Uma homenagem à mulher dos furacões

O Parlamento português acaba de aprovar uma lei para a igualdade de género nas empresas pública e nas empresas cotadas. A lei é idiota. O problema é que a realidade consegue ser ainda mais idiota.

Na sua última edição, a revista The Economist escreveu o obituário de Roxcy Bolton que morreu no passado dia 17 de maio, com 90 anos. Quem é Roxcy Bolton?

Bolton era uma ativista e feminista norte-americana que levou Richard Nixon a proclamar o dia 26 de agosto como o Dia dos Direitos das Mulheres. Entre as muitas conquistas, conseguiu que, em 1969, muitos restaurantes nos EUA deixassem de ter uma sala separada com a tabuleta a avisar ‘men only’. Roxcy criou também os primeiros centros de acolhimento dos EUA para mulheres vítimas de maus tratos e violações.

Mas Roxcy Bolton fez mais. Não conseguia perceber a tradição que vinha desde 1953 do instituto de meteorologia, — o National Weather Service, — de dar nomes femininos (como Katrina) aos tornados e furacões, numa prática que apelidava de “feminização da destruição”.

Foi então bater à porta do National Hurricane Center de Miami a sugerir que os tornados passassem a ter nomes de Senadores em vez de nomes de mulheres. Responderam-lhe que a ideia poderia ser insultuosa para os políticos. E se dessem aos tornados nomes de pássaros? Disseram-lhe que a National Audubon Society (uma organização não-governamental de conservação da natureza) também não iria gostar da ideia. Mulheres sim, senadores e pássaros não.

Até que, em 1979, conseguiu a sua grande vitória. O National Weather Service determinou que a partir desse ano os furacões passariam a ter nomes de homens e mulheres, de forma alternada e seguindo a ordem do abecedário, uma norma que até hoje subsiste.

Basta consultar o site do National Hurricane Center para verificar os nomes das tempestades de 2017:

Arlene
Bret
Cindy
Don
Emily
Franklin
Gert
Harvey
Irma
Jose
Katia
Lee
Maria

Homem, mulher, homem, mulher. Não falha. Isto tudo vem a propósito de uma lei que foi aprovada, na sexta-feira, na Assembleia da República e que passou relativamente despercebida, no meio das noticias dos incêndios de Pedrógão.

Com os votos de seis deputados do CDS, entre os quais o de Assunção Cristas, e os votos do PS e do BE, a abstenção do PSD (que não se percebe muito bem dado o trabalho de Teresa Morais nesta área) e os votos contra dos comunistas, o Parlamento aprovou uma lei para a igualdade de género nas empresas públicas e cotadas.

Para as empresas do setor público passa a existir uma proporção de pelo menos um terço de mulheres nos órgãos de administração e de fiscalização, a partir de 1 de janeiro de 2018. Para as empresas cotadas em bolsa, essa proporção “não pode ser inferior a 20%” a partir da primeira assembleia-geral eletiva após 1 de janeiro de 2018, e um terço (33,3%) a partir de janeiro de 2020.

A lei, suave em termos de penalizações (os prevaricadores pagam ao Estado uma percentagem da remuneração do respetivo órgão de administração ou fiscalização), vem juntar-se a outras, como aquela que agora impõem que os presidentes dos reguladores sejam homens num mandato e mulheres no seguinte. São ambas leis idiotas. Não devia existir uma lei que obrigasse a ter de escolher homens ou mulheres para cargos de chefias.

Devia antes haver uma lei que obrigasse a fazer concursos, a escolher os gestores pelo mérito, pelas qualificações e não pela cunha, pelos favores ou pelos cartões partidários. Mas uma lei que obriga a que o próximo presidente da Anacom seja um homem, porque antes tinha sido uma mulher, mesmo que exista uma outra mulher disponível com melhores qualificações é idiota.

O problema é que a realidade é mais idiota do que esta lei. As mulheres têm, em média, mais habilitações e qualificações do que os homens, mas têm mais dificuldades em chegar a cargos de chefia (nas empresas cotadas existem 89 homens nos quadros administrativos contra 11 mulheres) e também ganham menos 16,7% do que os homens. Uma diferença que corresponde a 61 dias de trabalho não remunerado por ano.

Este ‘gap’ tem vindo a baixar, mas de forma muito lenta. A este ritmo, o Fórum Económico Mundial prevê que apenas daqui a 170 anos as mulheres ganhem o mesmo do que os homens.

No final das votações de sexta-feira, as deputadas Elza Pais, do PS, e Sandra Cunha, do BE, falaram em “avanço civilizacional” e “num momento histórico na luta pela igualdade do género”. Têm razão. Tal como a norma aprovada nos EUA que determina que os tornados se intercalem entre tornados homens e tornados mulheres, esta lei aprovada na Assembleia da República portuguesa é igualmente idiota, mas necessária sobretudo quando se olha para a realidade.

E a realidade infelizmente continua a mostrar-nos que a maioria dos gabinetes das administrações das empresas têm à porta uma tabuleta com o aviso ‘men only’.

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