Alertas e irresponsabilidades orçamentais

Do lado do Governo é que fica a dúvida se estão a fazer o que lhes compete: defender o interesse de Portugal, e não apenas uma estratégia partidária de poder.

Na passada segunda-feira, na conferência anual da Ordem dos Economistas, o Ministro das Finanças veio alertar que o período de baixas taxas de juro estava a terminar, e que Portugal tem de se preparar para essa mudança. O Doutor Centeno não foi o primeiro a alertar para a mudança na política monetária que se avizinha. Mas, salvo erro meu foi a primeira vez que o fez, o que o torna quase o último a fazer esse alerta.

Ora, depois de o Economista e reputado Académico Mário Centeno ter feito este aviso, e ter dito também que não havia “folgas” orçamentais, que é preciso rigor e manter as contas públicas equilibradas, não se compreende as críticas do Governo e do ministro Centeno ao Conselho de Finanças Públicas, à UTAO, à Comissão Europeia e ao FMI, quando todas estas entidades têm criticado fortemente a falta de consolidação orçamental estrutural e a oportunidade que está a ser perdida nos últimos três anos.

O problema é que três Orçamentos do Estado depois está Portugal melhor ou pior preparado para um período de subida das taxas de juro?

Creio que não está melhor preparado. Pelo contrário, podíamos (e devíamos) ter feito muito mais.

Isto porque o alerta chega depois de muita “irresponsabilidade” orçamental.

Na dívida pública, chegaremos a 2019 com a dívida acima dos 120% do PIB. Esse valor não é gerível em caso de uma recessão ou de forte turbulência nos mercados, ao contrário do que afirmou recentemente o secretário de Estado Ricardo Félix. Mais grave, é que desde 2015 que o défice estrutural não se reduz, mantendo-se em torno dos 2%. Isso implica que as contas públicas continuam desequilibradas. À mínima crise o défice nominal voltará para valores acima dos 5%, criando uma enorme pressão sobre as contas públicas e a dívida pública.

Diga-se que à boleia do crescimento económico nominal, de medidas one-off como o PERES, do aumento de impostos indiretos, do corte no investimento e nos serviços públicos, do aumento dos dividendos do Banco de Portugal e da redução da despesa com juros, as medidas tomadas no OE/2016, 2017 e 2018 representam um agravamento da despesa estrutural em 1,8 mil M€.

Veja-se o quadro abaixo. Entre 2016 e 2018 temos de windfall revenues (isto é, receitas conjunturais, incluindo aqui nesse conceito a poupança de juros), um total de 2,5 mil M€. Só que entre subida da despesa estrutural e redução de impostos (IRS e IVA restauração), temos medidas que representam 3,3 mil M€. Ou seja, o governo “gastou e distribuiu” muito mais “chapa” do que aquela que “ganhou”. Só que a “chapa gasta” é estrutural e a “chapa ganha” é conjuntural.

Assim, o défice nominal tem descido (apesar do atrás descrito) porque há crescimento nominal, medidas pontuais, redução do investimento público e corte no funcionamento dos serviços público.

A juntar a tudo isso temos que esta semana houve greve dos professores do ensino básico e secundário. Reclamam mudanças na progressão e no descongelamento da carreira.

O que fez o Governo? Por um lado apresenta uma proposta que procurando colher dividendos políticos já em 2019, atira as responsabilidades orçamentais para 2020 e anos seguintes. Ou seja, uma solução em “abstrato” para os professores, mas muito real para as contas públicas.

Mas por outro lado, há a proposta do PCP e do Bloco de Esquerda, totalmente irresponsável, de compensar os professores pelo tempo de serviço passado. Essa proposta representa um acréscimo de despesa pública de 600 M€/ano (mais 0,3% PIB). Mas como se trata na prática de uma perpetuidade (o aumento duraria décadas), a uma taxa de desconto de 4%, estamos a falar de um NPV (um valor atual líquido) de 15 mil M€ (qualquer coisa como 8% PIB).

O PS veio pedir ao PSD “para que não façam coligações negativas que viabilizem propostas que o Governo considera inviáveis do ponto de vista orçamental”.

Ou seja, acordos com o PCP e Bloco de Esquerda são agora “coligações negativas”? Mas só neste ponto, dado que desde outubro de 2015 que o governo do PS vive amparado na “geringonça”, negociando tudo com os dois partidos de extrema-esquerda no Parlamento.

Claro que todo o discurso, falso e propagandístico, de “fim da austeridade” só poderia conduzir a este resultado. Se a “austeridade” acabou, então o que esperar senão um avolumar das revindicações de todos os grupos de interesses? Os professores, os polícias ou qualquer outro grupo está apenas a fazer o que lhes compete: defender os seus interesses. Já do lado do Governo é que fica a dúvida se estão a fazer o que lhes compete: defender o interesse de Portugal, e não apenas uma estratégia partidária de poder.

Aqui chegados, percebemos bem o que a “geringonça” representa: um acordo (im)possível, visando apenas o poder. À custa de tudo: à custa da normalidade democrática que durante 40 anos fez com que o partido mais votado, mesmo sem maioria absoluta, governasse (76-78; 85-87; 95-99 com António Guterres; 2009-2011 com Sócrates). À custa da responsabilidade orçamental. E à custa do interesse nacional.

“Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela.” Maquiavel

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