O Estado e os fornecedores

Os atrasos nos pagamentos do Estado são um problema cíclico, já não servem para evitar o défice ou a dívida, mas põem problemas graves às empresas. Proponho quatro medidas para mudar esta realidade.

Ciclicamente, ouvimos queixas e histórias relativamente aos atrasos que o Estado têm no pagamento aos fornecedores. O Ricardo Arroja já aqui no ECO tem abordado este tema. As empresas que vendem ao Estado queixam-se, frequentemente, do elevado número de dias que demora a receberem (muito acima dos 30-60 dias normais, sendo que houve já muitos casos de serem superiores a 1 ano).

Uma situação dessas cria dois problemas às empresas: Por um lado, um problema de tesouraria (não recebem daquela venda, mas têm de pagar aos fornecedores e aos funcionários), que quando é muito grave, tende a ter um efeito de “contágio” na economia: os que não recebem do Estado não pagam aos seus fornecedores, que por sua vez também não pagam aos que lhes forneceram e assim sucessivamente, num efeito “bola de neve”. Por outro lado, ao vender, as empresas liquidam IVA, que posteriormente têm de entregar ao Estado, sem que por vezes já tenham recebido do Estado esse valor.

Este problema tende a ser estrutural, no sentido em que sempre se lidou com um Estado que se atrasa nos pagamentos, mas têm havido altos e baixos nos prazos médio de pagamento das entidades públicas. Sendo que os setores que normalmente pagam mais tarde são a saúde, as obras públicas e as autarquias.

Na maior parte dos casos, um atraso de pagamentos não tem efeito no défice. Isto porque em contas nacionais (a ótica de apuramento do défice para Bruxelas), o que conta na despesa é o compromisso e não o pagamento. Nesses casos, os atrasos são mais um problema de tesouraria do Estado (implicando, depois, também um problema de tesouraria no privado).

Contudo, o caso dos hospitais EPE era diferente: até 2015 o atraso nos pagamentos servia para criar dívida comercial nestes hospitais. Como estavam fora do perímetro das contas nacionais, essa dívida comercial não era despesa (e, portanto, não ia ao défice), nem era dívida pública. Pelo menos enquanto o hospital conseguisse financiamento junto dos fornecedores. Quando a situação se tornava insustentável, o hospital pedia dinheiro ao Ministério das Finanças, e então lá ia o valor acumulado durante anos ao défice daquele ano. Mas enquanto o pau vai e vêm, folgam as costas do Terreiro do Paço e do défice. Desde 2015, ao integrarem o perímetro das contas nacionais, os hospitais deixaram de esconder, pela via dos atrasos, despesa (consta que agora o fazem por via de vendas à consignação por parte das empresas, não se registando assim no hospital o compromisso…).

Ora, não me parece que o problema não possa ser resolvido e por outro lado, creio que um Estado pagador a “tempo e horas” seria um enorme benefício para a economia.

Nesse sentido, proponho quatro medidas, que facilitarão a gestão de tesouraria das empresas, na parte que diz respeito à atividade com entidades públicas.

  1. Criar uma conta corrente entre o Estado e as empresasNo espaço de seis meses, criar um sistema de conta corrente entre o Estado e as empresas, em particular as PME, envolvendo todos os impostos e contribuições para a segurança social, indicando os créditos sobre o Estado, como por exemplo as devoluções do IVA. Esta conta corrente deverá ser movimentada no final de cada mês pelo saldo entre os créditos e débitos fiscais da empresa.
    Não creio que esta medida coloque em causa o princípio orçamental da não-compensação. Isto porque esse princípio aplica-se ao orçamento (o princípio diz que se uma atividade gera uma receita de 200 e uma despesa de 500, regista-se a receita e a despesa em separado, e não o seu valor líquido de -300) e não a uma questão de pagamentos.

    Diga-se que o Governo avançou recentemente com um primeiro passo neste sentido, ao aprovar o regime de Compensação de Dívidas Tributárias com Créditos Não Tributários. Este regime consiste num novo procedimento, de iniciativa do contribuinte, que permite a compensação de dívidas tributárias, objeto de processo de execução fiscal, com créditos de natureza não-tributária que o contribuinte detenha sobre outra entidade enquadrada na Administração direta do Estado.

  2. Criar um registo nacional de fornecedoresAdicionalmente, deve-se criar um Registo Nacional de Fornecedores e eliminar o excesso de burocracia imposta pela legislação, designadamente no que respeita à exigência de certidões e documentos emitidos pelo próprio Estado, permitindo concentrar a documentação necessária no ato inicial de registo.
  3. Aumentar o limite do valor anual de faturação, em valor a determinar, para as empresas que podem pagar o IVA trimestralmenteAtualmente esse valor é de 650 mil €/ano de volume de negócios. Aumentar este valor permitiria que muitas empresas passassem para o regime trimestral, ganhando folga na tesouraria.
  4. Introduzir o “reverse-charge” nas vendas de bens e serviços de empresas a entidades da Administração PúblicaO “Reverse Charge” consiste na obrigação dos operadores económicos, enquanto adquirentes de bens e serviços, de liquidar e entregar o imposto. Este mecanismo existe para as aquisições intracomunitárias de bens (quando o adquirente num Estado membro é um sujeito passivo de IVA; sendo que o vendedor, noutro Estado membro, é sempre sujeito passivo de IVA). Mas existe, desde 2007, também nas operações internas, para os serviços de construção civil, prestados entre dois sujeitos passivos.

    Ou seja, a aplicação do “reverse-charge” resultaria que uma empresa venderia à entidade pública sem IVA e seria a entidade pública a entregar o IVA ao Estado. Isto é, a empresa vendia por 1.000 (sem IVA), e a entidade pública teria de lhe pagar (à empresa) os 1.000. Os 230 de IVA seriam entregues pela entidade pública (que depois poderia ou não deduzir esse IVA, se tivesse direito à dedução do imposto).

    Para este mecanismo usar-se-ia as entidades públicas com o número de contribuinte (NIPC) começado por 6, por uma questão de controlo. Com o atual sistema de controlo de faturação das empresas, esta alteração torna-se mais fácil de controlar por parte da Administração Fiscal.

Sei que alguns vão dizer que as entidades públicas por regra não entregam a declaração periódica do IVA, dado que são não sujeitas ao imposto ou estão isentas. Contudo, estas entidades continuariam a não ter de entregar a declaração mensal/trimestral. Não é preciso. Como não deduzem IVA, teriam apenas de fazer o pagamento do IVA autoliquidado. Para isso não é preciso preencher a declaração. Basta fazer a transferência da conta da entidade para a conta do Tesouro (com a vantagem que ambas as contas estão no IGCP).

Em síntese, procurar libertar recursos para a economia e tornar a administração pública mais eficaz e transparente são requisitos fundamentais para desenvolver o país e ter crescimento económico.

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