Os orçamentos nacionais e o Federalismo

A zona Euro, para sobreviver e ser um instrumento de promoção do crescimento e do desenvolvimento, precisa de ser aprofundada. É tempo de retirar da gaveta uma discussão adiada, o federalismo.

Na semana que passou a Comissão Europeia apresentou as suas linhas de reforma do Pilar Orçamental e Monetário da União Económica e Monetária. Desde 2010 que a zona Euro passou por um processo de profundas reformas. A crise financeira de 2008 e a crise das dívidas soberanas de 2010-2011 mostrou a insuficiência dos mecanismos de correção económica da moeda única.

Assim, a UE adotou o Tratado Orçamental, que reforçou a vigilância orçamental. Mas adicionalmente, criou o ESM (Mecanismo Europeu de Estabilidade), reforçou o papel do BCE na supervisão bancária (embora ainda “coxa” na parte da garantia de depósitos) e a “flexibilização” das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) na parte relativa ao investimento público, via fundos Europeus e via “plano Juncker”.

O Tratado Orçamental teve o propósito de reforçar a União Económica e Monetária, adotando um conjunto de regras destinadas a promover a disciplina orçamental, a reforçar a coordenação das políticas económicas e a melhorar a governação da zona euro.

O Tratado, além de reforçar as regras do PEC (défice abaixo dos 3% do PIB e dívida pública abaixo dos 60%), reforçou também a regra do saldo estrutural (isto é, o défice nominal retirando as medidas pontuais e o efeito do ciclo económico). Esta regra tinha sido criada na revisão do PEC em 2005, mas passou a constar de um Objetivo de Médio Prazo (OMP) para cada Estado. Na maioria dos casos esse OMP é de um défice estrutural de 0.5%.

Note-se, contudo, que é possível à Comissão Europeia fixar um OMP de 1%, se a dívida pública do país estiver abaixo dos 60% e houver margem orçamental para um OMP maior que não comprometa a sustentabilidade da dívida pública. Mas a Comissão Europeia também pode impor um OMP mais exigente, com um valor inferior aos 0.5% do PIB, se a dívida pública for muito elevada. O Objetivo de Médio Prazo para Portugal foi fixado pela Comissão Europeia num excedente de 0,25% (de acordo com as regras europeias, o OMP é revisto a cada três anos).

Além disso, o Tratado criou várias regras adicionais:

  • A regra de que a dívida pública tem de descer 5% da diferença entre o seu valor e o limite dos 60%.
  • A regra que o crescimento da despesa primária tem de estar em linha com a taxa média de crescimento potencial do PIB e a despesa em percentagem do PIB constante, na ausência de medidas adicionais do lado da receita (para os países que cumpram o OMP).
  • A regra, para os países que não cumpram o OMP, que o crescimento da despesa primária tem de estar abaixo da taxa média de crescimento potencial do PIB e a despesa em percentagem do PIB diminui, na ausência de medidas adicionais do lado da receita.
  • Adicionalmente, foram estabelecidos mecanismos de correção automática para os casos em que o limite do défice estrutural ou o percurso de ajustamento em direção ao mesmo sejam postos em causa.

Com o Tratado Orçamental foi também aprovado o Semestre Europeu, que estabeleceu o calendário da programação orçamental, nomeadamente a data de entrega do Programa de Estabilidade (abril) e do Orçamento nacional para o ano seguinte (outubro). Permite, assim, que os estados membros discutam, ao longo de diversos momentos do ano, os seus planos económicos e orçamentais com os restantes países e com as diversas entidades europeias.

O “six-pack” e o “two-pack” reforçaram a vigilância, operacionalizando as suas várias vertentes, nomeadamente ao nível orçamental, no controlo do Procedimento dos Défices Excessivos e na correção dos desequilíbrios macroeconómicos.

Assim, na passada quarta-feira, dia 6 de dezembro, a Comissão Europeia apresentou um conjunto de medidas com vista a reforçar e continuar o processo de reforma da zona Euro. De forma geral, a proposta da Comissão visa:

  1. Criar o Fundo Monetário Europeu em 2019.
  2. Criar um ministro Europeu da Economia e Finanças e, simultaneamente, presidente do Eurogrupo e comissário.
  3. Integrar o Tratado Orçamental na lei europeia (já previsto no próprio Tratado) e introduzir o “backstop” (rede comum de segurança) para completar a União Bancária.
  4. A Comissão propôs também a criação de uma linha orçamental dentro do Orçamento da União Europeia, dedicada à zona euro. O objetivo é mais financiamento para assistência a reformas estruturais, para os mecanismos de estabilização macroeconómica; bem como servir de instrumento de convergência para dar assistência na pré-adesão a países que estejam em vias de entrar na zona euro, além do já referido reforço da União bancária.

Pessoalmente, creio que os Estados membros da zona Euro necessitam de um reforço dos mecanismos de apoio. Do ponto de vista económico, e não orçamental, a Europa precisa de mais concorrência e inovação, acompanhadas por maior investimento, harmonização fiscal e maior apoio social de correção de assimetrias (quer de rendimento, quer de desenvolvimento). A Europa precisa de reduzir custos de contexto, burocracia e monopólios/mercados protegidos, em áreas como a energia, a distribuição e os serviços financeiros.

