O capitalismo de bancada e sem capital

Quem quer comprar acha que o Novo Banco não vale mais. Quem acha que o banco vale mais não quer comprar. Não faz sentido, pois não?

Quem quer comprar acha que o Novo Banco não vale mais. Quem acha que o banco vale mais não quer comprar. Não faz sentido, pois não?

Sábado

Mário Soares morreu e com ele acaba o primeiro ciclo da democracia portuguesa. A ele o devemos, em grande parte. Nos momentos decisivos e verdadeiramente importantes soube sempre estar do lado certo da barricada.

Claro que cometeu erros, muitos, e tinha defeitos, alguns. Colocar estes à frente dos seus méritos é subverter a escala de valores colectivos, onde a democracia e a liberdade devem ocupar sempre um lugar cimeiro.

Em termos económicos hoje todos temos a noção que as próximas gerações vão viver pior do que as nossas. Com a saúde das democracias e das liberdades não se antevê uma evolução mais simpática do que esta. As ameaças estão em todo o lado, do populismo ao terrorismo, do pós-verdade à crise do jornalismo.

Vamos ter, certamente, saudades dos últimos 30 anos, os tais que em Portugal foram moldados por Soares. Que as novas e futuras gerações não tenham de lutar pela liberdade e pela democracia da forma que ele o fez é um dos melhores desejos que podemos fazer neste momento.

Quarta-feira

Portugal já paga mais de 4,2% para se financiar. Desta vez já não é a taxa de juro implícita nas transacções do mercado secundário, em que os investidores fazem negócio entre si sem um impacto directo no custo de financiamento do nosso défice. Os 4,2% que vamos pagar pelo empréstimo de 3 mil milhões de euros comparam com menos de 3% que os investidores nos cobraram há um ano numa operação semelhante.

É apenas uma operação, como sublinha cautelosamente a DBRS, a agência de rating que nos mantém ligados à máquina financeira. É verdade. Uma só operação que nos custa em juros mais cerca de 70 milhões de euros por ano do que o mesmo financiamento feito há um ano mas que não representa ainda o fim da Primavera.

Mas, mais uma vez, o importante é a tendência. E essa é preocupante. A Espanha e a Itália, por exemplo, estão a financiar-se com juros que são menos de metade dos que nos são exigidos. Saber isto e não assumir que há um problema de falta de confiança dos credores em relação ao país é voltar a meter a cabeça debaixo da areia, como aconteceu no início de 2010. Saber isto e ir à procura de justificações criativas, sejam elas Trump ou a inflação que está a crescer, é brincar perigosamente com o fogo.

Se a ideia é tornar a reestruturação da dívida absolutamente inevitável, então estamos certamente no bom caminho.

Quinta-feira

São conhecidas algumas das mentiras mais frequentes em todo o mundo. “O cheque já seguiu pelo correio” é, seguramente, uma delas. Quando o dentista, de alicate em riste, nos diz que “Não vai doer nada”, também está a mentir piedosamente. Ronald Reagan falava de outra: “Eu sou do Governo e estou aqui para o ajudar”.

E neste momento, em Portugal, querem convencer-nos de outra: “A nacionalização do Novo Banco é temporária e é uma coisa boa”.

Vou deixar de lado os que, por razões ideológicas, defendem esta e qualquer outra nacionalização. São os que, podendo, nacionalizariam da Padaria Portuguesa à Barbearia da Esquina porque defendem que o Estado deve ser o dono dos meios de produção.

O argumento que ouço da boca de empresários, economistas ou ex-governantes é que aceitar as propostas que estão em cima da mesa significam vender o banco “ao desbarato”.

Sempre estive convencido que o valor de alguma coisa é aquele que alguém está disposto a pagar por ele. E isto aplica-se a tudo. Do passe do Cristina Ronaldo a um quadro de Picasso, passando por um pastel de nata.

O Novo Banco já esteve no mercado uma vez no ano passado, numa operação aberta a quem quisesse desde que cumprisse as regras definidas. Falhou porque nenhuma proposta foi considerada satisfatória. Decidiu-se esperar mais algum tempo e abriu-se novo concurso. E volta-se agora a fazer a mesma avaliação: o preço oferecido é baixo, dizem alguns.

O caricato é isto: quem quer comprar acha que o banco não vale mais; quem acha que o banco vale mais não quer comprar. Não faz sentido, pois não?

O que faria sentido, sobretudo da parte de empresários, investidores e gente de negócios que consideram demasiado baixo o preço que está a ser oferecido, era fazerem uma oferta que cobrisse aquele valor e fizessem assim o negócio da sua vida. Era só serem consequentes com as suas declarações, colocando o seu dinheiro onde estão a colocar as palavras. Sem isso, ficamos nesta espécie de capitalismo de bancada que nem sequer tem capital.

Mas isso não acontece e o deserto de propostas portuguesas nos dois concursos do Novo Banco deviam fazer-nos pensar um pouco. Provavelmente não querem arriscar o seu próprio dinheiro mas têm ideias bem definidas sobre o dinheiro dos outros, sejam eles os candidatos à compra ou os contribuintes portugueses. Assim também eu, podemos pensar.

Há outra coisa altamente perturbadora em todo o debate público que já está a ocorrer. Ainda não vi divulgada uma avaliação global do Novo Banco. Tudo pesado, entre activos, passivos e potencial futuro de negócio e de libertação de fundos, quanto vale a instituição? Há métodos relativamente objectivos para se fazerem estas contas quando uma entidade não está cotada em bolsa e, por isso, não tem o seu preço formado constantemente no mercado. Com esse valor em cima da mesa poderíamos formar uma ideia mais esclarecida sobre as propostas que estão a ser feitas. Mas nada disto é feito.

Se o Novo Banco for vendido agora sabemos com clareza qual é o impacto nas contas públicas e qual é o máximo que podemos perder. O risco fica, em grande parte, no sistema bancário que detém o Fundo de Resolução. O Estado não deve dar qualquer garantia aos compradores e essa oposição do ministro das Finanças é a atitude correcta.

Mas faz algum sentido que quem quer evitar mais esse encargo potencial para o Estado possa estar, ao mesmo tempo, disponível para aceitar ficar já com o risco todo?

A nacionalização será uma aventura – mais uma – em que o risco é assumido integralmente pelos mesmos de sempre: os tansos fiscais, como lhes chamava Leonardo Ferraz de Carvalho, vulgarmente conhecidos como contribuintes. Depois, será o que Deus quiser. E Deus, como sabemos por experiência própria, não quer nada com os contribuintes portugueses.

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