“As pessoas vão deixar de ir aos EUA porque não vão onde não se sentem bem-vindas”

1,2 mil milhões de turistas podem ser 1,2 mil milhões de oportunidades ou de desastres. Depende de nós. Em entrevista, o secretário-geral da Organização Mundial do Turismo fala sobre o boom do setor.

Taleb Rifai está impressionado com o “pequeno Portugal”. O secretário-geral da Organização Mundial do Turismo (OMT) esteve por cá para assinar o memorando de adesão de Portugal ao Ano Internacional do Turismo Sustentável e, em conversa com o ECO, garante que nunca ouviu um presidente ou primeiro-ministro falar do turismo como os portugueses falam. Sobre o futuro do setor, não tem dúvidas: Donald Trump vai afastar turistas dos Estados Unidos, mas nem ele nem ninguém vai impedir o turismo de continuar a crescer acima dos 3% ao longo dos próximos anos.

Este é o ano do turismo sustentável. Que avaliação faz do turismo hoje? Há práticas que coloquem em causa a sustentabilidade das cidades?

Costumamos dizer que 1,2 mil milhões de turistas internacionais podem ser 1,2 mil milhões de oportunidades ou 1,2 mil milhões de desastres. Tudo depende de nós. Seria injusto dizer que todas as práticas de turismo hoje são boas e positivas. Há um lado negro do turismo, claro. Mas, de um modo geral, se avaliarmos o impacto do turismo nas pessoas e no planeta nas últimas seis décadas, os resultados são bastante positivos, muito mais positivos do que negativos. Foram criados mais empregos, mais pessoas estão a sair da pobreza, mais famílias estão a aumentar os seus rendimentos, há mais crescimento, mais comércio. Mais importante do que isso, quanto mais pessoas estiverem a viajar, mais pacífico se torna este mundo, porque as pessoas passam a compreender-se umas às outras e quebram estereótipos. Nunca podemos odiar pessoas com quem jantámos, de quem ouvimos histórias, cujas músicas ouvimos.

Quanto mais pessoas estiverem a viajar, mais pacífico se torna este mundo. Viajar é o melhor remédio para a intolerância e a ignorância.

Taleb Rifai

Secretário-geral da Organização Mundial do Turismo

O turismo ajuda a acabar com a ignorância.

Definitivamente. Viajar é o melhor remédio para a intolerância e a ignorância. Abre os olhos, tornamo-nos melhores sociedades e melhores pessoas. Isso está a acontecer. Mas temos de nos manter vigilantes porque isto pode inverter-se. Há muitos lados negros.

Por exemplo?

Prostituição infantil, tráfico infantil, trabalho infantil, transferência de vida selvagem de África para outras partes do mundo, perdas de biodiversidade em alguns lugares. Nem todas as práticas são boas práticas. Mas, repito, o impacto foi mais positivo do que negativo. Aliás, os casos negativos estão a ser isolados. Por isso, estamos muito esperançosos de que esta indústria possa fazer a diferença no futuro do mundo.

Já o ouvimos criticar a medida de Trump que proíbe a entrada de algumas pessoas nos Estados Unidos. Que consequências terá esta medida para o turismo?

A experiência e a história mostram-nos que nada vai parar. O turismo é um sintoma do século XXI e as pessoas vão continuar a viajar, independentemente de qualquer medida. Portanto, a medida de Trump não terá qualquer impacto a nível global. Contudo, é preciso notar que as pessoas vão deixar de ir aos EUA, não por causa de restrições, mas porque as pessoas não vão a sítios onde não se sentem bem-vindas. Porque é que gosto de vir a Portugal? Porque me sinto bem aqui. Sinto-me bem-vindo em Portugal, sinto que há pessoas que me compreendem e que eu compreendo. Os EUA estão a enviar a mensagem de que não querem visitantes. O mundo está aberto. Se não se vai a um sítio, pode ir-se a outro.

A realidade, desta vez, vai atingir os EUA com muito mais força. No 11 de setembro, o que aconteceu levou a uma atmosfera de não querer estrangeiros no país, mas havia empatia para com os EUA por causa do que aconteceu. Hoje, não é esse o caso. Há ressentimento para com estas políticas.

Taleb Rifai

Secretário-geral da Organização Mundial do Turismo

Isso vai funcionar como um alerta para os EUA? Vão acabar por mudar de posição?

Definitivamente. Os EUA demoraram dez anos, depois do 11 de setembro, a acordar e a mudar as políticas de restrição de entrada no país. O prejuízo foi de 600 mil milhões de dólares. Espero que os EUA não voltem a sofrer muitos prejuízos antes de acordarem para a realidade. Mas a realidade, desta vez, vai atingi-los com muito mais força. Porque, no 11 de setembro, o que aconteceu levou a uma atmosfera de não querer estrangeiros no país, mas havia empatia para com os EUA por causa do que aconteceu. Hoje, não é esse o caso, pelo contrário. Há ressentimento para com estas políticas. Para lá das restrições, há um sentimento e uma mensagem de ‘não queremos que venham, não queremos que façam parte da nossa sociedade’. E esta é a parte mais séria e perigosa. Sim, esta situação vai corrigir-se a si própria, em algum momento. Acreditamos que tem de se estar do lado certo da história para ajudar a construir um futuro. Se estiver do lado errado da história, nunca vai ser bem-sucedido. Mas, infelizmente, há muitos prejuízos que podem aparecer até que isso aconteça.