Mas precisa também de mecanismos de redução do risco nacional, por forma a ser possível depois partilhar e mutualizar esse risco entre os Estados membros. Sobretudo a nível bancário, com a criação de um fundo de garantia de depósitos a nível europeu.

Em matéria estritamente orçamental, o que é que defendo? Um reforço dos mecanismos de apoio e ajuda entre Estados, e simultaneamente, um reforço da supervisão orçamental, do controlo por parte de Bruxelas e do aumento do Orçamento da União.

Creio, inclusive, que fará sentido a proposta de Macron, de a zona Euro avançar mais rapidamente, passando a ter um ministro das Finanças e um Orçamento da zona Euro (tenho dúvidas na parte de um Parlamento para a zona Euro). Mas também são precisas medidas de sustentabilidade da dívida pública que defendemos em junho num policy paper da PCS: a criação de Eurobonds para a dívida até 60% do PIB e a utilização do ESM para no futuro lidar com o fim do PSPP do BCE e a redução dos balanços dos bancos centrais.

Também parece-me crítico que a União passe a ter um Fundo Monetário, que funcione como um financiador de último recurso. No entanto, creio que é fundamental que esse Fundo mantenha uma total independência da Comissão Europeia. Sobretudo porque esse Fundo deve mesmo ser um financiador de “último recurso” e não um instrumento de política. E como tal, os empréstimos (que subsidiam fortemente, na redução de juros, os países beneficiários), devem ser concedidos em situações de emergência financeira, mas com programas de reformas estruturais de médio e longo prazo.

É também necessário aprofundar os mecanismos de controlo democrático da União. Trazer os cidadãos para o debate Europeu. Reforçar os poderes do Parlamento Europeu, e dar mais enfase ao debate a nível de cada um dos Parlamentos nacionais.

No entanto, tudo isto terá de passar por um maior controlo por parte da Comissão face aos Estados. Daí a necessidade de um “ministro das Finanças” da zona Euro, bem como o reforço (e alguma simplificação também) das regras orçamentais Europeias, dando menos discricionariedade política no poder de decisão da Comissão e do Conselho Europeu.

Corolário: A zona Euro, para sobreviver e ser um instrumento de promoção do crescimento e do desenvolvimento dos seus membros, precisa de ser aprofundada. É necessário reforçar os mecanismos de correção e ajuda. Mas esse esforço maior tem de ser acompanhado de uma maior responsabilização e supervisão orçamental. Não podemos cair no erro de subsidiar défices orçamentais. Pelo contrário, a disciplina orçamental de todos é condição necessária (mas não suficiente), para o reforço da zona Euro.

Assim, creio que é tempo de retirar da gaveta uma discussão adiada: “se queremos maior solidariedade e apoio entre os Estados da zona Euro, devíamos estar prontos para discutirmos perdas de soberania adicionais. Se quiserem, numa palavra que se tornou um anátema: Federalismo”.

Post-scriptum 1: Este fim-de-semana a Deputada Catarina Martins disse numa entrevista que “o PS é um partido permeável aos grandes interesses económicos”. Dito assim, só podemos concluir duas coisas: O Bloco apoia o governo, pelo que é no mínimo cúmplice. Do lado do governo ninguém reagiu, pelo que “quem cala, consente”. Não se compreende é a declaração do Secretário de Estado Pedro Nuno Santos (o que ia “por as pernas dos banqueiros Alemães a tremer!”), que procurará acordos com a direita (leia-se PSD e CDS). Mas então não tinha dito há um ano atrás que “o PS não precisará nunca mais da direita para governar”? Estão bem uns para os outros.

Post-scriptum 2: Também este fim-de-semana, o Professor Louçã veio alertar para que “estamos a caminhar para um novo colapso financeiro”. Não sei se é o sonho natural de qualquer Marxista, um tsunami financeiro que possa por fim ao capitalismo (e substitui-lo pelo Socialismo, esse regime que tanta prosperidade trouxe aos países onde foi implementado). Mas assumindo que teremos uma recessão algures no futuro (algo inevitável), então o Professor Louçã tem razão: estamos, em Portugal, mal preparados para ela, dado que não fizemos consolidação estrutural nem reformas desde 2015.

Post-scriptum 3: O Doutor Centeno foi nomeado para Presidente do Eurogrupo. É bom, mas desenganem-se os que acham que mudará a natureza das coisas. No entanto, desde há umas semanas o Doutor Centeno tem alertado para o período de subida de taxas de juro que se aproxima e para a necessidade de reduzir a divida pública. Ótimo! Foi pena já ter desperdiçado três Orçamentos do Estado sem consolidação estrutural e sem aproveitar este período de alguma bonança económica. Como provavelmente não o fará em 2019, dado o ciclo eleitoral, dificilmente o Doutor Centeno terá contribuído significativamente para melhorar a nossa posição orçamental e económica.

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