Salvador Sobral e Paulo Macedo

O mundo é para ser vivido de olhos abertos e não numa fábrica de salsichas onde tudo é igual e sem sabor.

Uma das maiores evidências das sociedades modernas é que as pessoas param, escutam e olham menos. Os olhos estão fixos em smartphones, em tecnologia e estão menos abertos a todas as sensações que o mundo transmite. Daí que seja hoje muito difícil que uma ovelha destoe das outras, porque vivemos num mundo de enlatados de consumo fácil.

A multidão esmaga a identidade, a mediocridade parece querer impor a sua lei e não é fácil ao talento sobrepor-se a uma série de clichés. A formatação do marketing, em diversas áreas, pode criar “embrulhos” fabulosos mas há algo que nunca consegue vender quando ela não existe: uma alma.

Há duas características essenciais de quem tem alma: ser genuíno e autêntico, esses, os dois maiores predicados do Salvador Sobral em Kiev. Deve ter sido o mais mal vestido, o mais mal penteado, não tinha coristas a mostrar as coxas nem machões de tronco nu atrás de si, disse o que quis, passou as mensagens que lhe apeteceram, apenas tinha consigo um dom, esse talento que só toca a alguns em diferentes áreas de actividade.

O jovem português, no meio da sua ingenuidade natural, aproveitou um palco mundial para mostrar os seus sentimentos em forma de música, aproveitando para dizimar por completo as alianças habituais da Eurovisão entre países de Leste e escandinavos. Hoje, a sua autenticidade é uma marca de valor incalculável, porque não cedeu aos cânones e mostrou apenas aquilo que ele é. E a sua vitória é também uma deixa importante para tanto talento, em tantas profissões, que anda por aí sem reconhecimento.

Se Salvador precisou dos holofotes, das palmas, do barulho de uma multidão que o desconhecia mas que o soube aclamar, já Paulo Macedo precisa do contrário. No dia 11 de Março, aqui no ECO, escrevi: Paulo Macedo tem o trabalho da sua vida. Pacificar uma marca, dar tranquilidade aos milhares de funcionários, tirar a Caixa Geral de Depósitos do abismo negro (2 mil milhões de prejuízos) em que quase durante um ano esteve ingovernável, enquanto fazia manchetes e gerava histórias que nada têm que ver com a sua actividade que é essencial para o desenvolvimento da economia. Pede-se silêncio para que tudo volte aos eixos».

E por que é que o menciono? Porque Paulo Macedo tem características de autenticidade e genuinidade como Salvador Sobral. O líder da Caixa não tem o verniz da arte, mas tem a robustez dos grandes gestores. É um homem determinado, que tem o seu caminho, inflexível nos objectivos a atingir, por vezes pode parecer brusco e frio como o granito, mas também não embarca no politicamente correcto nem saiu de nenhuma produção industrial.

Descontando a questão do encerramento de alguns balcões, problema que pode ser ultrapassado com serviços móveis, o ex-ministro da Saúde soube exterminar os tempos da ópera bufa da CGD de António Domingues e, passo a passo, com tranquilidade, tempo e, sobretudo, silêncio, três palavras amigas da banca, parte para a consolidação de uma marca que é de todos os portugueses e tem de voltar a estar no coração de todos os portugueses.

Na década de 50, os filmes de Hollywood não gostavam de mostrar televisores. Eram um inimigo, algo de novo que beliscava uma indústria sólida. Nos tempos modernos não devemos renegar quem é genuíno, quem é autêntico. É muito triste viver no meio de uma manada sem nada que nos diferencie e nos torne únicos. Não devemos temer quem tem alma, a sua identidade. O mundo é para ser vivido de olhos abertos e não numa fábrica de salsichas onde tudo é igual e sem sabor.

Nota: Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.

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