Coisas da estupidez humana

José Miguel Júdice defende, no Jornal das 8 da TVI, as alternativas para criar emprego e sustentar as políticas públicas. E aconselha Rui Rio a não exultar com os erros do grupo parlamentar do PSD.

Há anos que venho defendendo uma tese heterodoxa que, agora, parece estar a ser retomada. Em duas palavras: não devem ser sobretudo as empresas que criam emprego a sustentar políticas públicas sociais.

Eu explico: o sistema de financiamento da proteção social (por exemplo, subsídio de desemprego e reformas) baseia-se no número de empregados e na massa salarial. Considero que isso, em minha opinião, é uma rematada estupidez, porque é uma estratégia macrossocial que prejudica o aumento da empregabilidade na economia.

Nada melhor do que um exemplo: Assumindo que o salário médio é igual nos dois casos, uma empresa que tenha 10 000 trabalhadores e lucre 10 milhões de euros paga 200 vezes mais para a segurança social do que outra que tenha apenas 50 trabalhadores (ou seja 0,5% da primeira) e, mesmo que esta último lucre 100 milhões de euros (10 vezes mais que a primeira).

Esta situação tem um efeito empresarial brutal, visto que os descontos correspondem a uma majoração de 35% sobre o salário que, antes de IRS, as empresas pagam aos seus trabalhadores. De facto, quem paga toda o TSU é sempre a empresa, mesmo os 11% que cabem ao trabalhador pagar, visto que isso sai na prática do ordenado e no mercado é o vencimento liquido que interessa.

O comportamento racional de qualquer empresa é assim, evidentemente, diminuir ao máximo o seu ratio de trabalhadores em função dos resultados e também, na medida do que seja possível, não lhes aumentar salários.

Ora, dar proteção no desemprego e assegurar reformas na velhice interessa tanto a quem emprega muito como a quem emprega pouco. Esse é um esteio essencial do Estado Social e o principal pilar da paz social.

Por isso, sempre defendi que deveria gradualmente surgir uma componente crescente do financiamento da segurança social que não fosse baseada no número de empregados, mas antes no resultado das empresas. E também defendo que essa mudança deve ser neutral (não significar aumento nem redução do valor destinado ao financiamento da segurança social) e deve ser progressiva (assim como os indivíduos que ganham mais são tributados em muito maior percentagem de IRS, também as empresas que ganham mais deviam ter o mesmo tratamento).

E se, como seria justo, além disso, ficasse claro que a redução da TSU sobre os empregados seria dividida entre o trabalhador e a empresa, esta seria ao mesmo tempo uma política de distribuição de rendimentos, de incentivo à empregabilidade, e de melhoria dos resultados operacionais das empresas, tornando-as mais sólidas.

Claro que empresas altamente eficientes, robotizadas, altamente lucrativas, passariam a pagar mais. Mas, a prazo, toda a economia melhorava. E a evolução da inteligência artificial torna esta minha velha ideia cada vez mais moderna.

Já sei que não faltará quem diga que isto é dificilmente exequível. Todas as reformas apanham com essa crítica conservadora. Ou que penaliza as empresas mais inovadoras, o que é intelectualmente absurdo, pois se esse critério fizesse sentido quem devia pagar mais impostos seriam as empresas tradicionais.

Por isso, saúdo a proposta da Confederação do Comércio nessa direção. E fico espantado que um governo de esquerda a recuse sem debate e lamento que até hoje não tenho ouvido ou lido um comentário sobre o assunto.

A penalização dos contratos a prazo com maior

Já não posso, porém, saudar a proposta do Governo que visa fazer uma espécie de engenharia social no campo dos contratos a prazo. E já explico porquê. Ninguém com um mínimo de bom senso negará que não é bom que, na economia, dominem contratos sem prazo. Mas também ninguém com um mínimo de bom senso pode acreditar que os contratos com termo devem ser banidos ou penalizados ainda mais. E, para isso, recordo que sobre o salário, antes de IRS, as empresas pagam 35% de TSU.

