Salgueiro Maia não merecia o 26 de Abril

Só com barulho se combate a corrupção, que navega melhor no silêncio da lama, nos murmúrios das salas sem alma, nos favores debaixo do pano.

No dia 25 de Abril escrevi que “o problema maior do espírito de Abril é que as pessoas já não se lembram bem de Salgueiro Maia porque, depois da Revolução dos Cravos, veio o pesadelo de uma corja de abutres e corruptos que transformaram a alegria da liberdade num jardim de negociatas e comissões em que os seus despojos tivemos nós de pagar”.

Porque se há algo que semeia a instabilidade e a revolta das pessoas contra um regime, contra a classe política, contra instituições que devem ser impolutas, é vermos todos os dias o clima de impunidade que abrange uma série de criaturas que mata empresas, se serve dos cargos que ocupa para depois, ou durante, enriquecer.

É a corrupção que vai corroendo os alicerces da democracia, é a desconfiança com os detentores de cargos públicos que semeia o afastamento de eleitores e eleitos e constrói os elevados índices de rejeição de uma actividade, a política, que é nobre e deve servir para a melhoria da comunidade.

Temos 43 anos de liberdade e isso é uma conquista excepcional que devemos celebrar todos os dias. Eu acredito na política, eu acredito nas pessoas de bem — mas são cada vez mais um oásis no deserto — que trabalham tendo em vista o bem público e o crescimento a todos os níveis da sociedade.

Porém, não convivo bem com corruptos e especialistas em “dar uma palavrinha” que fizeram do que se conquistou com o 25 de Abril no seu parque de diversões do Monopólio, tornando-se milionários, com os portugueses a pagarem sucessivamente todas as aleivosias, todos os erros de gestão, todas as dívidas de bancos que serviram para negócios especulativos de alguns marajás.

Escrevia o Nuno Garoupa, um dos bons, na semana passada que “ninguém pode fingir que Portugal é um oásis sem corrupção, sem gestão danosa, sem tráfico de influências e sem grande criminalidade de colarinho branco”. Pois não pode. Porque é isto tudo que mina os valores de Abril.

O problema é que, “mea culpa” também, todos nós contemporizámos para esta impunidade vigente. Nunca ninguém se revoltou a sério. Porque só com barulho se combate a corrupção, que navega melhor no silêncio da lama, nos murmúrios das salas sem alma, nos favores debaixo do pano.

A partidocracia, os aparelhos partidários de gente que cresce ali sem nada saber fazer na vida, o financiamento de campanhas eleitorais, são a seiva de onde florescem corruptores e corruptos e que causam o sangramento da democracia e da liberdade.

Devemos estar todos gratos aos capitães de Abril pela liberdade em que vivemos, mas o ar que respiramos não é o desse dia histórico, é perverso e cheira a mofo pelo perfume da impunidade. A corrupção não pode matar a esperança do dia seguinte. Salgueiro Maia não merecia o 26 de Abril.

Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.

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