Da Atouguia a Teixoso

A CGD é um banco público para quê? E as regras europeias condenam os bancos públicos a uma gestão privada? O exemplo da Caixa responde a estas perguntas.

Da Atouguia da Baleia a Teixoso (Covilhã) não são nove horas de distância. Mas é assim, qual remix dos Xutos e Pontapés, que tem andado a discussão sobre a CGD. É ver quem no parlamento desencanta a mais excêntrica ou recôndita freguesia portuguesa, reclamando pela presença concelhia da CGD, bradando pelo serviço público do banco público que, por estes dias, se dizia preparado para uma gestão mais privada que a dos próprios privados. Porém, enquanto Paulo Macedo anda, por lá fora, a contar a estória aos investidores estrangeiros, por cá, todos lhe vão boicotando a história.

“Não peçam à Caixa para ficar onde os outros não querem estar” – afirmava há dias Macedo. No entanto, é isso mesmo que todos lhe vão exigindo! Todos cantam “Maria”, como o Tim: “Queria ter um avião. Para lá ir mais a miúda. Dei cabo da tolerância. Rebentei com três radares. Só para te ter mais perto. Só para tu te dares. E saio agora. E vou correndo. E vou-me embora. E vou correndo. Já não demora”. Pois não. Há política, por agora. E todos querem na hora. O PM, autonomia. O PR, concelhia. E a geringonça, tudo queria. Maria!

A situação da CGD, e a recapitalização que o governo e os seus apoiantes parlamentares acordaram, faz-nos questionar: se a CGD se demite do serviço público que deveria prestar, o que tem sido repudiado por todo o parlamento – da esquerda (muito cínica) à direita (pouco coerente) –, então, para quê a CGD pública? E mais: se as regras de apoios de Estado da União Europeia obrigam a este tipo de contrapartidas, estarão os bancos públicos condenados a uma gestão do tipo privada? E o que é isso de gestão pública?

Ora, o exemplo da CGD responde a todas estas questões. Tal como os outros principais bancos (privados) em Portugal, desde 2008, também a Caixa reduziu a concessão de crédito à economia. Foram menos 10 mil milhões de euros de crédito a clientes, tendo o rácio de transformação (de depósitos em créditos) passado de 125% em 2008 para 90% em 2016. E também a Caixa, a exemplo dos demais, necessitou de sucessivos aumentos de capital: desde 2008, os aumentos de capital (incluindo os agora transformados cocos), líquidos de distribuições de dividendos, ascenderam a perto de três mil milhões de euros. E a estes, como bem sabemos, juntar-se-ão em 2017 pelo menos mais 2,5 mil milhões em dinheiro fresco coercivamente subtraído aos contribuintes. Mas em nome de quê?

O único motivo que hoje parece justificar a natureza pública da CGD é o facto de, historicamente, esta ser o porto de abrigo dos depositantes portugueses, sempre que há perturbações bancárias. Foi assim nos anos da Grande Recessão internacional. E também depois, durante a nossa troika. Mas como agora se depreende, a CGD nunca terá estado especialmente melhor que a generalidade dos privados.

A imagem de solidez, a referência de segurança num clima de insegurança, não terá passado de uma miragem. O mesmo, tendo como acionista um soberano teso como um carapau, da ideia dos seus bolsos fundos em momentos de maior aperto. Mas o bluff funcionou. Continua a funcionar. É isso que explica o desplante que resulta da constituição inaudita de provisões e imparidades no montante de três mil milhões de euros em 2016, incluindo uma cobertura por imparidades de 100% do crédito em risco a empresas! Assim é fácil, qualquer um pode ser banqueiro. Dá-se tudo como perdido. Vai-se buscar mais capital ao contribuinte – “no questions asked, and none answered”. E, pronto, problema resolvido. 2017 é ano de autárquicas e os contribuintes são burros de carga. Em nome de quê?! Da política.

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