Estas medidas poderão afetar o crescimento do turismo a nível mundial?

Continuamos a prever um crescimento de 3% a 4% este ano, no próximo e no próximo. O crescimento será em todo o mundo, exceto no Médio Oriente, por razões compreensíveis, onde se irá registar uma queda de 4%. Nada vai impedir as pessoas de viajar. É um direito humano, como o direito à educação, à habitação. Tenho o direito de viajar, de aproveitar o mundo, de relaxar, de fazer negócios. Isso não vai parar.

Que riscos poderão afetar o crescimento global?

Há três grandes desafios que também são riscos. Um, claro, é a segurança. Temos de promover viagens seguras e fáceis, amigas dos viajantes. As pessoas têm de se sentir seguras quando viajam, mas também têm de se sentir bem-vindas, têm de sentir que não vão viajar apesar das pessoas que as vão receber, têm de ver uma cara sorridente, braços abertos, um agente de imigração que carimba o passaporte de verde sem as fazer sentir que são suspeitas. O segundo e mais importante risco é o da tecnologia. Se a nossa indústria não acompanha as mudanças introduzidas pela tecnologia, vai ficar para trás. A tecnologia mudou as regras do jogo completamente, fez com que o consumidor, o viajante, tenha muito mais poder do que alguma vez teve. A indústria tem de ajustar a sua relação com o seu consumidor.

Há destinos tradicionais em risco por não estarem a acompanhar a tecnologia?

Qualquer destino será deixado para trás se não abraçar as mudanças tecnológicas. Temos de ter posições muito claras na economia da partilha, por exemplo. Temos de abraçá-la, não lutar contra ela. Mas controlá-la também. No fundo, torná-la numa força do nosso lado.

Algumas cidades estão a dizer que não querem mais turistas. Essa é uma abordagem muito limitada e não compreende que o falhanço não está nos números, mas na gestão destes números.

Taleb Rifai

Secretário-geral da Organização Mundial do Turismo

E o terceiro risco?

É a sustentabilidade. Quando temos crescimento, temos poder, quando temos poder, temos responsabilidade. O impacto nas pessoas e no planeta deve ser medido com muito cuidado, porque pode criar a reação a que aludiu na sua questão inicial. Algumas cidades, por exemplo, estão a dizer que não querem mais turistas. Essa é uma abordagem muito limitada e não compreende que o falhanço não está nos números, mas na gestão destes números. Não podemos não crescer. O crescimento é a nossa história. Mas temos de gerir o crescimento de forma a distribuir os benefícios do turismo por toda a gente.

Como se faz isso?

Ao gerir as multidões e os números. Ao dispersar a multidão por uma área geográfica mais ampla. A maioria das queixas está relacionada com o facto de as pessoas estarem concentradas num só sítio da cidade, no centro da cidade, ao mesmo tempo. Isto ao mesmo tempo que as pessoas que vivem a meio quilómetro do centro da cidade dizem que não têm turistas suficientes, não têm benefícios suficientes. Isto acontece porque não estamos a criar atrações e razões suficientes para as pessoas irem para fora dos centros das cidades. Há muitas formas de gerir as multidões. Podemos criar atrações fora das áreas congestionadas, para que o turismo se torne numa força que nós controlamos. Sempre com a certeza de que, quanto mais crescimento, mais benefício para as pessoas. Em vez de ter os sítios a sofrer, queremos reduzir a pressão para que as pessoas beneficiem mais. Mas a resposta não é, definitivamente, parar de viajar ou impedir os turistas de entrarem. Essa é uma atitude muito derrotista, que reflete o falhanço da nossa gestão, nada mais.

Nunca vi tanto esforço e ação coordenados entre um governo e o setor privado. O que está a acontecer em Portugal é uma história que tem de ser contada ao resto do mundo.

Taleb Rifai

Secretário-geral da Organização Mundial do Turismo

Esteve por cá durante alguns dias para assinar o memorando de adesão de Portugal ao Ano Internacional do Turismo Sustentável. Com que impressão ficou? Como vê o destino Portugal hoje e o que prevê para o país nos próximos anos?

O crescimento do país é evidenciado pelas estatísticas. Há um crescimento de quase 13%, o que representa três a quatro vezes mais do que o crescimento médio mundial. Esse crescimento também se traduz em receitas, não apenas em números. O crescimento é evidente e não há qualquer contestação relativamente a isso. Para onde vai? Vai para a direção certa, porque estão a ser implementadas as políticas certas. Nunca vi tanto esforço e ação coordenados entre um governo e o setor privado, para fazer uma coisa que se baseia na vontade política de fazer a mudança. O que está a acontecer em Portugal é uma história que tem de ser contada ao resto do mundo.

O que dirá ao resto do mundo quando falar de Portugal?

Olhem para o exemplo do pequeno Portugal que está a fazer a coisa certa. Um país pequeno pode transmitir uma grande mensagem e Portugal está transmitir uma grande mensagem. A inovação no setor, a crença no setor, a maior facilidade na atribuição de vistos, os cortes nos impostos, a educação das pessoas, a compreensão de que o turismo é uma força boa. Nos últimos quatro anos, eu o presidente Conselho Mundial para as Viagens e Turismo visitámos 84 presidentes e primeiros-ministros. Nunca ouvi um presidente ou primeiro-ministro a falar do turismo da forma como os portugueses falam. É muito impressionante.

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