Concordo, por isso, que faz sentido existirem políticas públicas que beneficiem a opção pelo contrato sem termo. Mas discordo que a opção seja penalizar os contratos com termo. A opção de beneficiar é um incentivo que pode, em maior ou menor medida, aumentar a propensão à passagem para contrato sem termo. A opção de penalizar vai aumentar os custos operacionais de quem dá emprego e protege, afinal, quem o não cria. E, nesse caso, a resposta racional será evidente.

Se o Estado entende que deve fazer engenharia social, tem de alocar recursos próprios em função de prioridades. Não deve fazer isso à custa da economia privada, no que será, afinal, mais um aumento da carga fiscal e parafiscal sobre a economia produtiva.
E, assim, mais uma vez uma política estúpida é feita com boas intenções, esquecendo-se que de boas intenções está o inferno cheio e que muitas das maiores tragédias para a Humanidade nasceram de ideias generosas (basta o exemplo do comunismo para não irmos mais longe…).

Pensar fora da caixa

Em resumo, aqui estão dois exemplos em que “pensar fora da caixa” talvez fizesse bem aos políticos. Infelizmente não acredito que isso seja possível. E, para o confirmar, uma nota política final. O que se passou esta semana no PSD.

A revolta do grupo parlamentar ‘laranjinha’

Parece-me evidente que não deveria haver uma pessoa, mesmo sendo deputado, que não perceba que um líder partidário (ainda mais se não é deputado) deve ter o direito de escolher como líder parlamentar quem lhe apetecer, mesmo que seja uma besta ou um calhau com olhos, o que não é manifestamente o caso de Fernando Negrão. Por favor, não me peçam que vos considere aí em casa tão tacanhos que seja obrigado a explicar.

A revolta dos deputados do PSD na passada semana foi comparada à de 42 dos 73 deputados que se opuseram a Sá Carneiro em 1978. Nessa ocasião, o que ocorreu foi uma rutura ideológica ou ao menos estratégica (e não lhes serviu de nada, pois um ano mais tarde, Sá Caneiro ganhava a maioria absoluta sem eles). Agora, é apenas uma resposta a desconsiderações que lhes fez o novo líder.

Rui Rio parece que só pode ganhar com isto, para os que achem que a história se repete. Mas, aqui, prefiro citar Karl Marx no “18 do Brumário de Luís Bonaparte”: “A história repete-se primeiro como tragédia e, depois, como farsa”.

Por isso, se eu fosse Rio, não exultava com o erro do grupo parlamentar (que cabe bem no Cantinho das Tontices). Realmente, ainda não se sentou na poltrona da liderança e já o esbofeteiam deste modo. E, assim como se costumava dizer que os manicómios estavam cheios de ‘napoleões’, também os caixotes de lixo da política estão cheios de quem se tome por Sá Carneiro.

E aqui acho que vale explicar porque penso assim. Os líderes que se estruturam com base numa imagem de autoridade são diferentes dos que optam por uma imagem de empatia. Entre os primeiros temos Salazar, Cavaco, Sócrates, Rio. Entre os segundos temos Soares, Guterres, Marcelo.

Os “autoritários” gostam de surpreender pela diferença (“eu não sou como os outros”, “eu não sou político”) e os povos, inorganicamente, gostam em regra muito disso. Mas há um preço a pagar: têm de demonstrar sempre a sua autoridade, os subordinados têm de ter medo (e o medo que os apoiantes tinham de Salazar ou Cavaco merecia um livro…). No dia em que o medo não exista, são escorraçados pelos que tremiam de medo e passaram a tremer de coragem.

Rui Rio tem, por isso, de meter medo. E está a começar mal, porque não o está a conseguir. No entanto, como a procissão ainda vai no adro, nada está perdido para ele. Claro que não se espera que faça uma “noite das facas longas”, como Hitler fez contra as SA a quem devia ter chegado ao poder, mandando assassinar os principais dirigentes e prender milhares, os tempos são outros… Mas a forma como conseguir assustar os que acham que tem pés de barro vai definir o seu futuro político. E, brevemente, saberemos se ele ganha ou perde a guerra nessa batalha. Ver-se-á nos próximos meses.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Coisas da estupidez humana

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião