A decisão sobre a solução para o Portela+1

  • Carlos Matias Ramos
  • 28 Maio 2017

A solução Portela+CTA (1ª fase), implica um investimento muito superior ao da solução Portela+Montijo, chegando a ser afirmado que a diferença de custo poderia atingir 2 mil milhões de euros.

No passado dia 17 de maio foi publicado um artigo de Joaquim Miranda Sarmento que muito me sensibilizou pela maneira como considerou, de forma extremamente cordata, as minhas apreciações sobre um artigo de opinião da sua autoria intitulado “O novo aeroporto de Lisboa”. Não é comum ser confrontado com tanta elevação na análise de textos que tenho produzido.

O meu obrigado e o meu reconhecimento por ter trazido à colação, de forma a contribuir para um maior esclarecimento dos leitores, um tema tão atual e complexo quando, tudo indica, a sua discussão está a ser votada ao esquecimento. Talvez no pressuposto de que a decisão política está tomada e não vale a pena discuti-la.

A forma como foi apresentada essa decisão por parte do Governo e a sua sustentação, justifica que o assunto mereça ser abordado e discutido, tendo em conta os vários fatores críticos que a deviam condicionar e que foram desvalorizados.

No referido artigo de Joaquim Miranda Sarmento foram formuladas várias considerações, merecendo duas delas particular atenção no sentido de assim podermos contribuir para a formação de uma melhor opinião.

Uma delas tem a ver com a possibilidade de utilização do aeroporto de Alverca como complemento do aeroporto da Portela, ou seja, como o +1 do Portela +1.

Esta possibilidade tem sido referida em artigos publicados em diversos jornais e revistas. Efetivamente sempre que se aborda o problema do futuro do aeroporto de Lisboa têm sido apontados como soluções completares possíveis os aeroportos de Alverca e de Sintra.

Para um melhor esclarecimento desta situação utilizo o conteúdo do relatório da Eurocontrol (Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea), de 2016. Neste relatório é feita uma análise destas soluções alternativas, na perspetiva de cada um destes aeroportos poder constituir o “+1” do Portela +1, tendo concluído o seguinte.

“Os aeroportos de Sintra e de Alverca, devido às suas localizações e orientações das pistas, interferem com o tráfego nas descolagens e nas aterragens no Aeroporto Humberto Delgado, reduzindo o espaço aéreo disponível e a capacidade da pista, tornando inatingível o objetivo estabelecido de 72 movimentos por hora” (valor máximo considerado como possível no conjunto Portela+Montijo, sendo 48 na Portela e 24 no Montijo).

Esta conclusão corrobora os resultados de estudos anteriormente conduzidos por instituições aeronáuticas nacionais, como a ANA.

Ou seja, em termos práticos e centrando-me no caso do aeroporto de Alverca, existe uma interdependência entre as operações neste aeroporto e na Portela, dada a sua proximidade e a orientação quase coincidente das respetivas pistas. Esta situação traduz-se na ocupação de espaço aéreo, com afetação das sequências de partidas e chegadas no aeroporto da Portela e, consequentemente, na redução da capacidade máxima de utilização da sua pista.

Um outro aspeto tem a ver com o facto de o aeroporto da Portela ser uma peça crítica da competitividade da cidade de Lisboa e da região. Todos temos consciência que este aeroporto, situado no interior da cidade, é vantajoso do ponto de vista de competitividade e de comodidade para os habitantes e visitantes de Lisboa que o utilizam.

Há, no entanto, que ter em conta que se trata de um aeroporto dentro da cidade, com inconvenientes dos pontos de vista de segurança (as estatísticas demonstram que o maior número de acidentes aéreos ocorre nas fases de aproximação/aterragem e de descolagem/subida e estas desenvolvem-se sobre a cidade de Lisboa) e ambiental (poluição sonora e qualidade do ar).

Face a estes condicionamentos têm ocorrido diversas iniciativas governamentais, com vista a estudar uma nova localização para o aeroporto. Em 1969 foi criado o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL), que teve por objetivo “empreender, promover e coordenar toda a atividade relacionada com a construção do Novo Aeroporto de Lisboa”.

