Os riscos das eleições primárias (II)

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • 18 Maio 2017

As primárias são sinónimo de mais democracia e significam uma ruptura com uma espécie de modelo “aristocrático” que vigorava. Mas agora começa a ser evidente que levantam problemas aos partidos.

Na semana passada, detivémo-nos na evolução dos processos de escolha das lideranças de alguns partidos europeus. Com base nesses exemplos – Portugal, Espanha, França e Reino Unido – podemos afirmar que há hoje uma tendência para alargar a base eleitoral dos partidos políticos. O papel que antes era desempenhado pelas elites nos congressos foi progressivamente substitutivo, primeiro, pelos militantes e, depois, pelos simpatizantes. Em Portugal, o PS, que já havia sido pioneiro na escolha do secretário-geral por eleição directa da militância, foi o primeiro partido a promover o sufrágio aberto a simpatizantes do seu candidato a primeiro-ministro. Em 2014, o então secretário-geral António José Seguro, sob pressão da oposição interna pelo resultado das eleições europeias, convocou primárias, bastando aos interessados em votar proceder à inscrição online sem qualquer custo.

As primárias são sinónimo de mais democracia e significam uma ruptura com uma espécie de modelo “aristocrático” que vigorava. No entanto, para lá desta vantagem, começa agora a ser evidente que as primárias levantam problemas aos partidos, favorecendo o personalismo e facilitando derivas populistas e, no limite, o aparecimento de caudilhos. O personalismo do sistema presidencialista é, de resto, a explicação para a origem norte-americana deste processo de escolha de candidatos. Da mesma forma, a chegada do modelo a uma Europa dominada por sistemas parlamentaristas e semi-presidencialistas compreende-se pela crescente importância do “líder” e por uma certa “presidencialização” dos lugares de primeiro-ministro (que muitas vezes coincide com o cargo de líder do principal partido ou coligação do país).

O grande desafio que as primárias supõem para os partidos vem, no entanto, do desfasamento entre a posição dos simpatizantes e as ambições do eleitorado em geral. Se tivermos em conta que um partido é uma máquina com objectivos políticos claros, que passam pela possibilidade de condicionar a vida pública e pela conquista do poder, o facto de haver uma desarticulação entre a escolha de militantes e simpatizantes e o que o eleitorado pretende pode pôr em causa o próprio partido. Em França, todas as sondagens indicavam que Alain Juppé seria, entre os gaullistas, o candidato mais bem posicionado para chegar à Presidência da República. Porém, os votantes em primárias optaram por François Fillon com os resultados que se conhecem. O candidato socialista, Benoît Hamon, também foi eleito da mesma forma em detrimento de candidaturas que, embora com muito poucas possibilidades de vitória, eram mais populares entre os franceses.

Provavelmente, as mudanças em curso devem-se ao cansaço em relação aos partidos e à crescente percepção de que as lideranças tradicionais vivem isoladas e não compreendem o cidadão comum. Seria, no entanto, curioso se o mecanismo encontrado para restabelecer a ligação com a cidadania se revelasse eleitoralmente menos eficaz do que o tradicional modelo “aristocrático”.

Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • Presidente da Câmara de Comércio Portugal – Atlântico Sul e professor universitário

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