O irritante de Angola

Não serei certamente eu quem irá dar sugestões e conselhos ao governo angolano sobre o que deve ou não deve fazer para endereçar os problemas que infelizmente se continuam a vislumbrar no país.

Ficou célebre a expressão do senhor primeiro-ministro sobre um certo “irritante” que, nos últimos anos, esfriou a relação institucional entre Portugal e Angola. Ao que parece, o “irritante” estará agora ultrapassado e seria bom que assim ficasse. Veremos.

As relações comerciais bilaterais entre Portugal e Angola sofreram significativamente nos últimos anos. Em 2013, no comércio internacional de bens, Portugal era o primeiro fornecedor de Angola e Angola o quarto cliente de Portugal. Quatro anos volvidos, no final de 2017, Portugal era o segundo fornecedor de Angola e Angola o oitavo cliente de Portugal. Não obstante, as relações comerciais permaneceram francamente favoráveis a Portugal, tanto no comércio de bens como no de serviços.

Entre os principais produtos exportados pelas empresas portuguesas para território angolano contam-se os seguintes: máquinas e aparelhos (24,5% do total de exportações portuguesas de bens para Angola em 2017); produtos agrícolas (15,8%); químicos (11,5%); bens alimentares (10,9%); metais comuns (8,5%) e; plásticos (6,3%). Ao mesmo tempo, no sentido inverso, Angola contribui intensamente para o desenvolvimento da nossa economia, quer pela importância das nossas importações de petróleo angolano, quer também pelos proveitos que os cidadãos angolanos trazem ao nosso turismo. Os dados são do AICEP.

Angola é uma oportunidade para interesses portugueses, em particular depois da aprovação em Angola de uma nova lei de investimento que abrirá à concorrência sectores até agora protegidos. O problema é que, em Angola, nunca sabemos se as coisas realmente acontecem conforme anunciado pelos dirigentes políticos ou se, alternativamente, as coisas se perdem pelo caminho.

De resto, se há coisa que sempre me pareceu caracterizar os interesses angolanos que fui observando em Portugal, nomeadamente no sector financeiro, de pessoas que alegadamente queriam “investir” no nosso país, era a capacidade que estes mesmos interesses tinham, a qualquer momento, de desaparecerem do mapa com a mesma facilidade com que tinha surgido antes e, depois, de regressarem novamente, às vezes até de um ano para o outro, como se nada lhes tivesse acontecido, procurando retomar conversas com a mesma naturalidade de quem deixa um assunto pendente de um dia para o outro.

Este fenómeno explica-se, a meu ver, facilmente. Por um lado, porque alguns desses interesses não passavam de esquemas e cambalachos. Por outro lado, porque as próprias limitações da economia angolana assim os determinavam.

Vale a pena ler a última análise do FMI à economia angolana. Inflação anual de 30%. Défice externo de 5%. Dívida pública a caminho dos 70%. Défice público de 6%. Exportações de produtos petrolíferas que representam mais de 90% das exportações totais. E reservas cambiais que, entre 2014 e 2017, diminuíram para cerca de metade do que já foram. A situação não é fácil e a evolução do kwanza, a moeda angolana, que entre 2014 e 2017 desvalorizou mais de 60% face ao dólar, é sintomática das debilidades que se vão sentindo. Tendo em conta este panorama, não seria fácil relançar as relações comerciais entre Portugal e Angola.

Mas a verdade é que o senhor primeiro-ministro foi a Angola, numa visita preparada ao pormenor, e parece ter tirado alguns coelhos da cartola. Tirou o acordo que alegadamente acabará com a dupla tributação entre os países. E tirou uma linha de crédito de apoio às exportações portuguesas para Angola, que será reforçado de 1.000 milhões de euros para 1.500 milhões de euros. Não foi mau. Mas, infelizmente, faltou um avanço mais robusto no domínio das dívidas do Estado angolano às empresas portuguesas. De igual modo, também não teria ficado mal uma iniciativa no sentido de incentivar a actividade das seguradoras de crédito à exportação, que são fundamentais nas exportações para países emergentes.

A diminuição abrupta de reservas internacionais prejudica todo e qualquer país. No caso de Angola, segundo o FMI, em 2015 as reservas cambiais angolanas eram equivalentes a 24.400 milhões de dólares, ou seja, equivalentes a dez meses de importações. No final de 2017, dois anos depois, já só eram de 17.750 milhões de dólares, o equivalente a cinco meses de importações.

Naturalmente, as relações comerciais não estão imunes a este tipo de oscilações. A falta de divisas, para além da instabilidade que causa internamente, é fonte de instabilidade externa também. De resto, não faltam em Portugal relatos de empresas e de particulares nacionais que têm hoje dinheiro retido em Angola e que simplesmente não o conseguem repatriar. Trata-se de um problema seriíssimo que entre nós tem levado a situações dramáticas, inclusive de falências empresariais, que resulta da diminuição das reservas internacionais de Angola, mas também do enquadramento institucional do próprio país.

Não serei certamente eu quem irá dar sugestões e conselhos ao governo angolano sobre o que deve ou não deve fazer para endereçar os problemas que infelizmente se continuam a vislumbrar no país. Do ponto de vista do comentário político e económico, já me basta o que há a fazer em Portugal. Mas uma coisa parece-me evidente: a liberdade de circulação de capitais, pressupondo a existência de capitais, é dos valores mais altos que devemos prezar quando pensamos em comércio internacional. É condição essencial ao investimento directo estrangeiro e ao movimento de quadros profissionais qualificados que são tão ou mais importantes que o capital propriamente dito. Sem essa liberdade, o prémio de risco de um país aumenta dramaticamente e o investimento ressente-se naturalmente.

É uma mensagem que recomendaria ao governo angolano, do mesmo modo que recomendo a todos (e são infelizmente muitos) que, cada vez mais, vão opinando antagonicamente, pelas barreiras e pelos controlos.

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