O relatório deste Gabinete, publicado em 1972, atribuiu graves inconvenientes à localização do aeroporto da Portela resultantes de (cita-se) “se encontrar praticamente dentro da cidade e não se vislumbrar qualquer hipótese de expansão”. Não é, portanto, um problema novo.

Para além dos problemas de segurança e ambientais já referidos, é imperioso resolver a situação resultante de a evolução do fluxo esperado de aviões e passageiros, conduzir inexoravelmente ao esgotamento da capacidade da Portela.

Em relação ao esgotamento, considerando os resultados do estudo desenvolvido pela Eurocontrol, que enunciei no artigo publicado em 13 de maio, verifica-se que ele ocorrerá em 2030.

Chama-se a atenção para o facto de neste estudo ter sido adotada uma capacidade máxima na Portela de 48 movimentos por hora em hora de ponta, o que só será possível se, entretanto, forem executadas obras significativas de melhoramento das infraestruturas de terra e ar. Na situação atual a capacidade máxima é de 40 movimentos por hora. Caso não se processem em tempo as referidas obras, o esgotamento ocorrerá bastante mais cedo.

Em consequência desse esgotamento, a procura de tráfego que exceda a capacidade da Portela (de companhias “low cost” ou tradicionais) terá de ser acomodada exclusivamente na capacidade oferecida pelo aeroporto complementar.

O estudo conclui igualmente que em 2030, mesmo assumindo a referida capacidade máxima na Portela, terão de ser desviados para o Montijo 46 movimentos por dia (aterragens e descolagens), utilizando assim uma parte significativa da sua capacidade.

Tendo em conta o estabelecido no contrato de concessão, a ANA/VINCI propôs, e o Governo aprovou, a solução Portela+Montijo. Só que esta solução, como justifiquei num artigo no Expresso de 18 de março e noutras intervenções públicas, terá a sua capacidade esgotada em meados da década de 30. Não foi ainda rebatida esta conclusão com base em argumentos técnicos.

Nesta conformidade, face à data previsível para o esgotamento da solução Portela+Montijo, o tráfego aéreo adicional que pretenda utilizar o aeroporto de Lisboa terá de ser recusado. Será esta a melhor solução para o País e, em particular, para a Área Metropolitana de Lisboa? Confrontados com esta situação, será que o que se pretende é essencialmente manter a todo o custo a Portela?

Face a estas dúvidas e certezas tenho vindo a defender a solução com a localização do aeroporto complementar no Campo de Tiro de Alcochete (CTA), considerando inicialmente apenas a 1ª fase de construção. As restantes fases serão construídas à medida das necessidades da procura, o que permitirá diferir os investimentos, utilizando a Portela enquanto tal for possível, sem comprometer o futuro da capacidade aeroportuária de Lisboa.

Em relação ao investimento inicial, tem sido referido pelo Governo e pela ANA/VINCI, sem justificação conhecida apesar de solicitada, que a solução Portela+CTA (1ª fase), construída de raiz, implica um investimento muito superior ao da solução Portela+Montijo, chegando a ser afirmado que a diferença de custo poderia atingir, ou mesmo ser superior, a dois mil milhões de euros!

Surge então a seguinte questão. Como é que a construção de dois aeroportos, com infraestruturas de terra e ar análogas (Montijo e CTA-1ªfase), podem ter, em comparação de custo, uma diferença de dois mil milhões de euros?

Tenho muita dificuldade em lidar com posições que não estejam devidamente justificadas, razão do meu apelo para ter acesso aos estudos e, em particular aos “master plan” dos aeroportos previstos nas localizações no Montijo e no CTA que sustentaram esta espantosa diferença de custo. Como referi no artigo anterior, com dois mil milhões de euros ter-se-iam construído três pontes Vasco da Gama.

Repito, por isso, o que afirmei no artigo de 13 de maio. A solução de um aeroporto de raiz, com localização no CTA, funcionando numa 1ª fase complementarmente à Portela, tem racionalidade estratégica e económica, ajustando-se aos interesses do País em função das suas disponibilidades financeiras e de longevidade, por forma a não comprometer o futuro. Tal não acontece com a localização no Montijo.

  • Carlos Matias Ramos

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