministro também estava de férias, mas garantia que o Galpgate estava encerrado, como diz agora, por interpostos ministros, sobre Pedrógão Grande e Tancos. Costa está a gerir o caso com base em focus group e em sondagens. Não por acaso, a conta de Twitter do Ministério da Administração Interna publicou um post em que publicitava a última sondagem, positiva para o PS. Depois apagou-o, mas a história não pode ser apagada. Ainda dizem que a Esquerda não gosta de fusões e aquisições, neste caso do PS sobre o governo, leia-se, sobre o Estado…

O primeiro-ministro anda perdido, mas nem se pode queixar do PCP e do BE, que têm alinhado em todas as decisões relevantes em termos económicos e orçamentais. Fazem muito barulho, agora sobre as cativações, porque descobriram que a austeridade anda por aí, mas são também cúmplices e coniventes do que o governo fez desde que está em funções.

Costa pode queixar-se é do que faz o próprio governo e os respetivos ministros. Percebe-se, além disso, que está sozinho na coordenação política, só não sabemos se por opção própria ou incapacidade alheia. Podemos recordar o caso dos juízes, também, o que se passa com os professores ou na saúde.

António Costa regressou hoje de férias. E para um governo enredado nas suas próprias contradições. A vida mudou, um governo, procura-se.

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