Uma semana de “copos e mulheres”

Dijsselbloem, o défice mais baixo da Democracia, a emissão de obrigações da Caixa Geral de Depósitos e o nível de dívida pública. Quatro indicadores de uma semana de "copos e mulheres".

Dijsselbloem

Não há nada que estimule mais Portugal que uma boa polémica, amplificada nas redes sociais. E se essa polémica visar um defensor da “austeridade”, e lhe adicionarmos um suposto “ataque” ao país e à sua honra, então nada une mais os portugueses.

Falo da declaração de Dijsselbloem, que retirada de contexto, pareceu acusar os países do sul de gastarem tudo em “copos e mulheres”. Que o homem não disse isso, dessa forma literal, parece-me evidente. Tentou usar uma metáfora (ou se preferirem, um “erro de perceção mútua”, afinal Dijsselbloem também é socialista) que lhe saiu mal. Mas de um tipo que mente até no mestrado em Cork, não se pode esperar muita inteligência.

De repente, o país uniu-se na condenação! Quase parecia a resposta ao “Ultimato Inglês” de 1890! Só faltou chamar a fragata “Vasco da Gama” da missão da NATO para ir bombardear o porto de Roterdão! Mas de facto, onde vamos parar se os políticos começarem a usar metáforas destas? Qualquer dia usam termos como “feira de gado”, “pokemons” ou outros sobre o segredo de justiça.

Mas se Dijsselbloem tivesse dito isto, estaria a ser criticado?
“Não se pode passar os últimos 15 anos no Euro com défices acima dos 3%, ter uma dívida que é mais do dobro dos 60%, construir milhares de km de autoestradas sem tráfego, estádios sem assistência e outras infraestruturas desnecessárias, ter serviços públicos pouco eficientes, um número elevado de funcionários públicos, negócios estranhos na Caixa, no BES e outros bancos, e tudo isto, e muito mais, numa economia que há 15 anos que está ou estagnada ou em recessão “.
Antes tivesse sido com “copos e mulheres”, sempre tinha tido mais piada…

O défice mais baixo da democracia

Entretanto, sexta, dia 24, o INE divulgou o “défice mais baixo da história da democracia”: 2,1% do PIB.

Já expliquei várias vezes a quem não percebe como foi este défice alcançado, e o INE apenas confirma o óbvio: 0.6 pontos percentuais (p.p). em medidas extraordinárias (PERES no valor de 600 M€, regularização dos ativos, com receita de 100 M€ e a garantia dos empréstimos Europeus, no valor de 300 M€), corte de 0.8 p.p. no investimento (menos 1,4 mil M€ face a 2015, tendo passado de 4,3 mil M€ para 2,9 mil M€) e mais 0.3 p.p. de cativações. Tudo somado, 1.6 p.p. do PIB, ou seja, um défice nos 3,7%. Considerando que o défice se reduziu em 0.9 p.p. (passando de 3% para 2,1%), vemos bem como foi conseguido este “milagre orçamental”.

Como o défice só se reduziu em 0,9 p.p., e foram tomadas medidas (o tal plano B, nunca assumido), de 1.6 p.p, o restante foi despesa adicional. Aonde? Basicamente nas reversões (só a despesa com pessoal aumentou 700 M€). Tirar a todos para dar a determinados grupos. A estratégia eleitoral permanente.

Daí que o número mais importante de 2016 só venha a ser conhecido oficialmente daqui a umas semanas: não houve qualquer redução do saldo estrutural (nos meus cálculos até haverá entre 2016 e 2018, a manter-se as previsões, um agravamento total de 0.5 p.p.).

Mas como eu sou um ortodoxo das Finanças Públicas, tenho mesmo assim de ficar contente e dar os meus parabéns à “geringonça”. É bom ver que não só cumprem aquilo que Bruxelas determinou, como foram mais além. Afinal, há outro governo obcecado com o défice, ao ponto de ter tido um défice de 2,1% ao invés de 2,5%. Afinal, “há mais alegria pelo arrependimento de um pecador que pela salvação de 100 justos”.

Continuem a reduzir o défice, mas daqui para a frente preocupem-se em fazê-lo de forma estrutural.

A Caixa também foi aos copos?

E como as coisas estão a correr tão bem, até a nossa CGD foi aos mercados, pedir dívida subordinada perpétua (ou seja, só paga juros, não reembolsa capital). A taxa de juro foi “só” de 10.75% (a que se somam as comissões e fees de emissão, que ninguém sabe quanto foram, mas que colocam o custo global de financiamento seguramente acima dos 11%).

Para se ter uma ideia, a República, a 20 anos (sei que as maturidades são diferentes, mas qualquer aluno de 1º ano de Finanças sabe que após 20 anos, o valor atual é praticamente zero), tem uma yield de 4.6%, menos de metade! E que maravilha, que a operação foi feita no “off-shore” do Luxemburgo (escusam os investidores de vir pagar imposto em Portugal), e quase metade foi comprada pelos “fundos abutres” (como o Bloco tanto gosta de chamar).

Fantástico, um governo de esquerda dá uma taxa elevadíssima, não a investidores nacionais, mas a especuladores, e ainda usa uma praça financeira com uma tributação muito reduzida. E no dia em que a Caixa colocava a dívida, o que se discutia no Parlamento: a reestruturação da dívida!

Se isto não é gente competente, séria, honesta e dedicada à causa pública, não sei o que poderá ser. Ou então, há uma explicação muito simples para o nível de juros deste empréstimo e ter sido colocado em fundos estrangeiros. É uma armadilha. Como desde há mais de um ano que os fundos internacionais fogem das novas emissões de dívida pública (que têm voltado a estar sustentada nos bancos nacionais, mais um sinal que está tudo a correr muito bem), esta emissão destina-se a atrai-los novamente. Daqui a uns tempos vocês vão ver que “as pernas dos banqueiros alemães vão voltar a tremer”. E não é dos copos nem das mulheres.

E a dívida pública?

Entretanto, a dívida pública continua a aumentar. Como se pode ver nos dois gráficos abaixo, um défice menor não se traduziu num menor crescimento da dívida. Pelo contrário, a tendência de redução do crescimento da dívida foi invertido. Isto somado à subida das taxas de juro (em 2015 Portugal financiou-se a uma taxa média de 2,4%; em 2016 financiou-se a uma taxa média de 3,6%); à montanha de dívida pública para reembolsar entre 2017 e 2021 e à mudança de política do BCE, mostra bem que isto vai ser “uma festa”. E imaginem quem vai apanhar as canas…

Valores em milhões de euros.

 

Variação da dívida pública em percentagem.

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